Ensaio

PESSOA REVISITED

(Nova Versão revista e aumentada)
A propósito de “Pessoa. Uma biografia”,
de Richard Zenith

Por João de Almeida Santos

Pessoa4

“S/Título”. JAS. 10-2022

“PESSOA. UMA BIOGRAFIA”, de Richard Zenith, é uma obra monumental, com quase 1200 densas páginas (mais exactamente: 1184; Lisboa, Quetzal, 2022, com uma excelente tradução do original em inglês por Salvato Teles de Menezes e Vasco Teles de Menezes), que segue milimetricamente a vida e a obra de Fernando Pessoa, do nascimento à morte, como se o autor procurasse, pela via histórico-analítica, encontrar o verdadeiro Pessoa, o que se escondia sempre nos inúmeros heterónimos, do Alexander Search (“uma projecção do próprio Pessoa”, p. 266), dos primórdios, ao neopagão António Mora, ao Alberto Caeiro, ao Álvaro de Campos ou ao Ricardo Reis. Estes três últimos os principais. Encontrar o personagem que ia sendo moldado (embora o seu mestre Caeiro gostasse de dizer: “contenta-me ver com os olhos e não com as páginas lidas”) pelas inúmeras referências intelectuais que visitava regularmente, John Keats, Edgar Alain Poe, Milton, Walt Whitman, Oskar Wilde, Shakespeare, ou até ele-próprio na figura do seu assumido mestre Alberto Caeiro, o poeta puro, o guardador de rebanhos. Não tanto o Bernardo Soares, porque esse era somente um semi-heterónimo (p. 889) que, por vezes, se identificava totalmente com o Pessoa (p. 817), esse sujeito que chegou até nós envolto na neblina dos heterónimos e nalgum sebastianismo. Parece, de facto, ser verdade que, por vezes, “Pessoa e Soares coincidem na perfeição”, diz Zenith (p. 939). E digo também eu, que não sou especialista em Pessoa, mas um simples frequentador assíduo do Livro do Desassossego, essa admirável obra filosófica em fragmentos. Sendo ele próprio, ou quase, não podia ser seu mestre, como reconhecidamente acontecia com o Caeiro. Mas, quem sabe? Com o Pessoa tudo é possível.

I.

A coisa é tão espantosa que até o nome Fernando Pessoa parece ser também o heterónimo de um sujeito não inscrito no registo civil, como se a pessoa física estivesse integralmente subsumida no produtor de arte literária, não existisse enquanto tal. É por isso que algures, neste livro, se diz que Fernando Pessoa é aquilo que escreve. Nada mais. Como se o resto fosse simplesmente espectral. Se dúvidas houvesse, bastaria ler o que ele próprio escreveu em 24.08.1930: “Não sei quantas almas tenho / Cada momento mudei / Continuamente me estranho / Nunca me vi nem achei” (p. 850). É fingimento? A julgar pelo que foi realmente a sua vida e a acreditar no que nos conta Zenith, sim, é fingimento, mas para valer, como se fingir fosse viver ainda mais profundamente do que, pura e simplesmente, existir, se é que é possível existir sem fingir. Fingimento poético, entendamo-nos. Ou não fosse verdade o que dizia o bobo Bitolas a Aurora, em “Como Vos Aprouver”, de William Shakespeare: “a poesia mais verdadeira é a que mais finge” (p. 877). Ora toma! Logo haveria de ser Shakespeare o inspirador da sua “Autopsicografia”. O nosso autor bebeu bem em Shakespeare. Sem dúvida, como está clara e amplamente demonstrado nesta obra. Uma coisa é certa: a poesia não é descritiva, denotativa, como gostam de dizer os linguistas. E, se não é, o fingimento tem um valor diferente, na poesia.  Com ela, não se descreve, sente-se, mesmo que se finja. Mais: só é mesmo poesia se fingir. Se tiveres de confessar algo, dizia ele, então “confessa o que não sentes”, ou seja, finge (p. 998). Finge que é dor a dor que deveras sentes. Mas não é poesia se não se sentir. Assim é que é. O resto é virtuosismo linguístico, jogo artificial. Só quem sente pode poetar, mesmo que seja só pelo gosto de sentir, não o sentir propriamente dito, como me parece ser o caso. Só em parte, para o caso do Pessoa, diria a Ofélia, que experimentou o calor dos seus beijos, mas não os do Álvaro de Campos, para o qual, de resto, “Fernando Pessoa (…) não existe, propriamente falando” (p. 999). Mas se não existe como poderia sentir? Talvez seja vingança do Campos por Pessoa se ter apaixonado por Ofélia, algo que nunca devia ter acontecido. Querem melhor prova do que esta? Ou o que diz Zenith: “Os poemas e os textos em prosa eram ele, a própria pessoa dele, ou os fragmentos da pessoa, ou Pessoa, que não existia enquanto tal” (p. 1046). Será que o Campos achava que a relação com a Ofélia o tornava real, banalmente real, e, por isso, impróprio para a poesia ou para a literatura? O que parece é que o Pessoa estava sempre a colocar-se no tal intervalo (entre si e o real) de que falava o Bernardo Soares. A colocar-se num espaço intermédio que não era palco nem plateia.

