Os ‘media’ e a ‘política do negativo’

En este ensayo intento hacer un viaje en torno a las relaciones entre medios, política y democracia, donde la evolución de los medios hacia un creciente protagonismo político ha permitido también una evolución de la política hacia un modelo compuesto según las reglas del modelo mediático y de donde, sin duda, ha resultado un modelo dominante de política que podemos clasificar como «política tabloid». O sea, la política como continuación del audiovisual por otros medios. Así, como diría Jesús Timoteo, «los medios no son ya medios, son enteros (…), los medios son el poder».

Panoptikon

Num texto de Paolo Mancini na Revista RESET (101, 2007) é referido que John Thompson tinha usado a metáfora do “panoptikon”, de Jeremy Bentham, para «explicar que no centro da prisão ideal desenhada pelo filósofo inglês já não estava a sentinela que, graças às duas janelas colocadas nas paredes opostas das celas dos braços concêntricos da prisão, podia controlar sozinha todos os prisioneiros. Hoje, a relação inverteu-se, diz Thompson: na torre está o poder e todos os prisioneiros podem observá-lo. Os prisioneiros somos todos nós, podendo controlar continuamente o poder graças aos olhos dos “media”». A metáfora é perfeita, mas há que dizer que, produzindo-se a inversão, se alteram as próprias posições: prisioneiro é o próprio poder e sentinelas somos todos nós, através dos “media”. A coisa parece linear, mas, bem vistas as coisas, não o é. Não existe simetria perfeita. Se a sentinela podia ver directamente, sem mediações, os prisioneiros, já o mesmo não se verifica com a observação do poder pelos cidadãos. Se a simetria fosse perfeita, os prisioneiros (ou melhor, os cidadãos) poderiam ver e controlar directamente o poder. Mas acontece que a visão, neste caso, não é directa, mas sim indirecta ou mediada. Como se os “media” funcionassem como o espelho de Perseu, para os cidadãos não ficarem petrificados pelo poder, qual Górgone Medusa moderna. Os “media” chamam-se assim porque essa é a sua função: mediar. Se é verdade que a simetria, no ‘panoptikon’, se verifica, também é verdade que dela não faz parte o cidadão, mas sim os “media”. Ou seja, não se trata de uma simetria perfeita, porque a relação entre o poder e o cidadão não é directa. Onde deveriam estar os cidadãos ficaram os “media”. Mesmo quando parece que a relação de controlo é directa, como acontece na informação televisiva, a verdade é que continua a verificar-se uma mediação. A mediação do olhar do “cameraman”, a selecção do enfoque, a escala de grandeza, etc., etc.. A inversão de que estou a falar não se verifica, pois, entre o cidadão e o poder, mas sim entre os “media” e o poder, produzindo uma perda na instância política ao torná-la prisioneira do cidadão, vigiada pelos media, qual sentinela armada do poder de tudo ver. Naturalmente que numa simetria perfeita esta perda de poder seria compensada por um equivalente reforço do poder por parte do cidadão, uma vez que o poder (a política) tem horror ao vácuo. Só que, na verdade, este poder passa da instância política para os “media”, tornando-se residual a quota de poder directo obtida pelo cidadão. Ora, a transferência de poder da instância política para os “media” tem vantagens, mas também tem desvantagens. Vantagem, por exemplo, é que este poder passe para a sociedade civil. Desvantagem é que este poder transferido não possa ser sancionado pelo cidadão como acontece com o poder político de origem electiva. O grande equívoco que se verifica nas sociedades modernas consiste precisamente nisto: confundir os destinatários da transferência deste poder, ou seja, os “media” com o cidadão. É precisamente porque estamos perante uma espécie de “concessão” deste poder transferido que se põe o problema da sua regulação, o problema dos códigos deontológicos, da ética e da responsabilidade dos “media”. Questão tanto mais importante quanto estes mesmos “media” tanto podem ver e controlar o poder de origem electiva quanto podem ver e controlar o próprio cidadão, afinal, destinatário remoto da transferência do poder. O que acontece é que esta transferência do poder para os “media” os torna centrais no processo de controlo social, ao mesmo tempo que não disponibiliza mecanismos sancionatórios equiparáveis aos mecanismos electivos. A verdade é que, para além da lei geral, os verdadeiros mecanismos de regulação ou de auto-regulação pertencem sobretudo à esfera da ética, não representando também o mercado garantia suficiente como mecanismo sancionador. Mesmo conjugando mercado com códigos éticos e com poder sancionatório da lei geral, mesmo assim, não é comparável o poder que resulta desta conjugação com o que resulta do voto. O destino do poder transferido de que estamos a falar não é, pois, linear nem simples, uma vez que atinge directamente o coração da democracia representativa. Por isso, merece uma profunda reflexão o uso, pelos media, deste poder transferido funcionalmente, mas não decidido e delegado politicamente.

Spin

Esta transferência do poder para os “media”, teve, naturalmente, muitas vantagens, mas também deu origem a desvios extremamente graves para a democracia. Um desses desvios é conhecido como «spinning». Giancarlo Bosetti, director da excelente revista italiana “Reset”, propôs-nos, num ensaio intitulado precisamente “Spin” (Venezia, Marsilio, 2007), uma interessante aproximação a este fenómeno, fazendo uma sugestiva proposta sobre a evolução das relações entre cultura, intelectuais e política. Que reza mais ou menos assim: se é verdade que, para Karl Marx, a religião era o “ópio do povo”, funcionando como um alucinogéneo que mantinha os povos em submissa dependência dos poderes estabelecidos, para Raymond Aron, o autor de “O ópio dos intelectuais”, foi o próprio marxismo que acabou por se tornar “ópio dos intelectuais”, uma vez que, nele, a revolução e a utopia funcionavam como válvulas de escape das misérias de um mundo a que eles eram incapazes de se adaptar, porque injusto, imperfeito e incoerente. Esta tese fez-me lembrar o livro de Wolf Lepenies sobre a «Ascensão e queda dos intelectuais na Europa» (Roma-Bari, Laterza, 1992) e aquela alternância entre melancolia e revolução que tantas vezes dilacera o coração e a mente do intelectual. Porque quando não se projecta activamente na revolução, ele entra inevitavelmente numa melancolia depressiva, sofrendo terrivelmente pelo estado deplorável do mundo. Ora, quer em Marx quer em Aron as ideias possuem uma enorme força material, são capazes de moldar e de determinar o real e os comportamentos humanos. A concepção de cultura que subjaz a ambas as posições, de Marx e de Aron, assume uma dimensão verdadeiramente ontológica, e não puramente instrumental, das formas culturais, sejam elas religiosas ou filosóficas. Mesmo no caso de Marx (que não da ortodoxia), não é aceitável a ideia de que, para ele, a religião seja igual a pura mentira, a ilusão programada, instrumental. Identificando religião com ideologia, Marx refere-se sobretudo ao modelo de representação do real, como uma “camera obscura”, onde o real surge invertido e as causas surgem como consequências, numa clara oposição ao modo de apreensão do real pela ciência. É, no meu entendimento, no interior da dicotomia ideologia/ciência que deve ser entendida a natureza da ideologia. Ora, estas considerações levam-nos, com Bosetti, a concluir pela existência, hoje, de uma terceira fase nas relações entre intelectuais, cultura e política: a fase ‘spin’. Ou seja: o ‘spinning’ como o “ópio do século XXI”. Trata-se de uma “tecnologia invasiva”, ou política com “efeito”. O discurso político é aqui emitido com efeitos de distorção capazes de induzir no receptor leituras e comportamentos vantajosos para o emissor. Trata-se, agora, de uma comunicação meramente instrumental, sem dimensão ontológica, visando a obtenção de “efeitos” eficazes, sem quaisquer pretensões de validade cognitiva, mas com pretensões de validade emotiva. De puro pragmatismo! Esta nova fase, menos densa e sem profundidade temporal, corresponde a um período em que se verifica já uma enorme expansão do sistema mediático (a partir dos anos oitenta do século passado) e em que os “media” passam a constituir o verdadeiro espaço público, onde toda a comunicação política se processa. Sobretudo o espaço público electrónico, onde é possível usar, quase sem limites, as técnicas ‘spin’. Ou seja, onde é possível comunicar fora da dicotomia verdade/mentira a que de algum modo a comunicação escrita obrigava. Com efeito, a comunicação com imagens permite um ficcionamento da realidade que escapa a esta dicotomia, induzindo percepções e comportamentos com enorme eficácia. Permite a construção de narrativas envolventes onde se desconhece quando começa a ficção e termina a descrição de factos observáveis. Sobretudo lá onde domina uma concepção de jornalismo militante, «do ponto de vista», de jornalismo «advocay». De ‘spin doctors’ fala-se, por exemplo, quando analisamos a comunicação política de Bush (Karl Rove) ou de Berlusconi. A “consultadoria” em comunicação política tornou-se, por isso, fundamental quando os “media” ganharam uma centralidade inquestionável no processo político. Nesta fase, os cidadãos têm, de facto, um maior acesso à informação, quer no plano documental quer no plano global, designadamente através da imagem. De facto, através desta já é possível ao cidadão formular os seus juízos usando simplesmente os mecanismos cognitivos que usa na sua vida quotidiana. Ora, isto exigiu maior sofisticação nas técnicas para a conquista do consenso em torno da proposta política. Só que, estas, em vez de evoluírem em qualidade informativa, em informação analítica e em simplificação da complexidade, acabaram por crescer em capacidade de distorção cognitiva do real, em indução programada de comportamentos políticos, de desvio narrativo, produzindo sistematicamente efeitos prejudiciais à própria democracia, desacreditando-a e fragilizando-a. É por isso que muitos, hoje, dizem que a “credibilidade” é o valor central em política, quando alastra uma perigosa crise de confiança naqueles valores institucionais que sempre se constituíram como suportes fundamentais da democracia representativa.

