NOSTALGIA
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Nostalgia”. Original do Autor. Junho de 2018.
"Nostalgia". Jas. 2018
RÁPIDA COMO O VENTO Passou por mim Essa palavra saudade Numa rua do meu bairro Sob o céu desta cidade. GRAVEI-A NA Minha mente, Evoquei-a Ao crepúsculo, Com incerta Nostalgia... .................. Não queima tanto, A palavra, Porque a sinto Mais fria! COM CESÁRIO, Dei-lhe cor E canto-a Como pintura, Dei-lhe vida Num romance, Tento tudo O que não posso Porque esta dor Me perdura... DA SUA COR Vejo o mundo, Com palavras A recrio, Procuro sempre O teu rosto... .................. E por mais longe Qu’estejas Eu não me sinto Vazio. A DOR DESTA SAUDADE Alimenta-me A alma E aquece a minha Vida... E assim eu vou Vivendo Em eterna Despedida, Neste cais Que não tem fim, Em partida Que não há, Um adeus que não Me dizes, Porque tu Nunca saíste Deste meu Lado de cá. MAS HÁ SEMPRE Esta saudade A que chamo Nostalgia! Vivo em tristeza Feliz Porque te sinto Em cada dia. NÃO TE TENHO, Mas não te perco, Estás longe, Perto daqui, Não te encontro Nem te vejo, Mas sei que não Te perdi... INSPIRA-ME, A NOSTALGIA... Recrio-te em cada Instante! Sou poeta, Sou pintor E também sou Arlequim... ............... Por isso vejo O teu mundo A partir de um Camarim! ESCULPO TEU ROSTO Com palavras Do meu peito, Pinto-me a alma D’azul, Voo contigo Em sonho E o destino É sempre o sul... LEVO COMIGO PINCÉIS E as asas Do poeta. Danço. Sou arlequim. Pinto-me nesta Ribalta Com as cores Que vês Em mim! SEM TI NESTA RUA Da saudade Sou palhaço Em camarim Que maquilha O seu rosto Para um palco Sem fim... REPRESENTA PARA TI Sem saber Se lá estás... ........... A verdade Já não lh'importa, É feliz com O que faz! ASSIM VIVE O ARLEQUIM. No palco, É só arte O seu fazer, É dádiva que ele Te entrega Como modo De viver!
Transcrevo aqui o comentário que a Prof.ra Maria Neves fez ao meu poema de hoje:
“Maria Neves Leal Gonçalves. Estamos perante um belo poema! A imagética do amor em simbiose com a dualidade transfiguradora e transfigurada do POETA/PINTOR tem marcado, discursivamente, as últimas poesias de João de Almeida Santos (JAS).
É nesta dualidade que o poeta se tem posicionado, contaminando semântica e lexicalmente todo o arranjo estrófico com representações pictóricas da (ir)realidade: Atentemos nos seguintes versos: “DA SUA COR/Vejo o mundo,/Com palavras/A recrio,/Procuro sempre/O teu rosto…”.
Ler a poesia de JAS é um exercício estético desafiante pela riqueza intertextual que as suas poesias encerram. Neste caso concreto, JAS evoca Cesário (o poeta–pintor impressionista da cidade de Lisboa), mas há outros intertextos implícitos neste poema, significativamente intitulado, “Nostalgia”. Vislumbram-se nele ecos da poesia trovadoresca nomeadamente de um cantar de amor de D. Dinis “Que soydade hei de mia señor” e das isotopias da “saudade” e do “Adeus” de alguns poemas românticos de Garrett.
A maturidade poética de JAS transfigura-se neste poema num sujeito poético tríplice: “Sou poeta,/Sou pintor/ E também sou/Arlequim…” E é nesta tríade que é proposta ao leitor a percepção pictórica de um (ir)real bem como de estados de alma em busca de uma determinada realização estética e vivencial:
“ASSIM VIVE
O ARLEQUIM.
No palco,
É só arte
O seu fazer,
É dádiva que ele
Te entrega
Como modo
De viver!””.
Mais uma vez, a Prof.ra Maria Neves dedicou um belo comentário a um poema meu. E eu renovo-lhe o meu obrigado pela atenção, o cuidado e a bondade com que aprecia o que faço. É bom ler o que a Professora escreve também porque representa um grande estímulo. Sim, neste caso é de um poeta, um pintor e um comediante que se trata. De um (tríplice) sujeito que foi sugado pela irresistível força da arte, preço de se atrever a andar por ali com desenvolta frequência. Bom, se andou por ali foi porque a força do real lhe deu asas e propulsão. O certo é que, ao que diz, a verdade já não importa, obrigado que está a viver em camarim, com fato de arlequim, pintando o rosto com as cores de quem (julga que) o vê e exibindo-se num palco que é a sua vida… Os holofotes cegam-lhe o olhar e, por isso, é como se representasse para todo o mundo… A imagem do arlequim ajudou-me a afinar a estratégia discursiva do poema e do quadro. Introduziu maior realismo nas ideias de palco e de representação. Sim, evoco o grande Cesário Verde: “Pinto quadros por lettras, por signaes…” e dou-lhe corpo não só na poesia, mas também na pintura, cada vez mais num estimulante processo simbiótico que me fascina. Revisito sempre esse belíssimo livro na edição pintada pelo saudoso João Vieira que, da obra, fez duas belas e diferentes edições (uma delas, riquíssima, obra de Galeria) para a editora “Tiragem”, do Carlos Serra e Moura. A Professora Maria Neves tem-me levado com maior frequência para o Garrett de “Folhas Caídas” (“Este Inferno de Amar”… tão belo!). Até o título é belo… outono, a melancolia, o sonho… Aqui, nestes dias, também encontrei a nostalgia, à medida (mas não só) que ia compondo o quadro, inspirando-me em Klimt, em fragmentos, mas a propósito de uma flor que acabou por desaparecer. Ficou lá, claro (com lugar vazio, mas marcado), tinha de ser, mas em ausência. Afinal todo ele foi executado para ela e eu, implacável, por exigências puramente estéticas – algum minimalismo – acabei por sacrificá-la, somente em valor facial. Mas um dia voltará. Não será no próximo Domingo (uma rosa branca, firme, tomou-lhe o lugar), mas voltará. Obrigado Professora. Um abraço. JAS
Ilustre e Estimado Professor!
Estou de volta. Após muitos longos dias de trabalho, que me têm deixado sem os merecidos tempo e concentração que tão magníficos Poemas e Ilustrações merecem.
Falando deste último, “Nostalgia”, só posso dizer: LINDO! Um Poema fantástico, envolto num jogo de palavras e sonoridades que transportam o leitor para um “palco” exclusivo… Em cujo jogo se articulam também cores e formas deveras contrastantes, mas em harmonia plena… Relembrando G. Klimt!
Com (muita) admiração, Fernanda
Gosto de a ver por cá. Obrigado pelas suas generosas palavras. Sim, Klimt! Gosto muito e inspira-me. Também gosto das cores do arlequim. E o palco é um elemento decisivo no processo compositivo. É através dele que comunicamos…
Um abraço do JAS