II.

JÁ NÃO CHEGAVA O HETERÓNIMO dizer que ele não existia, agora vem o biógrafo confirmar a tese do Campos. E a Ofélia a sentir-se cada vez mais uma alucinada que viveu um sonho real. O biógrafo chegou, se não erro, pelo menos duas vezes, a interrogar-se directamente sobre quem era, afinal, este Pessoa (pp. 761 e 941). Uma das vezes, interpelando mesmo o ausente. Claro, não teve resposta, mas estou convencido de que, em qualquer caso, não teria mesmo resposta. E, de facto, a interpelação do biógrafo só foi parcialmente respondida na fase final da vida do personagem, porque houve uma espécie de reincarnação existencial do poeta, tendo-se ele aproximado mais da vida e desnudando-se um pouco no “Livro do Desassossego”. Se bem entendi, a última parte do livro do Zenith é isso mesmo que nos diz.  Mas, em boa verdade, e no fim de contas, o Pessoa era mesmo só aquilo que escrevia. No essencial era isso. O outro não interessa. Só isso, mas sem deixar de ser muito mais do que isso. O que, afinal, lhe sobrava como irrelevância, constante fracasso, quando tentava resolver coisas na reles e banal vida quotidiana. Coisas sempre mal resolvidas, a começar pelos empréstimos financeiros. De resto, o que ele deixou nada mais foi do que um baú cheio de preciosidades literárias que iriam fazer dele o maior escritor português do século XX (que me desculpem os outros e também o Saramago).  Até a relação com a Mãe não correu lá muito bem… Que fazer? Ele não se ajeitava mesmo com a vida concreta, quando passava à tentativa de concretização daquilo que idealizava. Planificar, sim, tudo o resto era uma maçada e ele nem sequer estava para se chatear muito com isso. De resto, mesmo que quisesse e tentasse realmente nunca iria conseguir. Porque o seu mundo era outro. E não era só em questões amorosas, como foi o caso que teve com a infeliz da Ofélia Queiroz ou mesmo com alguma inclinação homo-erótica que tivesse tido em relação a jovens ou até a grandes amigos poetas como o Mário de Sá-Carneiro. Com este talvez tenha experimentado o homo-erotismo intelectual, o relacionamento afectivo através da poesia. Tertium datur. Isso mesmo: amavam-se em palavras aparentemente ou fingidamente impessoais. O que garantia a Pessoa ficar longe dessa “obscenidade” que repudiou (p. 869).  Nunca saiu da sua toca poética (p. 663). Só o suficiente para sobreviver. Bom, saiu com a Ofélia Queiroz. Saiu mesmo, mas, no fim, a realidade literária impôs-se, e até porque a consumação sexual, para além dos beijos apaixonados, corresponderia a trair essa decisão que tomou em 1930: “banir da vida a obscenidade”.

III.

E NÃO ERA SÓ O HOMO-EROTISMO, que nunca experimentou (não há evidências suficientes para o afirmar), era também deixar-se capturar pelo corpo de uma mulher e ficar queimado por esse perigoso ácido sulfúrico. Ficar com a alma queimada e, por essa via, também com o espírito. Isto não é conversa, não, porque, realmente, ele sentiu – e disse-lho – Ofélia como ácido sulfúrico. “Tu és ácido sulfúrico”. Deve ter estado alguma vez bem perto de se queimar gravemente. Talvez quando a puxou para um vão de escada e a beijou desalmadamente. Não sei mesmo se haverá um caso tão radical de vida vivida exclusivamente de forma literária como o seu, o de Fernando Pessoa. Parece possível que, namorando (que ele me desculpe por usar esta palavra, cujo uso lhe proibiu) com a Ofélia, faltasse aos encontros porque mandava um dos seus heterónimos, o Álvaro de Campos, encontrar-se com ela? Ou pedir ao Ricardo Reis para lhe telefonar a dizer que o Pessoa não podia ir ter com ela? Parecer, parece, e é verdade. De resto, o Álvaro de Campos não gostava da Ofélia e tentou sempre estragar-lhes a relação. Por isso ela odiava-o e pedia ao Pessoa para nunca o deixar meter-se nas relações entre eles.

Com tudo isto, a pergunta parece ser legítima: afinal, quem é este Fernando Pessoa?

IV.