Política do negativo

O «spinning», de resto, é amigo e companheiro da chamada «política do negativo» e da «democracia da emoção». Num estimulante ensaio, «Quando a política se entrega ao medo”, publicado no jornal italiano “La Repubblica” (6.11.2007), o filósofo esloveno Slavoj Zizek faz três considerações que me suscitaram uma preocupada reflexão sobre os destinos da política contemporânea. A primeira é a do reconhecimento da queda das ideologias e da sua capacidade propulsiva em política. As ideologias possuíam, com efeito, uma capacidade de apelo, uma profundidade temporal e uma consistência ontológica que se foram perdendo no tempo. Substituíram-nas as técnicas de marketing e o «spinning». A segunda é a do reconhecimento da assepsia da política contemporânea, confinada ao pragmatismo do fazer e fazer bem, do resolver com eficácia as questões concretas da vida em sociedade. Ou seja, a política como ‘policy’. A terceira é a de uma recuperação da paixão e da emoção políticas através de “uma política do medo, centrada na defesa contra potenciais perseguições ou violências”. Mais concretamente, do medo dos imigrantes, do crime, da depravação sexual, do excesso de Estado, com o seu fardo de pesados impostos, das catástrofes ecológicas, das violências, do terrorismo. Estes medos injectam na política aquela emoção ou aquela paixão que ela perdeu com a queda das ideologias políticas. Ora eu diria que esta política que injecta, deste modo, emoção e paixão nas ‘policies’ não se constitui como verdadeira síntese que integra e supera, numa ordem superior, a velha política ideológica e as novas ‘policies’. Na verdade, ela acaba por ser uma espécie de “síntese regressiva”, porque vive e se alimenta do “negativo”, numa lógica equivalente à da conquista das grandes audiências pelas televisões ou à do vulgar “tabloidismo”. É uma política que vive do poder de “atracção fatal” do “negativo”. Porquê? Pela eficácia desta categoria junto das audiências, junto dos cidadãos. Não só porque vivemos hoje em sociedades de risco, onde o perigo parece espreitar a cada esquina e onde o próprio “sentimento de insegurança” supera de longe os índices reais que medem a insegurança. A eficácia desta categoria deve-se, por outro lado, à sua linearidade e à força atractiva do emocional. A política e os “media” parecem assim convergir para um discurso uniforme, com as mesmas características operativas, a mesma eficácia, os mesmos objectivos e os mesmos ‘targets’. Como sempre, esta área do “negativo” é uma área de especial culto do ‘spinning’, podendo ser manipulada quer para operações de expansão das audiências mediáticas quer para operações de captação de consensos pela política, seja na óptica do poder seja na óptica da oposição. Ora, a política que se funda discursivamente nestes temas tenderá inevitavelmente a configurar-se também como “política do negativo”, marginalizando a “política como proposta”. A questão é tanto mais grave quanto, por um lado, o estatuto da oposição, interpretado linearmente, favorece este tipo de “política do negativo”, como poderoso instrumento crítico e eficaz meio de auto-afirmação política, e, por outro, a natureza do poder se revela propícia ao uso instrumental destes temas. O caso mais flagrante e radical que poderia citar é o da “estratégia da tensão”, ou seja, a criação de factos indutores de “sentimento de insegurança”, como justificação para o reforço instrumental dos mecanismos de autoridade do Estado. E, todavia, temos vindo a assistir a uma progressiva afirmação desta tendência geral, a uma aproximação cada vez maior do discurso político ao discurso das audiências, ao “tabloidismo”, produzindo-se, assim, um novo género: o “tabloidismo político”. O exercício da “política do negativo”, por mais eficaz que possa parecer, não responde, de facto, à dialéctica do confronto democrático uma vez que tende cada vez mais para a espectacularização do discurso político e para a redução das funções de cidadania a um radicalismo emocional primário assente no uso sistemático do “discurso do negativo”. É verdade, o mundo está incerto, o “sentimento de insegurança” cresce, as fracturas sociais insinuam-se cada vez mais. E não se vislumbra uma ordem mundial estável. Mas, por isso mesmo, a política deve constituir-se mais como força propulsora de soluções do que como força arrebatadora de emoções. Se assim não for, aquela transferência de poder para os “media”, de que falava no início deste ensaio, ainda agrava mais o défice democrático, não só porque confisca o poder do cidadão, enfraquecendo-o, mas também porque distorce a relação cognitiva e emocional do cidadão com o poder.

O «Bloco» e a classe média

Para onde vai o «Bloco de esquerda»?

É claro: o Bloco de Esquerda ambiciona substituir-se ao PS como força de governo alternativa à direita. Francisco Louçã não se cansa de o repetir. Não se alia a ele, quer substituir-se-lhe. É natural e legítimo. É esta a vocação dos partidos políticos. Mas não sei se é a dos movimentos. Esta opção tem, todavia, um problema, que passo a enunciar. O PS corresponde a um espaço de valores, de ideais e de programas que vem sendo definido como socialismo democrático ou social-democracia, onde a liberdade (individual) ocupa uma posição decisiva ao lado da igualdade, entendida como igualdade de condições e de oportunidades, onde ao Estado cabe garantir os bens públicos essenciais. Este espaço político tem uma longa história e nele tem vindo a reconhecer-se uma faixa muito consistente dos eleitores de meio mundo. É por isso que os partidos socialistas se têm constituído como as verdadeiras forças alternativas quer à direita quer às esquerdas igualitaristas e radicais. Este espaço está lá, não é uma construção mental ou um resultado artificial do consumismo eleitoral. Está lá e, sendo a identificação concreta dos cidadãos com este espaço variável, não o é suficientemente de modo a mudar a distribuição essencial da representação política. As variações mais significativas têm-se verificado sobretudo em conjunturas muito especiais, com lideranças fracas e titubeantes, em períodos de crise ou, então, motivadas por fracturas, muitas vezes graves, como aconteceu em França ou em Itália. Mas, no essencial, o espaço sempre continuou a ser ocupado por estes partidos.

«Partidos-âncora» e «Partidos-charneira»

Poderia fazer um raciocínio equivalente para a direita moderada, democracias cristãs, republicanos ou conservadores. E elencar casos em contexto histórico: democratas e republicanos, trabalhistas e conservadores, democracias cristãs e sociais-democratas, socialistas e populares. A história dos partidos nos últimos 60 anos dá-nos bem conta desta bipolarização essencial. Mas dá-nos também conta da emergência de «partidos-charneira», que nunca conseguiram ocupar o lugar dos «partidos-âncora», acabando por aliar-se com eles. Os liberais e, depois, os verdes, na Alemanha. Os socialistas em Itália, aliados da direita, desempenhando o PCI o papel de «partido-âncora» da esquerda moderada. Os liberais em Inglaterra, embora prejudicados pelo sistema eleitoral inglês. Em França, a bipolarização verificou-se também entre o PS e os gaullistas ou os liberais da UDF, de Giscard’Estaing. Em boa verdade, só em 1981, com Mitterrand, esta se viria a concretizar. Em Portugal, o CDS/PP tem assumido algumas vezes a função de «partido-charneira» (com o PSD e, uma vez, com o PS) e Paulo Portas não esconde esta sua vocação, assumida também como aspiração. Mas o mesmo não acontece à esquerda: nem com o PCP, pela sua rigidez político-ideológica, nem com o «Bloco», embora até possa parecer plausível, pelas suas características, uma sua aspiração a «partido-charneira», à esquerda.

«Middle-class»

Mas a verdade é que estes grandes espaços político-ideológicos, de centro-esquerda e de centro-direita, de que falo, estão lá, não são invenções de iluminados, correspondem a sentimentos fundamentais perante a vida de grandes faixas das populações, em ambientes politicamente estáveis. Correspondem a uma relação complexa com a vida que envolve muitas variáveis, sobretudo aquelas variáveis que resultam das experiências microcomunitárias (da família à aldeia, ao bairro, à freguesia). Uma relação avessa aos experimentalismos sociais, cheia de mediações e de rituais quotidianos de convivência, amiga da estabilidade e das microcomunidades naturais, pouco propensa a radicalismos e com uma dose razoável, e saudável, de individualismo proprietário. Estes espaços não se reconhecem no experimentalismo social nem se identificam com os voluntarismos construtivistas, sejam eles de esquerda ou de direita. Hoje, muitos designam estes espaços como lugar onde respira politicamente a

«middle-class», a nova classe média.

Que modelo de desenvolvimento?

