FUGA
Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Corpos”.
Original de minha autoria
sobre bailado de
Angelin Preljocaj para este poema.
Dezembro de 2018.

“Corpos”. Jas. 12-2018
POEMA – “FUGA”
SINTO A TUA FALTA
E como a sinto
Eu danço e danço
Até cair exausto
No palco
De um poema.
SINTO O TEU SILÊNCIO
Murmurado
E como sinto
O meu canto
É triste,
Amargurado!
MAS NÃO SINTO
A tua pele
E como não a
Sinto
Eu pinto-a
De cores intensas
Numa folha
De papel.
NÃO OUÇO
A tua melodia
E como não a
Ouço,
Nem que seja
Por um dia,
Eu caio logo
Em silêncio
Para melhor
Te sentir,
Cá dentro,
Na minha fantasia.
FAZ-ME FALTA
A tua voz,
O teu sorriso...
..................
E como
Nunca me dizes
O nome
Digo-to eu
Num poema
Tão sofrido
Que busco
Um paraíso
Onde me sinta
Perdido!
DA TUA FALTA
Nasce em mim
A orquestra
Para uma
Sinfonia,
Corpos que
Dançam
Abraçados
Ao sabor da fantasia,
Andamentos
Sem fim,
Em catarsia,
Contrapontos de
Silêncio,
Luzes e cores,
Aromas e
Flores...
..........
Neste palco
Do poema!
TU FALTAS-ME
E eu revivo-te
No canto e
Na cor,
No silêncio e
Na dor,
Na dança
E no amor,
Na poesia...
...............
Em palavras
Que lanço
Ao vento
Construindo
As paredes
Desta minha
Utopia.
TUDO RECRIO
P’ra te reencontrar
À distância
De um poema,
Cantar-te,
Dançando
Com palavras,
Dizer-te
Em silêncio
Para melhor
Ouvir
O que nunca
Me dirás.
VISITO-TE, ASSIM,
Das mil maneiras
Com que te
Procuro
E te digo,
Encerrado
Numa torre de marfim,
Nesta teia
Enredado
P’ra melhor
Te reviver,
Com a leveza
Da arte,
Cá bem mais
Dentro de mim.
Toda a composição poética gira em tomo de campos semânticos que se interligam: a dança no palco da vida, a dança no palco da poesia e a dança no palco da arte.…
“Eu danço e danço
Até cair exausto
No palco
De um poema”
Assim, a imagética, orquestrada ao longo das estrofes, começa, logo, nos primeiros versos, entre a exaustão e o intimismo de uma mensagem de amor e a superação do vazio e da fuga através da arte efabulatória da criação poética. Há como que uma teia onde o espaço íntimo se articula com a vibração poética:
“Nunca me dizes
O nome
Digo-to eu
Num poema
Tão sofrido
Que busco
Um paraíso
Onde me sinta
Perdido!”
È neste sentido, que habita, no poema, uma arqueologia do amor em que o dualismo e até o paradoxo (“Que busco/Um paraíso/Onde me sinta/ Perdido!”) de alguns versos incutem ao poema um tom fantasioso e utópico mas também intimista ( e quiçá épico).
Acresce a este caldo de emoções ( e de afectos mesmo na ausência do ser amado), dispositivos lexicais e semânticos – de cor e de pintura, de palavras e de poesia, de dança e de movimento… – em diálogo intertextual estreito entre o belo e metafórico poema e a bela e colorida ilustração que o acompanha.
Obrigado, Professora Maria Neves. Fuga, sim, para o efabulatório, o poema como palco onde há figuras e movimentos de palavras, onde a alma se exibe livremente… A teia está lá, como no palco onde se exibem os corpos femininos ou na torre de marfim que encerra esta idealização do sentir, uma prisão dourada onde a liberdade se exprime como fantasia, em palavras e em cores intensas, até à exaustão. Tudo perante o mundo… num palco. Foi isso que procurei: ausência > efabulação retórica e cromática > palco > teia que oprime e liberta. Diálogo entre a cor e a palavra, simbiose… ao serviço de uma estratégia discursiva e de uma retórica interlocutória através da arte, na sua mais intensa dimensão performativa, quase como um profissional exercício terapêutico. Este exercício aquece a alma dos corpos (e das almas) cercados pelas convenções, pela mecânica do realismo incolor, pela relação “banáusica” (como Arendt a concebia: “bánausos”, mentalidade utilitarista – “Entre o Passado e o Futuro”, Lisboa, Relógio d’Água, 2006, p. 225) com a realidade. Obrigado, cara Professora. Um abraço ☺️!