FICA-SE IMPRESSIONADO ao ver a dimensão da cultura de Pessoa. Como se tivesse nascido para isso. Homo Totus Poeticus. Há nomes que se acrescentam ao vasto leque de referências literárias: o Johann Winckelmann, fundador da história da arte; já não digo o  de Christian Rosenkreutz, vista a sua inclinação para a alquimia, o hermetismo e o ocultismo, mas o de Johann Valentin Andreae, o teólogo protestante e provável autor dos três Manifestos Rosacruzes; o de Antínoo, a ponto de escrever um importante texto sobre este amante do Imperador Adriano; Santo Agostinho e as Confissões; o Proudhon de O que é a propriedade?, Max Stirner, o que é objecto de longa atenção de Karl Marx e F. Engels, em A Ideologia Alemã, o filósofo evolucionista inglês Herbert Spencer, o pai da psicanálise Sigmund Freud, para além dos inúmeros grandes nomes da literatura mundial com os quais dialoga e que já referi acima. Mas poderia citar também políticos que mereceram uma sua atenção especial como o Presidente americano Woodrow Wilson ou o Primeiro-Ministro inglês Lloyd George, por exemplo. Todas estas são só algumas referências, a título de exemplo, procurando evidenciar a riqueza da formação intelectual de Fernando Pessoa e de que a obra de Zenith nos dá um quadro exaustivo. Um espanto, a vastidão das multifacetadas referências de Fernando Pessoa. Espanto meu, pelo menos. Mas não é isto que faz dele um caso sério da cultura mundial. O que faz dele um caso sério é o problema da sua identidade, sobretudo se tomarmos na devida consideração que ele, de facto, como bom poeta e fingidor levitou sobre a realidade ao mesmo tempo que ia escrevendo uma enorme obra. Nem poeta se considerava, ou melhor, não queria ser conhecido como tal, senão não tinha proibido a Ofélia de dizer que ele era poeta, mas que, no máximo, escrevia poesia. Talvez fosse porque, como dizia o Caeiro, ser poeta não era uma ambição sua, mas sim, “a minha maneira de estar sozinho”. “Estar sozinho” – não é, em Pessoa, coisa de pouca monta, vista a sua vastíssima produção poética. Pobre Ofélia, que não só não podia dizer que namorava com ele, apesar de namorar, mas que também não podia dizer que ele era poeta, apesar de o ser. Puro negativismo em molho de afecto sincero. Disso parece não haver dúvidas. Só que outros valores mais altos se levantaram.  Mas, sim, trata-se do tal intervalo de que ele fala no Livro do Desassossego ou aquela estratégia de “criar a desanalogia entre mim e o que me cerca – eis a primeira passada e a vigília que começa” (p. 871).  Só lhe faltou mesmo dizer que ele, o Fernando Pessoa, não existia. Mas ficou perto. Na verdade, “certos personagens ficcionais eram mais reais para ele do que pessoas vivas”, sustenta Zenith (p. 451), dando assim credibilidade à hipótese de tudo converter – por exemplo, o amor – em “tópicos literários”. Ele próprio era uma dramaturgia em pessoa, um palco onde se exibiam os mais variados personagens: “sou a cena nua onde passam vários actores representando várias peças”, dizia no Livro do Desassossego (p. 1024). E a poesia era o seu “confidente”, diz Zenith (p. 941). Mesmo assim, considerava-se um poeta impessoal, apesar de tantas coisas pessoais que lhe aconteciam. O que poeticamente concretizava era precisamente porque os poemas lhe aconteciam, como disse o sobrinho de Ofélia e amigo de Pessoa, Carlos Queiroz. Nele acontecia poesia. Sim, poeta impessoal. Que melhor condição do que esta para fazer poéticas confidências, fingindo? Aproveitava a boleia do acontecimento.  Na verdade, ele era mais um “viciado na vida sonhada” do que um viciado na vida vivida. O Calderón de la Barca não diria melhor.

V.

O GASPAR SIMÕES, o primeiro biógrafo do Pessoa, com quem se correspondeu, e que eu ainda conheci em Roma, tinha uma teoria sobre a razão profunda da obra de Pessoa: “a nostalgia da infância perdida” (pp. 898 e 1025). Não sei. O próprio Pessoa dizia que isso era ficção literária. Mas lá que havia ali qualquer coisa parecida com perda, com desajustamento em relação ao real, com vida a decorrer num intervalo entre si e o real, em pulsão onírica mais forte do que ele, lá isso havia. E que ele sublimava, para não se perder na banalidade do real, também parece ser verdade. Ele precisava que o real estivesse ausente para recriar, o recriar à sua medida. Precisava de distância. Até de um país: “minha pátria é a língua portuguesa”. A distância era a que a língua portuguesa lhe permitia. E o Quinto Império era aí, nesse território da língua, não no território físico, que devia ser construído. Por isso é que ele julgava que seria capaz de concretizar essa utopia. O sonhador em perda sonha ainda mais alto. E ele sonhou alto, muito alto.