Ora, perante isto, como pode o Bloco aspirar a substituir-se a um partido que vem mantendo, ao longo da sua história recente, uma representação política tão consistente, como o PS, com cerca de 35% do eleitorado, em média, nos últimos 35 anos, ou seja ao longo de todo o arco desta III República? Como consegui-lo, mantendo esta monumental indefinição identitária do Bloco de Esquerda, que começa logo na sua caracterização como partido ou como movimento e que termina por não conseguir definir uma identidade diferente daquela que sempre foi, afinal, própria dos partidos socialistas, nem capitalistas nem burocráticos? Louçã diz-se republicano, laico e socialista. Precisamente. Não se diz revolucionário. Mas isto quer dizer que ele pretende promover o verdadeiro Partido Socialista Reconstruído? Como consegui-lo, mantendo aquela dualidade corpórea das suas tendências internas, mais radicais, que, mantendo-se como partidos/movimentos autónomos (falo sobretudo do PSR e da UDP), se exprimem também como «Bloco», virtual frente destacada para a democracia burguesa? Como consegui-lo, mantendo um projecto político fortemente fragmentário, com propostas isoladas que não conseguem referenciar um concreto modelo de desenvolvimento, a não ser por via negativa? Taxar os ricos, acabar com os offshores, democratizar a economia (eufemismo para designar a superação da propriedade privada dos meios de produção), nacionalizar bancos, seguradoras e empresas de energia, castigar o capital financeiro, impedir administrativamente os proprietários de gerir livre e eficazmente as suas empresas (sem as transformarem em instituições de solidariedade social), acabar com os benefícios fiscais à classe média, na poupança, na saúde e na educação, etc., etc., são propostas, mesmo assim, insuficientes para determinar um modelo de desenvolvimento, nem capitalista nem burocrático. Como insuficiente é identificar-se como proprietário de causas que, afinal, são comuns ou transversais aos outros partidos (emancipação da mulher, luta contra as discriminações, defesa do eco-sistema, igualdade de género, luta contra o racismo…), pela simples razão de serem causas civilizacionais. Finalmente, como consegui-lo, persistindo na obsessão de federar todos os descontentamentos, gritando sempre pelos direitos e nunca pelos deveres ou colocando os deveres sempre dum lado e os direitos sempre do outro?

Tabloidismo político

Mantendo tudo isto, não consigo compreender como é que um partido (ou movimento) destes pode ocupar uma faixa eleitoral maioritária na nossa democracia. Tanto menos se compreende que Louçã, nas inúmeras entrevistas em que se vai desdobrando, diga cada vez menos, ou seja, praticamente nada, sabendo-se, afinal, cada vez menos de um partido que aspira a crescer cada vez mais. A não ser que essa seja uma mera táctica eleitoral, mero tabloidismo político em busca de audiência (eleitoral). Louçã fala de agendas escondidas. Mas ele vai mais longe: esconde a sua identidade política atrás de um enorme reposteiro de medidas avulsas de inspiração anticapitalista, proto-socialista ou vagamente comunista. Mais: Louçã diz não querer crescer à custa do eleitorado comunista, mas sim do eleitorado socialista, imaginando que esse eleitorado possa um dia vir a reconhecer-se num movimento/partido sem identidade ou com identidade escondida, lá onde se cimentam todas as tendências do imenso caldeirão ideológico submerso, federando descontentamentos e exibindo apenas uma «ideologia do negativo».

Ora eu não creio que a história dê razão a Louçã e aos pequenos taumaturgos que pululam no «Bloco». Também não creio que, com esta identidade submersa, possa representar uma classe média que, apesar da sua maior instabilidade ideológica, da sua mobilidade profissional e patrimonial, dos seus interesses corporativos conjunturais e do seu nomadismo cultural, se rege por padrões de estabilidade, de segurança, de liberdade e de complexidade existencial algo incompatíveis com o movimentismo político-ideológico e fracturante do «Bloco».

Tudo isto, independentemente das fracturas internas que sobreviriam se o «Bloco» renunciasse ao seu ADN, como partido do descontentamento, sendo chamado às responsabilidades governativas, e das ondas de choque que uma sua acção política reformista (nem iconoclasta nem revolucionária) desencadearia nos grandes grupos sociais com fortes interesses corporativos instalados.

Noutro lugar (joaodealmeidasantos.blogspot.com – «Para onde vai o Bloco de esquerda?») designei por «angústia feliz» as dores por que um bloco em crescimento já está a passar, a começar pela crescente afasia identitária do líder. Imaginemos o que não seria se ele crescesse eleitoralmente muito mais.

Mesmo assim, a pergunta que cada vez mais será feita é esta: será capaz o «Bloco» de descer ao compromisso, viabilizando uma solução governativa de esquerda sem correr o risco de implodir? Esta, a pergunta. Este, o desafio. Esta, a angústia.

Texto publicado também, em simultâneo, em http://simplex.blogs.sapo.pt/

Para onde vai o «Bloco de Esquerda»?

Aparentemente, nada de surpreendente tem a entrevista de Francisco Louçã à Revista «Sábado» (27.08.2009). E, de facto, a moderação do discurso até faz sentido se atendermos às responsabilidades do líder de um partido com a expressão eleitoral que hoje o «Bloco de Esquerda» pode exibir. Mas a verdade é que não deixa de ser surpreendente esta moderação. Ou é a dimensão da representação e das expectativas que faz milagres? A entrevista já foi objecto de crítica por dois «tremendistas» de direita, sempre presentes nos interfaces da comunicação, num jornal e numa revista. Creio ser também oportuno que os moderados de esquerda se pronunciem, na esperança de virem a conhecer, no «Bloco», aquilo que tem sido difícil de determinar: a sua identidade.

Partido ou movimento?

E começo por notar, no discurso de Louçã, uma primeira indefinição: o «Bloco» é um partido ou um movimento? Ele não no-lo diz, apesar de todos sabermos que não são a mesma coisa. Os partidos têm uma estrutura organizativa estável, uma ideologia, uma identidade, aspiram ao poder, reconhecem-se num líder, legitimado por eleições internas. Os movimentos são federações de causas, não são organicamente estáveis, não têm uma identidade ideológica clara, precisamente porque se organizam em torno de causas concretas. E o «Bloco», na verdade, ainda continua a querer parecer-se – até no nome e nos próprios Estatutos – mais com um movimento do que com o partido que cada vez mais é. Quem o diz é Daniel Oliveira, que o conhece bem: «Com mais peso eleitoral, o Bloco parece ser hoje um partido menos plural, mais ideológico, mais concentrado na figura do seu líder, com maior peso político do seu aparelho e mais parecido com o PCP do que era há dez anos» («Expresso», 29.08.2009). Então, por que razão Louçã não o assume, em vez de dizer que o BE representa as duas coisas, a legal e a substancial? Parece que na origem foi mesmo assim: federaram-se em torno de causas concretas, sem discutir identidades. Tratou-se de um método. Que se revelou eficaz. Por isso, se calhar, Louçã não pode ser mais claro, ir mais longe do que o Art. 1º. dos Estatutos do «Bloco», mantendo essa margem de ambiguidade e de mistério sedutor que atrai jovens e cultores da utopia e do movimento. Até porque, eventualmente, essa ambiguidade e esse mistério, sendo certamente condições de existência, são, ao mesmo tempo, condições de sobrevivência ou até mesmo condições do seu próprio sucesso. Diria até que as remotas origens das tendências que integram o «Bloco» (comunistas, trotskistas, maoístas…) permanecem como referências não expressas, mas ideologicamente motivadoras de uma formação política que cada vez mais está a tornar-se um partido com características tradicionais, onde a lógica e o peso da organização chupam a alma do movimento. Essas remotas origens, de sabor revolucionário, utopistas e vanguardistas, estão bem presentes – e creio que não sob forma recalcada – neste partido/movimento que lhes permitiu – sem problemas de consciência (política), mas certamente com muitas reservas mentais – aceder, com sucesso, ao coração da democracia representativa. Agora, a questão reside em saber se o acesso foi mesmo à democracia representativa ou se foi um acesso puramente instrumental à chamada democracia burguesa. Neste último caso, persistirão as reservas mentais da consciência política. No primeiro caso, o «Bloco» experimentará uma profunda angústia feliz. Mas uma angústia feliz (um crescimento eleitoral que o pode tornar feliz, mas que exige dolorosas clarificações e ainda mais dolorosos compromissos) que não pode durar muito tempo, como muito bem diz Daniel Oliveira, nas páginas do «Expresso».

A questão da identidade

Sobre a identidade, depois, Louçã também é indefinido: trata-se de uma esquerda socialista, que rejeita a desigualdade social e a exploração, mas que rejeita também o modelo do socialismo burocrático e monopartidário. Depois, fala de confrontação e de alternativa ao capitalismo existente, mas não avança mais. Mas, se é esta a identidade do «Bloco», suspeito que não se distinga em nada daquele que foi o tradicional posicionamento identitário dos partidos socialistas e sociais-democratas. O que, a ser assim, me levaria a pensá-la como experiência passageira, equivalente às que vimos acontecer, por exemplo, no longo historial da esquerda francesa. Ou seja, uma evolução no sentido moderado pô-lo-ia no arco do socialismo democrático, sujeito às reacções intempestivas das suas tendências mais radicais, enquanto uma inflexão no sentido mais radical empurrá-lo-ia para uma lógica de «aggiornamento» do comunismo, em competição aberta com o PCP. Eu creio que o «Bloco» está a tentar esboçar uma linha de renovação política da esquerda, com algumas rupturas imprescindíveis ao seu vanguardismo civilizacional e para manter a tensão ideal das suas tendências, mas também para colher bons frutos eleitorais no desencanto generalizado dos cidadãos, e com uma calculada moderação que o torne politicamente confiável, não assustador e capaz de «desbloquear» – como, ao que parece, foi a sua motivação primeira – uma esquerda que dizem permanecer rígida nas suas posições políticas e ideológicas. E eu creio que, na verdade, aos partidos de esquerda está a faltar uma cultura política que repense radicalmente os processos de legitimação interna (introduzindo, por exemplo, primárias abertas) e que promova processos de reconhecimento, de motivação e de integração política não instrumentais de quantos se destacam na sociedade civil pelos seus méritos próprios, ao mesmo tempo que imponha, com firmeza, a defesa do interesse geral, com flexibilidade política tanto quanto possível e com rupturas sempre que necessário. Tarefa tanto mais necessária quanto vivemos numa sociedade com propensão corporativa, hoje muito animada pela sua forte capacidade de expressão no espaço público, e tão difícil de executar, como se verificou ao longo dos anos de governo de José Sócrates, que desta orientação fez linha firme de rumo essencial. Mas a verdade é que desta mesma cultura não encontramos grandes traços no «Bloco», tão preocupado que está em federar os descontentamentos. Antes pelo contrário, até parece que começa a inflectir para posições mais próprias dos partidos políticos tradicionais, fruto da afirmação crescente de uma implacável lógica organizacional.

A esquerda e as elites

Mas no discurso de Louçã surpreendeu-me também o reconhecimento da teoria da circulação das elites alternativas – tão presente na tradição política da direita -, não só no plano do exercício do poder político electivo como também no plano do exercício do serviço público e administrativo, distanciando-se, nisto, do discurso do PCP, mais propenso a um discurso populista e anti-elites. Pelo contrário, já não me surpreendeu tanto o discurso catastrofista em relação a Portugal («há um fracasso do regime político em Portugal, porque há um fracasso do regime económico» ou, ainda mais radicalmente, na entrevista ao «Expresso», de 29.08: «está a haver um colapso do regime político, dos partidos tradicionais e da estrutura de poder»), habituado que estou a ver aquelas peças de oratória parlamentar sobre os perdidos deste mundo e a missão redentora das elites bloquistas. Mas, depois, sobre o modelo económico, volta a ser moderado e só fala de «grandes correcções», não já de modelo alternativo. A ambiguidade continua.

Estilos

Depois a moda. Sim, concordo, de certo modo, com Louçã, dizendo que a moda dura há demasiado tempo para se reduzir a uma questão de estilo. Mas a verdade é que as características deste «Bloco» estão muito centradas no estilo, e não só por dificuldade de produzir um discurso de substância que não seja exclusivamente crítico, mas propositivo e politicamente viável. A oratória da redenção é estilo. De certo modo, o estilo também é a mensagem. Afirmar-se como movimento, mesmo quando já mais se parece com um partido, não é certamente só uma questão de estilo, mas também é, se o meio for a mensagem, como dizia McLuhan. Por que razão os bloquistas não usam, por norma, gravata, no Parlamento? A gravata está associada à democracia burguesa, ao formalismo burguês? Ou é uma questão de estilo? Por outro lado, o catastrofismo discursivo («o colapso do regime político») se não é uma moda em sentido estrito, pelo menos rende audiências e até pode transformar-se num estilo (a famosa cassete do PCP) ou mesmo numa mundividência muito próxima daquela que via este mundo como um imenso vale de lágrimas. Com uma diferença: a de que a redenção estaria do lado de cá. É claro que, em tempo de crise das mundividências e das ideologias, o estilo domina o espaço público, sobretudo lá onde os movimentos sociais são algo fragmentários e resistentes à afirmação de uma identidade político-ideal própria. O estilo, de resto, é figura central em tempos de pós-modernidade, onde a profundidade temporal não tem direito de cidadania.

«Economia de ganância»

O que me surpreende é a pobreza conceptual do discurso de um líder com as reconhecidas competências de Francisco Louçã. Ma non troppo. É que, provavelmente, o problema reside não tanto no seu discurso, mas na natureza do referente, qual gigantesco caldeirão de tendências difíceis de unificar num discurso identitário que não seja através da categoria do negativo ou do resgate moral de uma sociedade estruturalmente boa, mas corrompida pela «economia de ganância», «alla faccia» de Fareed Zakaria e do seu «Capitalist Manifesto: Greed is Good». Só que esta ambiguidade não pode permanecer por muito tempo. Até porque o terreno em que se move o «Bloco» é um terreno muito mais móvel do que parece, à excepção daquela pequena franja dos que se alimentam exclusivamente da «ética da convicção», sem exigências de responsabilidade nas escolhas políticas. Só que o eleitor moderado que hoje vota «Bloco» não manterá eternamente esta posição, sobretudo se verificar que o seu voto, não servindo à esquerda, acaba por servir à direita.

E se Louçã, como diz, quiser disputar a liderança ao PS, então ele terá que acabar com as ambiguidades e identificar-se claramente com aquele que é o espaço político-ideal ocupado por este partido, o do socialismo democrático. Porque a verdade é que não se conhece outro espaço político moderado de esquerda alternativo ao modelo burocrático do PCP. Louçã está pronto a confinar o seu discurso, em política como em economia, à estratégia das «grandes correcções»? Mas será isto possível sem uma implosão do «Bloco de Esquerda»?

Media, eleições e regulação

A recente Directiva 2/2009, 29 de Julho, da ERC , Entidade Reguladora para a Comunicação Social, levantou uma grande polémica e uma fortíssima rejeição por parte dos media em geral. O que dizia, no essencial, a directiva? Duas coisas: dever de garantir iguais oportunidades aos candidatos (nas autárquicas ou nas legislativas) no espaço mediático ou suspensão temporária da colaboração dos candidatos que nele já se encontravam presentes como comentadores. Sobre a Rede a ERC nada disse, provavelmente porque este é um espaço livre, onde todos podem aceder sem pedir licença a ninguém, onde não há «gatekeepers», mediadores, banqueiros simbólicos, donos da opinião. Provavelmente, nem sequer poderia dizer, visto que, apesar de ser um espaço público, é um espaço não regulado. É o espaço da «mass self communication», da «comunicação individual de massas». Aqui, candidatos, partidos ou movimentos podem apresentar-se aos cidadãos sem mediadores. Livremente. A eficácia do seu discurso e da sua proposta política dependerá exclusivamente da sua capacidade de se moverem bem na Rede e de produzirem bons conteúdos com concretos referentes sociais. Aqui, a exposição dependerá da capacidade de cada um. Já nos media tradicionais o acesso depende precisamente dos «gatekeepers», aqueles que têm o poder de dar voz ou de silenciar, quer através da informação quer mediante a abertura de espaços de livre opinião. E é aqui que bate o ponto. Devem os media tradicionais (televisão e imprensa) abrir os seus espaços de opinião a todos os candidatos, em igualdade de condições, ou devem, mesmo em tempo de eleições, continuar a aplicar escrupulosamente as regras dos seus códigos éticos, sem cuidarem de introduzir critérios mecânicos ou externos de representação que remetam, por exemplo, mais para a esfera da política do que para os seus próprios critérios internos? A resposta a esta questão depende dos conceitos de media e de função social dos media. E, na verdade, se olharmos para o longo historial dos códigos éticos, o que sempre encontramos é a tentativa de regular a informação a favor do cidadão. Antes, libertando-a da tutela política; depois, libertando-a da opressão comercial, proprietária, instrumental. Num caso e no outro o destinatário era sempre o cidadão, no primeiro, mais indirectamente, no segundo, mais directamente. O que foi sempre comum, desde os tempos de Diderot e D’Alembert, foram os princípios ou normas éticas que regulam a informação: a imparcialidade, a objectividade, a neutralidade, a relevância, a verdade, a responsabilidade moral, o rigor, a integridade, a exactidão, a distinção entre factos e opiniões, etc., etc.. Mas estes são princípios ou normas internas aos media. E são princípios que garantem a sua legitimidade, a sua credibilidade perante o público, servindo também para proteger os próprios agentes orgânicos do sistema mediático. Até na guerra. Quanto mais fortes forem estes princípios, mais sólidas são a informação, a opinião pública e, naturalmente, a própria democracia. Ou seja, o que as entidades reguladoras da comunicação social devem garantir ou promover regularmente é a aplicação destes princípios e normas em todos os campos da informação, incluído o político, evitando impor comportamentos editoriais externos ou mesmo contrários a esta lógica, como acontece com esta directiva (transcrevo infra um artigo publicado no «Diário Económico», em 04.04.2008, sobre o mesmo assunto). Com efeito, esta directiva propõe a adopção de um critério que é externo ao critério editorial: o acesso automático ao espaço mediático, ou a exclusão dele, em função, não de critérios editoriais, mas de um critério político-jurídico, a condição legal de candidato. Ora este critério é externo à lógica da regulação, porque externo à lógica editorial. Há um princípio dos códigos éticos muito importante que se aplica aqui, com toda a pregnância. O princípio da relevância. Os media devem noticiar o que é relevante. Ora a aplicação do princípio da igualdade mecânica de acesso aos media é externo e fere o próprio código ético, designadamente este princípio fundamental. Porque a aplicação deste princípio é da exclusiva competência dos agentes orgânicos da informação, sendo qualquer interferência externa ilegítima, pelo menos tão ilegítima como a transgressão dos códigos éticos pelos próprios jornalistas. Não quero chegar ao ponto de considerar absolutamente anacrónicos os próprios «tempos de antena», afirmando que a melhor informação é a informação mediada, que hoje os instrumentos de acesso directo ao espaço público já estão disponíveis (Obama conseguiu 67% por cento do financiamento da campanha através da NET), que a consistência das forças políticas também deveria ser medida em função da sua própria relação orgânica com a sociedade civil (e que, em parte, é expressa em concretos apoios sociais e instrumentais) e que, tal como a condição legal de candidato não é condição suficiente para uma efectiva consistência orgânica e social, também não o é para uma efectiva consistência simbólica ou comunicacional. Digo tão-só que é preciso pensar no assunto, hoje, quando se funciona em «permanent campaigning», quando a Rede está ao alcance de todos, quando o acesso aos media tradicionais aumentou exponencialmente e quando a taxa de cobertura dos eventos e do quotidiano é enorme. Independentemente de se dever pôr em questão uma moldura institucional que está absolutamente desfasada no tempo e da realidade, servindo em boa parte para promoções pessoais sem consistência eleitoral ou para o reviver de arqueologias já sem sentido, uma coisa é certa: a função do Regulador é hoje a defesa do cidadão consumidor de informação, cumprindo-lhe intervir em defesa dos códigos éticos, não através da adopção de simples critérios quantitativos e mecânicos, construídos a partir de matrizes externas à lógica editorial. Ora a verdade é que a opção de informar, nos seus vários graus e dimensões, deve ser sempre determinada pelo critério interno da relevância e não por critérios exógenos à esfera editorial. E, também neste caso, a verdade é que a relevância dos sujeitos políticos resulta mais de um lento processo de construção e de afirmação temporal das próprias identidades do que de meras condições legais de possibilidade. Todos sabemos que em período de eleições surgem sempre fugazes e cíclicos protagonistas que se aproveitam oportunisticamente dos espaços mediáticos garantidos, regressando, depois, por quatro anos, ao anonimato em que sempre estiveram, sem terem demonstrado qualquer consistência eleitoral. Este processo, de resto, não se verifica só na política. Pelo contrário, conhecemos protagonistas que, sendo ou não sendo candidatos, estão regularmente presentes no espaço público e social, dando o seu contributo, intervindo de forma regular e consistente. Os media, se funcionarem de acordo com os princípios fundamentais dos códigos éticos (a relevância, o equilíbrio, a objectividade, a imparcialidade…) nunca deverão aceitar qualquer sobreposição de normas externas em relação a estas suas normas editoriais, distorcendo a realidade factual. Não quero com isto dizer que eles respeitem, no seu trabalho quotidiano, estes princípios, antes pelo contrário, mas não me parece edificante que seja precisamente a Entidade Reguladora a propor a introdução de critérios instrumentais e externos à esfera editorial. Em boa verdade, porque não partilho de uma concepção instrumental dos media – a informação surge neles como «bem público essencial» – e pelas razões que acima expus, creio que até seria oportuno questionar radicalmente o sentido dos próprios «tempos de antena». Tempos que têm vindo, esses sim, a garantir uma igualdade mecânica de presença no espaço público aos vários candidatos. E se a existência desses tempos não põe directamente em causa os códigos éticos, ela põe, todavia, em causa uma certa concepção não instrumental dos media. Na verdade, do que estamos mesmo a precisar é de uma reflexão profunda sobre tão delicadas esferas: a dos media e a da regulação. De resto, a regulação em geral não está a viver os seus melhores dias.