VI.

Vou-me referindo, nesta viagem, ao Bernardo Soares, personagem por quem sinto uma especial atracção, mas também me refiro sistematicamente a Fernando Pessoa, sem preocupações filológicas de distinção entre o próprio e os heterónimos e seguindo o fio da meada do livro do Richard Zenith. Às vezes entrando em diálogo com eles, no presente, para avivar a reflexão. Reproponho também, alterado, um quadro alusivo ao poeta, o mesmo Pessoa que se escondeu nos inúmeros heterónimos que construiu como máscaras para dizer a verdade: “o homem é menos ele quando fala na sua própria pessoa. Se lhe dermos uma máscara dir-nos-á a verdade” (Zenith, 2022: 422). E eu dei-lha, aqui. Mas esta figura parece ser, pelo menos por fora, a do conhecido desassossegado. Ou, então, a do próprio Pessoa, já que a do Soares só correspondia a metade dele. Uma máscara que vale para todos os seus rostos porque deixa indefinido o rosto vivo do poeta, lui-mêmesich selbst, exibindo tão-só os adereços que ficaram famosos e o identificam como Fernando Pessoa. Ícones. Simples, mas tão significativos ícones. Estes óculos exprimem toda uma filosofia, toda uma visão do mundo. Óculos a mais para rosto a menos. Rosto poeticamente dissimulado, escondido, à superfície, atrás dos adereços e, mais em profundidade, nos heterónimos.

VII.

ELES, ESTES ÓCULOS, mas o quadro em geral também,  reflectem um certo verdor com que o mundo felizmente ainda se vai exprimindo, embora nele o verde não represente lá grande esperança. Não sendo um vencido da vida, lidava mal com ela e a esperança ressentia-se. E não eram tempos propícios, como se sabe. Mas é de arte que se trata. Pelo menos aqui, neste quadro, com esta identidade oculta sob os dois ícones.  De qualquer modo, é um verdor mais verde do que o verde do mundo: o verdor espiritual, o que é pintado com palavras ou que sai directamente da alma de um pintor. E este saiu. Bem poderia ser, pois, o indivíduo que leva sempre a renúncia a peito e que se identifica com um tal Bernardo Soares, um gajo da família de um tal Fernando Pessoa, esse personagem sempre envolvido por um certo e sebastiânico nevoeiro ou, mais poeticamente dizendo, por uma certa neblina existencial. Sim, esse, o do desassossego. Um tal que, antes, dava pelo nome de Vicente Guedes, “um empregado de escritório introvertido” (2022: 688). Um tipo muito cerebral. Talvez até demais. Personagem estranho e pouco dado às cedências da vida vivida, que não à vida pintada com palavras, seja de que forma ou de que cor for. O tal que, estranhamente, não se ajeita com a poesia e que, quando precisa dela, pede ajuda a outros, designadamente ao engenheiro Campos. O que é estranho, porque o desassossegado é filho de peixe e, por isso, deveria saber nadar. Mas não importa, porque tem sempre ali à mão de semear vários e bons poetas, o Caeiro, o Reis ou o Campos, para não falar dos que escrevem em inglês. Mas ele, sobretudo ele, nem sequer se ajeita com a vida, o que já é mais natural do que não se ajeitar com a poesia. Uma alma mais filosófica do que poética, este desassossegado Soares, embora ele, o Pessoa, ache que não. Mas talvez assim seja, embora o seu criador se achasse “um poeta animado pela filosofia e não um filósofo com faculdades poéticas” (2022: 273). Talvez fosse as duas coisas. Com efeito, há uma dimensão da filosofia que se funde inteiramente com a arte. Querem um exemplo? Nietzsche. Mas esse personagem que não se achava filósofo era o eterno encapuzado com os barretes heterónimos e, por isso, pouco digno de crédito. Não era o Caeiro que também dizia que a poesia era a sua maneira de estar sozinho? Uma coisa é certa:  o gajo não acertava uma em cada projecto que imaginava. Projecto que nunca (ou quase nunca) concretizava. Ele era bom, sim, era a estar sozinho. Perguntem ao Richard Zenith que sabe tudo sobre ele (sabe mesmo) e verão que é verdade. Mas, para seu consolo, sempre poderíamos dizer que há por aí tantos outros que não se ajeitam com a vida, mas não sabem. Eu acho ele que sabe, até porque o que é importante para si é construir ou reconstruir o mundo com palavras. Que será mais mundo do que o mundo propriamente dito. E, por isso, o importante é a arquitectura, não a construção.

VIII.

Pessoa, o arquitecto. Mais arquitecto do que engenheiro. Se não é, tem de ser, até porque ele tem o espírito e a alma franzidos pela aspereza e a contingência do existir, do real, do mundo, da vida. Dá-se mal com isso. Ele bem tenta adaptar-se às suas exigências, mas nunca consegue. Falha sempre nas tentativas de entrar no mundo pela porta. Só entra pela janela, à distância. O que o leva, sobretudo ao Soares, a reiterar teimosamente a sua militante dissidência e o seu ziguezaguear em relação à vida. A sua dissidência estética da vida. E erótica, também, pois, apesar de os espíritos do além lhe terem garantido sucesso, só foi capaz de dar uns beijos à Ofélia Queiroz, antes de se despedir dela numa carta um pouco fria e talvez mesmo despropositada (2022: 690-691). À sua maneira ele é um insurgente existencial que tem como única arma de combate a palavra. Move-se a partir da superfície plana da existência (é assim que a assume) para dentro. Parecendo falar para os outros, o que ele faz é falar de si para si, a propósito de tudo e de nada, inventando interlocutores à medida do momento e das circunstâncias. O seu olhar é como que devolvido pelos óculos, que se lhe colam ao rosto como sua pele. Como uma máscara. Ou melhor, como suporte de todas as máscaras. O seu não seria rosto sem o chapéu e estes óculos. Ficaria tudo a negro… ou a verde. Óculos como espelho da alma mais do que espelho do mundo e para o mundo, trabalhados a cinzel como se quer a um filósofo que goste de poesia, embora não se ajeite com ela. Quer ele queira ou não – e já disse que não – é filósofo. Oh, sim, também é, ou então não tinha encarnado no desassossegado Soares. Ficava-se pelos outros. E é por isso que me associo a Zenith e lhe pergunto descaradamente: “o verdadeiro Fernando Pessoa quer fazer o favor de se identificar?”. Ou o senhor é sempre outro, nunca você próprio (2022: 761)? Ah, os óculos! Às vezes até parece que ele não é mais do que uns óculos que só vêem para dentro, embora o seu mestre Caeiro tenha dito “Não vejo para dentro. Não acredito que eu exista por detrás de mim”. Mas o Caeiro era muito especial e cedo ficou pela caminho, a guardar os seus rebanhos. Creio que em 1915. A importância dos óculos: como se o meio fosse a mensagem – uma mensagem “ocular” com uma estranha cor que lhe devolve um real já pré-representado por si. Um verdor que é mais seu, mais íntimo, do que exterior, do que da natureza. Os óculos como terminal de um cérebro autocentrado. Tudo se passa aí, entre a alma (um pouco queimada, não sei se pelo “ácido sulfúrico”) e o espírito. Mas depois não me venha dizer que não vê para dentro. O Caeiro, sim, é ele que o diz, mas o Pessoa ou o Soares não. Estes também vêem para fora, embora pouco.

IX.

DIGAMOS A VERDADE: não há existência tão verde como o verde que se reflecte nos seus óculos, o da alma. E talvez nem sequer a sua alma reflicta tanto verdor. Eles, os óculos, em boa verdade, são mais um espelho do espírito do que da alma. Nem espelho do mundo nem da alma, mas do espírito. Voilà. É este, o espírito, que pinta o verdor com palavras. Afinal, alma e espírito nem são a mesma coisa, pois este é culto e aquela, a alma, pode não ser. Falo no plano transcendental, claro, embora um espírito inculto seja mais alma do que espírito. Digamos, uma alma um pouco espiritual. Mas a verdade é que a alma não tem de ser culta. A alma sente e o espírito pensa. Mas pode haver um sentir inteligente, uma alma que pensa? Talvez não, porque a inteligência tende a embaciar o sentimento. Tal como o sentimento embacia a inteligência. Pelo menos em parte, porque não fluem, ambos, livremente, turvando-se mutuamente. É como o amor. Não há amor inteligente, mas amor feliz… e doloroso. O amor é mais da ordem da alma do que da do espírito. É por isso que se diz “dor de alma” e não “dor de espírito”. E, por isso, o espírito é perigoso para o amor. Quando ele chega, dita lei e o amor acaba. E ele, o Bernardo, vê sempre o amor com o filtro espiritual dos seus óculos. Foi o espírito dele, o do Bernardo-Pessoa, que derrotou a Ofélia Queiroz e não só o intriguista Álvaro de Campos. Aquele desenhava o amor com palavras, isto é, neutralizava-o ou, pelo menos, relativizava-o. E isto acontecia cada vez que ia passear com ela e levava com ele o Álvaro de Campos, que também  contribuiu para estragar a relação, embora, como é evidente, a questão fosse mais funda do que a mera influência do engenheiro naval. Ou seja, o Pessoa anulava o amor, porque ele tem de ser incondicionado, não pode ficar engavetado em palavras. Mas o Zenith também diz que o Campos sempre fez tudo para “frustrar o relacionamento deles” (2022: 675). Juntou-se a fome com a vontade de comer. O Fernando acabou, como sempre, por transformar o seu relacionamento afectivo num tópico literário (2022: 574). O que não se pode é atribuir todas as culpas ao Campos, quando, na verdade o problema residia a montante e era mais fundo. Mas foi assim que o Pessoa arrumou o assunto. Para sempre.