* Informação (DE, 04.04.09).
«Considero sempre muito relevantes todas as iniciativas de monitorização do estado dos sistemas informativos. Afinal, a informação é o alimento da cidadania activa. E, vista a evolução tendencial dos sistemas informativos, progressivamente tabloidizados, a analítica torna-se cada vez mais necessária. Tanto mais que se trata de um espaço onde a liberdade se joga de forma decisiva e onde se constrói ou destrói o consenso para o poder. Mas trata-se também de uma esfera onde a regulação é extremamente difícil, sendo sempre mais desejável a promoção da auto-regulação do que a regulação através de instrumentos legais impositivos. Por outro lado, a informação, sendo um bem público, mas ao mesmo tempo um produto mercantil, sofre os efeitos de um poderoso espartilho que gera um «hibridismo» informativo pouco desejável. Ou seja, a informação sofre de um paradoxo parecido com o daquele «serviço público» que, de tão asséptico ser, não consegue atrair público. O «hibridismo» informativo, pelo contrário, de tanto público querer acaba por não conseguir produzir verdadeira informação. Na tensão interna do «hibridismo» informativo, a dimensão que acaba por se impor é a do tabloidismo, do sensacionalismo, do «interesse humano», do «negativo». O mundo tende sempre a ser visto na óptica do «negativo». Porque é cognitivamente mais fácil e imediata e emocionalmente mais forte. Logo, capaz de atrair mais espectadores, leitores, consumidores. Recentemente, o maior diário português, o «Correio da Manhã», ao noticiar a nova organização judiciária, que prevê a transformação das 231 comarcas em apenas 39 circunscrições judiciais, fez a seguinte manchete: «192 vilas e cidades perdem comarcas». Trata-se, como é evidente, de uma opção noticiosa que valoriza o lado negativo da notícia, em detrimento do positivo (racionalização, flexibilidade e maior responsabilização na gestão do sistema). Por sua vez, o «Jornal de Negócios», numa coluna onde hierarquizava (do mais baixo ao mais alto) o IVA em 25 países da UE, colocava Portugal em 19.º lugar, optando por pô-lo no fim de uma lista de 5 países com a mesma taxa de IVA de 20%. Se o pusesse no início da lista – e a legitimidade era a mesma – Portugal ficaria colocado em 15.º lugar. Também aqui, a opção foi pelo negativo. Esta opção pelo negativo tem raízes históricas e confunde-se com as próprias origens da informação política e social, sobretudo a partir do século XVIII. Só que se tratava de uma crítica negativa dos poderes ocultos («arcana imperii») e da ausência de liberdade de informação. Pelo contrário, hoje, a «ideologia do negativo» tem mais a ver com a interacção produtor/consumidor do que com a promoção das funções de cidadania. A categoria do «negativo» é a categoria mais transversal do tabloidismo porque atravessa todos os géneros informativos, da política à economia, ao «interesse humano». Trata-se, cada vez mais, de uma luta pelas audiências e da «sobredeterminação» dos critérios informativos pelo princípio mercantil. Uma simples consulta aos números das vendas dos jornais e das revistas portuguesas dar-nos-á uma visão clara do que estou a dizer.
É por tudo isto que considero não ser muito relevante proceder a contagens de tempos de uso de antena por parte deste ou daquele agente político ou social sem assumir como decisivos os critérios de uma informação que contribua para a promoção das verdadeiras funções de cidadania. Por exemplo, o critério da «relevância» pública da notícia. Porque este é um critério decisivo do ponto de vista substancial (relevo público), formal (princípio central do código ético) e processual (meio de selecção das notícias). E porque, além disso, é um critério interno ao próprio sistema operativo da informação. Ora a procura da proporcionalidade entre a consistência eleitoral e a exposição noticiosa surge também como sobreposição ilegítima de um critério externo aos critérios próprios do sistema informativo. Por isso, é minha convicção que a «Entidade Reguladora da Comunicação Social» deveria repensar o modelo de análise da informação política, recolocando-se na óptica legítima dos grandes princípios que integram o património genético da informação para a cidadania. Tão ilegítima é a «sobredeterminação» mercantil quanto a «sobredeterminação» política da informação».

«Reflexões sobre a crise» (nova versão, Maio de 2012)

João de Almeida Santos

 

A propósito da recente crise, cujas consequências começam a manifestar-se em toda a sua pujança, com défices, dívidas e desemprego altíssimos em inúmeros países desenvolvidos, que já manifestam graves problemas de financiamento da dívida, mas também das mutações estruturais que se estão a verificar no panorama mundial, é urgente reflectir, procurando não ficar refém da conjuntura. Com efeito, estamos hoje perante dois fenómenos que ameaçam permanentemente a reflexão: um consiste na intensidade com que os fenómenos sociais se impõem à atenção do cidadão; o outro consiste na rapidez com que eles se processam, nascem e morrem. A intensidade provoca sempre uma sensação de absoluto no modo como olhamos para os fenómenos; a rapidez gera esquecimento, ou seja, tudo se consome e esquece em grande velocidade. O absoluto de hoje é um nada na memória de amanhã. É por isso que há que manter distância em relação às conjunturas, pensando-as num quadro macro-histórico. Para evitar o absoluto e o esquecimento.

 

Refiro, para o efeito, três ensaios muito esclarecedores sobre o assunto e que são tidos como referência:

1. “After capitalism” (in «Prospect», Abril de 2009 – prospectmagazine.co.uk), de Geoff Mulgan.

* Geoff Mulgan é o Presidente da Young Foundation desde que esta foi relançada em 2005. Entre 1997 e 2004 Geoff desempenhou diversos cargos no governo britânico: criou e dirigiu a Unidade de Estratégia do governo e foi director de política do Primeiro Ministro, Tony Blair. Antes disso foi fundador e director do Demos, descrito pelo Economist como o think-thank britânico mais influente.

2. “How the Crash Will Reshape [dar nova forma] America”, (in «the Atlantic», Março 2009 – http://www.theatlantic.com), de Richard Florida.