X.

Pois, com este verde, que o torna irreal, até mais do que já é, e, por isso, mais perdurável, é mesmo ele, o homem da renúncia, o que nunca se deixa ir para não se perder, ao sair de si, o que quer subsistir… à força de sentimentos desvitalizados e transfigurados. Ou não foi ele que disse que “agir é exilar-se” (2022: 802)? E, se tivesse de se “exilar”, então, o melhor era mandar o Campos encontrar-se com a Ofélia ou, pelo menos, irem os três passear. Assim, “exilava-se” menos. Estão a ver? O perverso era mesmo o Pessoa, que usava o Campos para conseguir o que não tinha coragem para fazer. A verdade é que ele olha para a vida – o olhar deveria ser tudo – como para uma galeria de arte, sobretudo uma galeria de arte literária, que as outras artes podem muito bem ser subsumidas na literatura, à excepção talvez da música (2002: 504). Ele olha para um rosto como para uma fotografia pendurada numa parede, animando-a com o que tem disponível na alma naquele momento. Mas no qual não toca sequer com a ponta dos dedos. Tudo parece ser, para ele, um pretexto para redesenhar o mundo no seu estirador mental. Redesenhar também Portugal e elevá-lo a V Império, pelas letras. Como fazem os melancólicos profundos quando se sentem impotentes para o mudar realmente, na prática. Desenham-no com os traços e as cores da utopia e acreditam que um dia ela acontecerá. Pelo menos no papel. Sim, sim, apesar de eu ter dúvidas de que o Soares ou o seu Artífice alguma vez tenham querido verdadeiramente mudá-lo na sua mundana escala. Tentativas não faltaram, como nos conta o Zenith, mas nunca passavam de projectos que essa figura algo espectral e movida pelo vento nunca (ou quase nunca) passava à prática. Sim, sim, o Pessoa é mais arquitecto do que engenheiro. Mas não creio que por ser incapaz ou por não ter jeito para isso, como o Soares dizia que acontecia com a poesia. O que, lá mais no fundo de si mesmo, ele não quer realmente é misturar-se com essa irrelevância da vida vivida. Porque ela é banal, andam por lá todos… Era o que mais faltava!

XI.

NA VERDADE, este homem tem o corpo confundido mais com o espírito do que com a alma. Só se lhe vê a parte de cima, o sítio onde está o espírito, de propósito, o que não aconteceria se tivesse jeito para a poesia e andasse por aí aos trambolhões, dorido de alma. Nesse caso, haveria de se lhe ver o peito. Mas não, porque também tem a alma confundida com o espírito, numa progressiva redução de planos, ou camadas. Ele, afinal, é um desdobramento do seu Artífice, esse espírito voraz, capaz de (in)digerir o mundo com palavras. Uma bela operação, diga-se. As palavras viram-se para dentro dele, dobradas sobre si, e o bigode (que está lá, mas não se vê) é a porta fechada da sua fala. Uma fala espiritual. Resistente e fechada, à força, não vá a tentação abri-la e deixar escapar um reles sentimento carnal ou uma comprometida e ridícula declaração de amor. Não, não vá ele queimar-se com esse “ácido sulfúrico” que são as mulheres. Sabia bem o que temia: o “ácido sulfúrico” que era a Ofélia (2022: 679). É preciso renunciar.  Ficar na “mansarda” mesmo não morando nela (2022: 803). Mas para renunciar é preciso força de vontade e alguma crispação. Lábios apertados até se anularem na superfície lisa do rosto. A boca, tal como os olhos com os óculos, está protegida pelo bigode e pelos lábios apertados. “Vulgares bocas de mulheres beijas / E eu só o sonho vão da tua boca”, dizia num poema homo-erótico, que terminava dizendo que a sua maior tortura seria a de, aceite pelo amado, se sentir “incapaz do último acto”. Incapaz, ele, que tem “tanta gente” em si, de sair da “toca poética”, como refere Zenith (2022: 663).  Andam por aqui memórias de Antinous – A Poem, esse poema sobre a paixão de Adriano pelo jovem grego Antínoo, que viria a ser tão bem retratada por Marguerite Yourcenar, nas Memórias de Adriano. Sim, mas a boca, essa, beijou, e com loucura, diria, mais tarde, quem lha sentiu: Ofélia Queiroz. Mas foi sol de pouca dura, certamente porque o poeta não quis correr o risco de ficar “exilado” para toda a vida. E para isso criou um muro protector, o bigode, esse arame farpado que lhe protegia a alma. Tal como os óculos eram o muro que lhe protegia o espírito das vulgares insídias do real, do canto das “sulfúricas” sereias luminosas e tentadoras. Que mais se pode imaginar se não isto, quando olhamos para os seus óculos e para esse chapéu amarelo torrado ou laranja, de tanto sol apanhar? A verdade é que o espírito, mais do que a alma, precisa de sol, mas que não seja em demasia, para não o encandear ou mesmo incendiar. Precisa de sol indirecto e o chapéu absorve a energia solar e alimenta-lhe o espírito. Chapéu e óculos, as armas do guerreiro que quer ganhar o mundo à custa de palavras, em português ou em inglês, essa ondulação em que foi navegando durante toda a sua vida.

XII.

 “INDIFERENÇA SENTIMENTAL” – dizes tu, ó desassossegado! Essa até pode ser reconvertida em palavras ao rubro com a alma aos pulos, livremente, à vontade e até contra si próprio e tudo o que for planeado para ser eventualmente feliz. Ah, como é bela a indiferença se for minha e a puder converter em autêntica diferença. Ser indiferente de forma original é cultivar a diferença e afirmá-la perante iguais. Ser indiferente é indiciar (perante outros) que eu existo sob forma irredutível, que sou outros, muitos outros, para além deles, a ponto de nem me aperceber que esses outros eles existem. E eles sentirem isso na pele. Até a gravata, ou o laço, me torna mais encrespado com o exterior de mim. Agarra-me pelo colarinho e não me deixa ir. Sou livre à força… quase à forca. Morrendo para fora à medida que vivo para dentro… de mim. Sim, porque a minha “alma se identifica com aquilo que menos vê” (2022: 546). Para fora, claro. Não para dentro, que é onde eu vivo ou mesmo me conservo: “sou um fragmento de mim conservado num museu abandonado” (2022: 506). É que, depois destes óculos me terem protegido quando “uma rajada baça de sol turvo (quase) queimou nos meus olhos a sensação física de olhar” (Bernardo Soares), passei a olhar quase só para dentro, olhando de través para fora, sem tirar os óculos… Hum, só o suficiente. Minimalismo visual, diria. Mas não comprometido. Cedendo apenas um pouco à exigência desse objecto que tenho no meu rosto e a que chamam “óculos”. Nome tão estranho como o de “olho”… nome com esse som seco e quase oco que exibe como triste sonoridade. Óculos – prótese quase supérflua porque não me serve para ver o essencial, aquilo com que a alma mais se identifica. Serve para me resguardar, mas não para ver o essencial. Que está dentro de mim. Tudo o resto é puro acidente, coisa supérflua, e, portanto, só serve para ser visto de través.  O que até é demasiado. Os meus óculos são mais um muro do que uma prótese para ver o mundo. Quando falo para o mundo as palavras fazem sempre eco no muro e saem fazendo ricochete nele. Chegam lá de mansinho com a energia quebrada pela rigidez deste muro ocular. Demasiado de mansinho, a ponto de só timidamente me ir literariamente afirmando. O que requer um sentido prático da vida que eu não tenho e que, para falar a verdade, não quero ter porque não pretendo exilar-me de mim próprio. Ou lá o que isso seja.

XIII.

 “QUE OS TEUS ACTOS sejam a estátua da renúncia, os teus gestos o pedestal da indiferença, as tuas palavras os vitrais da negação” – é isso que sentes, ó desassossegado da vida, quando falas dela? É isso, renúncia, indiferença e negação? Tudo pela negativa? A vida é só metamorfose espiritual? É metempsicose? Com a fixidez desse teu olhar escondido atrás dos óculos metabolizas e suspendes a vida, para a viveres interiormente de forma mais intensa? Decidiste eliminá-la “pelo processo simples de” a “exprimir intensamente”, fazendo com ela o mesmo que fazes quando o obsceno te captura e te obriga a escrever, como fizeste, tu, Pessoa, em Epithalamium e em Antinous (Carta a Gaspar Simões – 2022: 416-417)? Está atento, que a vida ainda pode atropelar-te. E atropelou. Pouco, mas atropelou, levando-o a atirar-se para um vão de escada com uma Ofélia que beijava perdidamente. Sol de pouca dura ou, o que é mais provável, experiência obrigatória para quem estava a ser constantemente interpelado pelo além para experimentar o amor de uma mulher. Um amor que se revelaria desajeitado, talvez porque o que ele melhor sabia fazer era “uma arte de masturbação” (literária) (2022: 397-398), fosse qual fosse o excitante, homem ou mulher.

XIV.