* Richard Florida é um dos maiores intelectuais do mundo nas áreas de competitividade económica, tendências demográficas e inovação cultural. A revista Esquire considerou-o uma das “melhores e brilhantes” mentes da América. É autor de dois “bestseller” nos Estados Unidos: “The Rise of the Creative Class” e “The Flight of the Creative Class”. O seu novo livro, “Who’s Your City?”, já foi igualmente aclamado como “bestseller” no mercado americano, mas também “bestseller” internacional e livro do mês na Amazon. As suas ideias têm sido veiculadas através de campanhas publicitárias de grande dimensão, incluindo a BMW, a CNN e a CBS, e estão a ser usadas globalmente para mudar a forma das regiões e das empresas gerirem as suas actividades. Richard Florida é colunista regular no jornal «Globe and Mail» e escreve artigos para a Atlantic Monthly, o The New York Times, o The Boston Globe e Financial Times. Participou na 2004 Harvard Business Review’s List of Breakthrough Ideas. Fundou o Creative Class Group, uma empresa consultora de serviços de carácter global. É director do Martin Prosperity Institute da Rotman School of Management da Universidade de Toronto. Florida foi professor Heinz na Universidade de Carnegie Mellon, professor visitante em Harvard e no MIT, e foi ainda investigador associado do Brookings Institution.

3. “Capitalist Manifesto: Greed is Good” (in «Newsweek», Junho de 2009 – http://www.newsweek.com), de Fareed Zakaria.

* Fareed Zakaria é editor da «Newsweek International», colunista da «Newsweek» e do «Washington Post», comentador semanal da CNN e «bestselling author» do «New York Times». A «Esquire Magazine» considerou-o «the most influential foreign policy adviser of his generation”.

 

Mobilidade e emprego

 

partir destas reflexões, por exemplo da reflexão de Florida, põe-se um primeiro problema: Portugal conhece hoje uma rede rodoviária excelente, um parque automóvel óptimo, um território pequeno e facilmente percorrível. Logo, boas condições de mobilidade. E esta é, como se sabe, uma variável muito importante para a economia, ou seja, para a mobilidade de mercadorias, serviços e pessoas. Óptimo, portanto. Mas, ao mesmo tempo, Portugal tem índices de propriedade imobiliária muito elevados. Ou seja, as vias de comunicação permitem uma mobilidade muito elevada à economia e ao mercado (custos excessivamente elevados das portagens à parte), mas o facto de os cidadãos estarem vinculados a um enorme parque habitacional próprio impede-os de se deslocarem e, portanto, de se oferecerem a este mercado. As razões são conhecidas. Não existe um verdadeiro mercado de arrendamento e, por isso, as pessoas preferem descontar para pagar uma propriedade futuramente sua – mesmo que o preço mensal da prestação seja superior – do que pagar uma renda por algo de que não virão a ser proprietários. As consequências são três: a) subida em flecha dos preços no sector do imobiliário, devido ao aumento da procura; consequententemente, b) endividamento familiar generalizado, elevado e de longa duração; e, finalmente, c) elevada rigidez no mercado de trabalho. Ou mais simplesmente: aumenta, no plano horizontal e no plano vertical, o endividamento familiar e diminuem as condições de acesso ao mercado de trabalho. Ou ainda: estamos perante uma enorme mobilidade na circulação de mercadorias e perante uma rigidez incomportável no mercado de trabalho. Sobre os USA, onde, apesar de tudo, a relação do cidadão com a propriedade imobiliária é muito diferentemuito mais flexível, diz o célebre autor do conceito de «classes criativas», Richard Florida:

 

«os lugares com um alto índice de propriedade imobiliária induzem um maior nível de desemprego». «O crescimento dos índices de propriedade imobiliária foi acompanhado por uma menor ductilidade da sociedade americana», provocando uma rigidez deslizante no mercado do trabalho, o que é um péssimo sinal para a economia (in «Reset», n.º 115, Roma, 2009, p. 44).

 

Outra questão reside na determinação dos sectores estruturalmente mais predispostos para a queda do emprego: ainda segundo Florida, que cita Michael Mandel, entre Dezembro de 2007 e Novembro de 2008, enquanto, nos USA, o sector «material» (a produção, a construção, a extracção e o transporte) perdeu cerca de 1, 8 milhões de postos de trabalho, o sector «imaterial» (o da «classe criativa»: cientistas, engenheiros, «managers» e especialistas) registou um aumento de cerca de meio milhão de postos de trabalho. Uma outra questão presente nestas reflexões é a questão do consumo e do seu financiamento. Também aqui se verifica um problema estrutural. Em primeiro lugar, o financiamento ao consumo gerou logo uma primeira dificuldade, quando parecia gerar um movimento virtuoso: o endividamento tendia a induzir maior flexibilidade e maior disponibilidade de mão-de-obra. Mas já vimos que, no caso do imobiliário, acabou por gerar rigidez, uma tendência inimiga da economia. Depois, o crédito fácil para um consumo mirífico e sem limites gerou, como diz Geoff Mulgan, uma grave queda na taxa de poupança que pôs em grave risco a capacidade de proteger o próprio futuro, sobretudo quando o sistema financeiro deixava de ter suporte efectivo na economia real, evoluindo para um mundo esquizofrénico onde já nada correspondia a nada. Acresce que o mundo de referência desta dinâmica era o mundo do indivíduo solitário, sem referentes comunitários. Esses mesmos que antes lhe garantiam uma certa sustentabilidade existencial e social. E o mais grave é que estes problemas passaram a ter uma dimensão global, ao mesmo tempo que, como diz Fareed Zakaria, as débeis respostas continuavam a ser ensaiadas sobretudo a nível nacional.

 

A caminho de um «New Deal» global?

 

Na verdade, a propósito da crise, há muito que reflectir, sobre o bom e sobre o mau. Claro, tratou-se, como muitos disseram, de uma crise equivalente à da Grande Depressão, mas com novas características. No essencial, a capacidade de reprodução da crise à escala mundial aumentou exponencialmente na era da globalização. Ou seja, disrupções de natureza superestrutural, como foram os sucessivos «crashes» financeiros, projectam-se, a montante, na economia real com uma rapidez jamais vista. A verdade é que a velocidade instantânea e a universalidade da informação geram hoje efeitos sobre a economia real que não eram pensáveis antes. Quando se discutiu a natureza da revolução que haveria de pôr fim ao sistema do socialismo de Estado – a Perestroika -, os conceitos mais radicais usados para diferenciar as economias de mercado (vulgo capitalismo) das economias de plano (vulgo socialismo) eram os de «ditadura do produtor» sobre o consumidor, para as economias de plano, e de «ditadura do consumidor» sobre o produtor, para as economias de mercado. O que se pretendia dizer era que, na URSS, as expectativas do consumidor não determinavam o sistema produtivo, que era planeado para satisfazer o que o poder político-administrativo fixava como essencial, na escala dos chamados bens públicos essenciais. Era como se o consumidor fosse uma variável exógena ao sistema produtivo. Tratava-se de uma espécie de «consumidor passivo», glosando o Kant da «Metafísica dos Costumes». Claro, tratando-se de um sistema fechado, estava vedada ao consumidor, tal como ao cidadão, a livre expressão das suas expectativas, fossem elas políticas ou económicas. É isso que explica a rigidez de tal sistema, a escassez de bens e a sua incapacidade em inovar. Nas economias de mercado, o consumidor ocupa o lugar central, funcionando o sistema produtivo de modo a responder às suas expectativas, satisfazendo-as. Trata-se, aqui, de um «consumidor activo», capaz de dar livre curso às suas expectativas, agindo em consonância com um sistema em livre e plena expansão, capaz de dar resposta à mais complexa e variegada procura. O centro do sistema está, pois, no consumo. E todos nós vemos como convergem para ele tantos recursos que visam estimulá-lo, não só através da inovação permanente na cadeia de produtos e de processos, mas também nos próprios sistemas de crédito. A melhor maneira de arrefecer uma economia consiste em travar o consumo. A pior, em estimulá-lo. Ora também sabemos que a globalização transforma cada consumidor individual num receptor imediato e permanente de informação, simples e complexa, que determina ou induz comportamentos em cadeia. Ou seja, quando uma informação sobre o consumo ou sobre as condições de possibilidade do consumo chega ao espaço público, ela, se for de natureza sistémica, pode determinar fluxos ou refluxos tais nesta cadeia que provoquem fortes efeitos imediatos na própria cadeia produtiva, a montante do consumo. Porque a informação hoje é universal, sendo o espaço público global. E porque, quando o sistema informativo funciona em uníssono, as consequências sobre o comportamento social do consumidor (de produtos políticos, financeiros ou materiais) são imediatas e drásticas. Ou seja, nunca como agora o sistema informativo esteve tão intimamente ligado à esfera económica. E, por isso, nunca o comportamento daquele sistema foi tão decisivo para o destino da economia como hoje. No bom sentido, mas também no mau. Foi também por isso que a crise rapidamente alastrou. Mas foi também por isso, pelo menos em parte, que ela começou a retroceder rapidamente, apesar de as suas consequências começarem agora a pesar como chumbo sobre os países e os cidadãos. Ou seja, a pesada factura, de que sempre se fala nestas circunstâncias, já começou a ser cobrada. É por isso que muitas coisas terão de mudar. Como dizia Joaquín Estefanía, em «El País»: «não podemos voltar a este funcionamento de casino financeiro sem semáforos». Não podemos? De certo modo, também poderíamos dizer, com Fareed Zakaria, que a crise fundamental com que nos deparamos é a crise da própria globalização: produzimos problemas globais e respondemos com soluções nacionais. Não foi bem o caso, uma vez que houve políticas financeiras concertadas, a nível internacional – por exemplo, na União Europeia – embora algumas tenham acabado por estimular uma tal corrida à divida que agora não se vê como financiá-la. De qualquer modo, o modelo actual vive com muitos problemas de saúde, a força da «economia de casino» é enorme e não se vê como alterar o rumo desta economia, sendo a regulação, por melhor que ela seja, insuficiente para resolver os seus desvios. Talvez por isso o título do artigo de Estefanía, «Hacia un “New Deal” global», sendo um bom auspício, não responda cabalmente à questão de fundo.