 “UM AMARELO DE CALOR estagnou no verde preto das árvores”, dizes tu, com esse ar sisudo, de caso, Bernardo. Mas foi por baixo que estagnou… sim, no teu rosto, quase te queimando para a vida. Estagnou em ti porque estavas sob esta copa pouco frondosa, mas suficiente, que é esse teu chapéu amarelo torrado ou laranja. Mas, mesmo assim, o teu rosto pintou-se de verde, marca da passagem do sol por ele. O sol faz renascer o verde. Sem sol não há verde. Mesmo na poesia para haver verde é preciso que um sol interior te ilumine. Sim, sim, este verde está em ti porque não é humanamente real e faz de ti um ser livre e solar. Filho do sol. Em palavras. Mas foi o sol em excesso que te queimou a alma. Questão de luz, meu caro. Sobrou-te o espírito, eu sei, e só com ele te debruças sobre o mundo. Esse resiste e sobrevive. Mesmo sem alma ou com ela queimada, de tanto sol cair sobre ti. Queima-se a alma, liberta-se o espírito. Parece-te sensato? Não, não parece, mas não posso esquecer que tu és um insurgente existencial.

XV.

ACHO, POIS, que uma parte importante de ti, Fernando, se chama mesmo Bernardo e que essa parte gostaria muito de ter jeito para a poesia. Não tem, mas é como se tivesse. Por detrás deste verde escondem-se muitos outros rostos que adoram escrever poesia. Foi por isso que lhe arranjaste, ao Bernardo, tantos irmãos poetas, sabendo muito bem que a poesia não é para todos. Sobretudo para os que fecham as portas ao real e ao embate da paixão. Às fraquezas da alma. Claro, a poesia está perto demais do sentimento, da emoção, da vida e o Bernardo (e tu próprio) correria o risco de se deixar ir na onda da sua perigosa e lamentável fugacidade. Ser como os outros na sua triste corporeidade sujeita à prisão do banal e corruptível sentimento. Andar por aí aos caídos. Oh, isso é que não, mesmo que a poesia seja o lugar onde o sentimento acontece em palavras e onde se finge o que deveras se sente. Finge, sim, e sente, também. Mas o fingimento poético é a porta de salvação relativamente à queda amorosa da alma ou à “maladie de l’âme”, como diria o Stendhal. Mesmo assim, a poesia é perigosa, reconheço. O Campos era poeta, conhecia bem as insídias do sentimento e, talvez por isso, não gostasse da tua relação afectuosa com a Ofélia. E, cúmplice, ajudou ao desfecho.

Por isso, é melhor, no essencial, que o Bernardo (e talvez tu também) se conserve assim e não saia de si a não ser o estritamente necessário, só para espreitar, de esguelha, a realidade. Que se mantenha no intervalo, afaste um pouco a cortina e espreite o público a remexer-se nas cadeiras antes de o espectáculo da vida começar. De qualquer modo, esse pouco de vida de que ele precisa estará sempre lá, não desaparece. E assim ainda será maior (por dentro) do que o tamanho do que vê (por fora), se é que, com esses óculos, vê mesmo. Se vê é com os sentidos interiores, apesar do sinal enganador desses teus óculos de aparente observação externa e tão comprometedores.

XVI.

MAS, OLHA, e se te deixasses ir um pouco mais além, até à vida, achas que te tornarias banal? A tua relação, ou mesmo ralação, com a Ofélia banalizou-te? Ao menos toca o real com a ponta dos dedos e, se for caso disso, depois desinfecta-a com palavras um pouco mais fortes ou até mesmo mais ácidas. Ou tens medo do “ácido sulfúrico” da vida e do sexo?  Ah, bem sei! Uma parte de ti não tem jeito para a poesia e tu achas que só ela é que te poderia salvar em caso de perigo, em caso de contágio. Sim, o perigo é o sentimento, não a poesia. Bem pelo contrário, esta resolve, sem perigo, os perigos do sentimento. Mas tenta, meu caro, tenta, não sabes quanta metafísica pode haver na ponta dos dedos quando eles folheiam o real, sobretudo num poema, e o poder que têm de te resgatar dos fracassos da vida. Tens tanta poesia lá em casa! E da boa. Bom, mas não te quero convencer porque, como dizia o outro, o acto de convencer alguém é pura violência, é tentativa ilegítima de lhe colonizar a alma, de impor superioridade espiritual. E eu, que sou poeta, prezo muito a liberdade, a minha e a dos outros. E, portanto, também a tua. A de seres o que quiseres e ser sempre outro que não tu mesmo. O que quer dizer que também podes, ao mesmo tempo, ser poeta, ser Reis, Caeiro ou Campos ou mesmo essa parte de ti que é o Bernardo Soares e, portanto, resolver esse teu problema existencial. É como voltar a ser criança, como tanto desejaste quando já só te sentias um adulto com excesso de lucidez, a ponto de te começares a informar com o teu amigo sobre como seria a vida no manicómio onde o tiveram enclausurado por algum tempo. Mas não, tens muito mundo sobre o qual levitar com todos esses teus alter egos. Afinal, mesmo quando eras Bernardo Soares sempre gostaste de poesia, não é?

Pessoa4Rec

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