 

O paradoxo do capitalismo

 

«O manifesto capitalista: ganância é bom», de Fareed Zakaria, tem, por isso, um real interesse para esta reflexão, uma vez que ele passa em revista os vários aspectos da crise, como a distinção entre capitalismo e sistema financeiro, pondo em evidência a incapacidade de os decisores políticos, económicos e financeiros imporem, em tempo útil, restrições ao crédito e à voracidade do consumo, optando por baixar sistematicamente taxas e estimular o uso do crédito para o consumo. A frase de Zakaria soa bem, em inglês: «this is the disease (problema, doença) of modern democracy: the system cannot impose any short-term pain (sofrimento) for long-term gain».

Muitos profetizam o fim do capitalismo, dizem que é necessário começar tudo de novo, que o capitalismo deve ser diferente ou que também o capitalismo (tal como o socialismo de Estado) faliu por culpa própria. E não são só os esquerdistas que vêem – como outrora – na crise a grande prova das suas razões, esquecendo o fracasso irreparável dos seus modelos. Críticos são também especialistas moderados e altos responsáveis económicos e políticos. Zakaria não vai, todavia, por aí e procura explicar os problemas como crise de crescimento, como «resultados do sucesso». Diz ele que os bons tempos levam sempre à auto-satisfação, fazendo recordar o belíssimo livro de John Kenneth Galbraith, «The culture of contentment» (1992; veja-se a este propósito Santos, J. A., 1998, Paradoxos da democracia, Lisboa, Fenda, pp. 171-174), essa cultura que não vê para além do bem-estar ou do lucro imediatos, ou mesmo «O príncipe» (1513), de Niccolò Machiavelli, quando diz que «mai ne’ tempi pacifici stare ozioso» ou que é na paz que nos devemos preparar para a guerra.

A explicação de Zakaria materializa-se analiticamente nos seguintes factores:

 

1. a crise surge após um longo período de estabilidade política, em que a economia global cresceu exponencialmente, duplicando entre 1999 e 2008 e tendo, em 2006 e 2007, 124 países crescido ao ritmo de 4% ao ano, ou mais;

2. a inflação baixou para níveis jamais vistos, tendo poupado a classe média;

3. as recessões passaram a ser controladas muito mais rapidamente do que outrora;

4. milhões de pessoas foram retiradas da pobreza;

5. aconteceu a revolução da informação e da Internet;

6. deu-se a emergência de novas potências económicas, dentre as quais a China, gerando grandes interdependências financeiras com fortes consequências no crédito ao consumo (designadamente nos Estados Unidos).

 

O mundo acelerou, portanto. Ou, usando uma sua imagem, a economia mundial comportou-se como se fosse uma corrida de carros muito mais rápidos e complexos do que os que existiam e que ninguém guiara até então. Na verdade, ninguém sabia como guiá-los. Pelo que se despistaram. O mais grave, depois, é que, afinal, ainda continuamos a conduzir estes carros. Por outro lado, a exigência moral de outrora relativizou-se, juntamente com a relativização geral dos valores profissionais, culturais, de costumes. Mas também os subsistemas sociais e em particular o subsistema económico-financeiro, passaram a ficar mais expostos, estando mais sujeitos a externalidades do que outrora. O que os fragilizou, sobretudo quando não foram capazes de preparar os seus mecanismos internos para os embates externos. Já referi o papel do sistema global de informação e a sua capacidade de interferir quase instantaneamente no sistema económico-financeiro, por via dos choques informativos directos sobre os consumidores. Mas também se tornou evidente a incapacidade dos reguladores perante as gigantescas fraudes financeiras. Ou a promiscuidade entre muitos decisores políticos e poderosos grupos económicos.

É claro, como diz Zakaria, que é também necessário um sobressalto ético de cada cidadão, a começar pelos grandes decisores. Mas nem por isso deixa de ser optimista em relação ao futuro do capitalismo: «daqui por alguns anos, por estranho que isso possa parecer, nós podemos todos achar que estamos ávidos de mais capitalismo, não de menos», uma vez que ele é o mais produtivo mecanismo económico que nós inventámos, até ao momento. Tal como a democracia, ele é o pior de todos os sistemas económicos, à excepção de todos os outros. E a verdade é que nós não estamos a viver uma crise do capitalismo, mas sim uma crise do sistema financeiro, da democracia, da globalização e, por fim, da ética.

 

O mundo em profunda mutação

 

O ano de 2008 foi, de facto, um bom exemplo da velocidade com que a história se está a processar: crise grave no sistema financeiro internacional, onde se descobre que circula dinheiro inexistente e que a avidez de uns tantos gestores financeiros é suficiente para provocar uma ruptura estrutural no sistema; Barack Hussein Obama chega a Presidente dos EUA e inaugura, com uma dinâmica eleitoral tão vasta quanto inovadora, aquilo a que alguns chamaram «política pós-racial»; o petróleo sobe e desce – mas, agora, sobretudo, sobe – a um ritmo estonteante, provocando, na queda, cortes abruptos e gigantescos na produção e, na subida, uma forte instabilidade social, especialmente pelo seu impacto no preço dos combustíveis; a economia mundial transforma-se cada vez mais num jogo de casino em vez de se desenvolver como um consistente processo estrutural; a ilusão neoliberal sofre um rude golpe e o Estado regressa em força, como o único modo de evitar uma desastrosa corrida aos bancos e o colapso dos sistemas financeiros e das economias de todo o mundo, vista a sua dimensão cada vez mais global. Emergiu a crise das chamadas (impropriamente, a meu ver) dívidas soberanas, mesmo em países onde afinal a dívida pública já era superior a 100% do PIB há mais de duas décadas, como é o caso de Itália. As famosas agências de rating, que ninguém controla, à excepção dos seus accionistas privados, ditam lei na economia e finanças e provocam choques brutais nos mercados de capitais e nas finanças de países e empresas. Por isso, vale a pena transcrever o que sobre este assunto diz o Prof. Jesús Timoteo (da Universidade Complutense de Madrid):

 

«O pecado original de estabelecer a avaliação da credibilidade e da confiança (a reputação) nas agências privadas de “rating” (Moody´s, Standard&Poor´s, Fitch) e de reconhecer como livros sagrados alguns meios globais e anglo-saxónicos especializados em informação económica (The Economist, WSJ, Financial Times). As agências que, com autorização do Governo dos EUA, avaliam periodicamente, numa escala por elas estabelecida, os governos, as instituições ou as empresas em todo o mundo não são minimamente inocentes. Vivem em permanentes conflitos de interesses e dedicam-se, de preferência, a exercer pressão, a seu favor, junto das autoridades de Washington, que as podem favorecer ou prejudicar. Isso está provado em vários relatórios de um instituto independente chamado “Sunlight Foundation”. Warren Buffet, o lendário especulador, é o primeiro accionista da Moody´s, com 12,47%; o segundo accionista das Moody´s é um fundo, o “Capital World Investors”, primeiro accionista da McGraw-Hill e, curiosamente, primeiro accionista da Standard&Poor’s. Empresas com interesses cruzados e objectivos económicos próprios gozam do privilégio de avaliar Estados, corporações e finanças e operam como devedores ou prestamistas no mercado financeiro global» (in «Credibilidade e Confiança na Crise do Capitalismo Reputacional», Conferência na Escola Superior de Comunicação Social, 6 de Dezembro de 2011).

 

E assim é. Num recente artigo, no «Público» (04.05.2012, p. 53), o Prof. Domingos Ferreira (da FCSH da UNL e Universidade do Texas) chamou a este complexo jogo de interesses «império do mal», explicando porquê: «vale a pena lembrar uma vez mais que o «Goldman and Sachs», o «Citygroup», o «Wells Fargo», etc., apostaram biliões de dólares na implosão da moeda única». Como? Referindo o que todos já sabem: com a cumplicidade das agências de rating, declara-se um Estado insolvente, as yields sobem, seguindo-se a necessidade de contrair novos empréstimos, cada vez com juros mais altos (agiotas). Até ao «resgate». A seguir, são impostas medidas drásticas, acabando por obrigar os Estados a abrir os seus sectores estratégicos às grandes corporações internacionais que, movimentando-se em ambientes economicamente recessivos, acabam por ditar as soluções e por condicionar decisivamente as economias nacionais. Protagonista decisivo e recorrente neste processo é a famosa «Goldman and Sachs», useira e vezeira, desde há décadas, em malfeitorias financeiras, mas perigosa agência gestora de poderosas influências no panorama político e financeiro internacional, do Banco Mundial ao FMI ou à FED, vendo homens que foram seus quadros ocupar posições estratégicas em governos europeus (Mario Monti, em Itália, e Lucas Papademos, na Grécia), no BCE (Mario Draghi), junto da própria Comissão Europeia, do governo alemão de Angela Merkel ou mesmo do governo português de Passos Coelho (António Borges, consultor para as privatizações e ex-vice Presidente da «Goldman Sachs International», tendo sido também alto responsável do FMI).  

Mas, apesar de tudo isto ser conhecido, nem por isso os vários poderes políticos, nacionais ou supranacionais, conseguem impedir ou neutralizar esta deriva financeira completamente arbitrária e unilateral, que está a confiscar as soberanias nacionais a um ponto tal que a soberania popular se transformou numa verdadeira ficção política sem conteúdo real. Bem pelo contrário. Pelo que se vê, a influência do poder financeiro internacional cresce exponencialmente, ao ponto de já ocupar o topo de importantíssimos centros de decisão política e financeira europeus e nacionais, como vimos.

 

Ora, tudo isto justifica uma reflexão profunda sobre a nova configuaração das sociedades ocidentais. Uma reflexão bem mais exigente do que as habituais prédicas morais dos «clercs» do costume, desses que ocupam sistematicamente os interfaces da comunicação para pregarem as eternas banalidades do politicamente correcto. Uma reflexão sobre todas as variáveis de um sistema institucional que desde há mais de duzentos anos se vem afirmando, consolidando e expandindo nas sociedades ocidentais. Com efeito, os pilares estruturais do sistema – como a «representação política» ou a «classe média», por exemplo – têm sofrido mutações tão profundas que estão a gerar uma autêntica mutação genética nas estruturas organizativas das nossas sociedades. O poder judicial dá mostras de grande fragilidade, pela incapacidade de responder a uma progressiva jurisdicionalização da vida social, incluída a própria vida política, e pela sua tendência a fechar-se no seu casulo corporativo quando não a estabelecer promíscuos pactos de interesse com o sistema mediático (veja-se Minc, A., Em nome da lei, Mem Martins, Inquérito, 2000; e L’ivresse démocratique, Paris, Gallimard, 1995). O pilar territorial dos Estados nacionais vem-se diluindo cada vez mais, vista a progressiva globalização dos processos e das relações. Agora é também o pilar financeiro que ameaça ruir.

Para grandes males, grandes remédios, dir-se-ia. Mas bem sabemos no que sempre deu a engenharia social e o voluntarismo, de esquerda ou de direita. A esquerda radical sobe agora de tom, até ao dedo em riste, na sua recorrente prédica moral contra o capital – responsável pela «queda das almas» – e em defesa dos pobres e oprimidos, de quem será o «reino dos céus». Para o pensamento utópico, os processos reais são meros detalhes na caminhada triunfal para a Terra Prometida. Não pode, por isso, compreender o que se está a passar, há muito tempo, em todas estas esferas e não está, assim, em condições de pensar soluções inovadoras para estes processos. É o que acontece quando o snobismo intelectual se converte em «tabloidismo político», transbordante de negativismo moral, mas ávido de consensos eleitorais para o poder. Os neoliberais estão em crise de identidade, uma vez que viram ruir a confiança pública na gestão financeira privada, sendo agora claro que não é possível fazer regredir o Estado para o nível mínimo das chamadas funções de soberania. A verdade é que todo o sistema está, há muito, em mutação profunda. Por isso, é preciso pensá-lo desde a raiz. E não só no plano económico-financeiro, que está a dominar integralmente a agenda política, já que as sociedades não funcionam exclusivamente com a racionalidade económica. Por exemplo, se a confiança é uma variável decisiva para garantir a estabilidade do sistema, então é necessário também manter estável a opinião pública, evitando permanentes choques informativos que acabam por influenciar fortemente, através de grandes oscilações no consumo, o processo económico a montante. Por outro lado, a classe média de hoje já não corresponde à velha classe média, com profissão e propriedade estáveis, sedentária, respeitável e bem inserida ideologicamente no sistema. Hoje, a classe média é profissionalmente instável, é existencialmente nómada, define-se mais pelo estilo de vida do que pela propriedade, é culturalmente fragmentária. É verdade também que a sociedade moderna conheceu uma crescente complexificação normativa, acompanhada por um crescimento exponencial da procura de bens jurídicos. O que é compreensível quer pela expansão dos padrões urbanos de vida quer pelo aumento dos níveis de literacia social e jurídica dos cidadãos. Por sua vez, a velha «representação política» – que nasceu com a expansão das sociedades ocidentais, com o nascimento do Estado e do Direito modernos, com a divisão técnica e social do trabalho, com a afirmação do individualismo e com a configuração abstracta das relações sociais, designadamente das relações económicas e comerciais – diluiu-se, enquanto representação convencional, e deu lugar a um género muito mais amplo, capaz de fazer a simbiose perfeita entre a representação política, a representação jurídica, a representação cénica e a representação mediática. O que, como é natural, determinou profundas mutações no próprio conceito e funcionamento da democracia representativa. A globalização dos processos e das relações de algum modo acabou com a ideia de «fronteira territorial», aumentando as migrações humanas e de processos materiais e, sobretudo, imateriais. A NET é bem a sua expressão privilegiada. A deslocalização de empresas e de serviços também. Finalmente, o pilar financeiro das sociedades ocidentais, que se fundava numa espécie de confiança institucional e que canalizava com aparente segurança a riqueza mobiliária das sociedades e dos concretos indivíduos, entrou numa perigosíssima espiral que pode levar à catástrofe dos sistemas ocidentais, obrigando-nos a regressar a tempos imemoriais, numa versão a sério daquele «back to the basics» de recente memória. É por isso que não se compreende aqueles que criticam a defesa da estabilidade financeira pelos Estados, que – sem prejuízo de tomarem medidas drásticas em relação aos prevaricadores, gente que poderia ter destruído, com as suas vigarices, um sistema social que levou mais de duzentos anos a criar e a consolidar – têm a obrigação de manter intacto o essencial de um sistema que tem provado ao longo da história. Mas também é verdade que não é possível confinar a intervenção das forças responsáveis tão-só à estabilidade do sistema económico-financeiro, designadamente corrigindo drasticamente os graves desvios que se têm vindo a verificar regularmente e com maior ou menor intensidade, sem cuidar de intervir drasticamente também nos outros sectores que já estão em profunda mutação. E é claro que esta intervenção integrada só pode acontecer como resultado de um claro diagnóstico do estado da sociedade moderna, feito pelas forças políticas mais responsáveis, sobretudo aquelas que estão mais em sintonia com os tempos, com o futuro. E essas forças continuam a ser os partidos políticos de inspiração reformista.

O diagnóstico ainda não está completo. Mas sobretudo ainda não está completamente assumido pelos agentes políticos da mudança possível. Mas mais uma vez não serão os predicadores de voz grave e austera que poderão produzir a mudança, porque ela não se faz com sermões nem com ladaínhas, mas com actos, não se faz com voluntarismo, mas com decisão e compromisso, não se faz com utopias, mas com uma analítica consistente do estado do nosso tempo e com valores de inspiração humanista e universalista. É por isso que só as forças reformistas implantadas no terreno, com ideias consistentes e com valores de projecto o podem fazer. Se o não fizerem, então talvez os predicadores façam tantos estragos que, mais do que progresso, acabaremos por ter regresso. Para onde, ninguém sabe. Mas a História ensina».

Toscani, a pós-publicidade e a Benetton


A história do albanês que viu, num «spot» publicitário italiano, um gato a comer num prato de prata e que, por isso, decidiu emigrar para Itália, pensando que, se assim era para os gatos, como não deveria ser para as pessoas, é bem elucidativa desse mecanismo de indução mediática de expectativas que se confundem com puras ilusões e que induzem comportamentos e modelam existências.

Este é, como se sabe, o universo da representação publicitária, cuja parte mais consistente reside na representação televisiva, naquela representação que induz um realismo tão quotidiano e tão banal que se torna por isso mesmo plausível, assimilável, facilmente digerível. Mas uma banalidade quotidiana tão imediata e repetitiva quão carregada de um romantismo, ou sentimentalismo, envolvente que a projecta para o universo do desejo (induzido).

(Publicidade)

E também aqui, neste universo da representação publicitária, poderemos fazer uma aproximação crítica da equivalência entre representação televisiva e representação ideológica. Precisamente neste mundo invertido da publicidade, onde o produto adquire a natureza de «fetiche» milagroso, capaz de nos oferecer este mundo e o outro, e valioso, não por qualidades intrínsecas, mas por qualidades e «atmosferas» que subrepticiamente a publicidade lhe associa. Em publicidade, um produto surge sempre associado a algo que nada tem a ver com ele. A algo que pode fascinar, atrair, espantar, fazer sonhar e que, por essa via, induz atracção por um produto que lhe está marginalmente associado. Também aqui se poderia falar de instrumento de opressão simbólica, de ilusão programada, de inversão substitutiva do valor de uso pelo valor simbólico. De fetiche. Ao qual Marx dedicou algumas admiráveis páginas.

Diz Oliviero Toscani: «qual é o melhor slogan publicitário de todos os tempos? É a palavra publicidade. É o mais eficaz e o mais mentiroso. Evoca coisas positivas, um serviço, uma coisa útil. Bem público, coisa pública, interesse público, opinião pública, meios públicos, autodisciplina são todos eles conceitos positivos que subentendem um interesse geral. Pelo contrário, nada há de mais parcial do que o interesse da publicidade, que não é mais do que uma propaganda comercial parcial sem contraditório» (1995: 40). A publicidade não trata do interesse público ou do interesse geral, mas de interesses de parte.

Não deixa de ser curioso que quem isto afirma seja o promotor de campanhas declaradamente publicitárias, mas com pretensões de validade moral universal.

Por isso falarei, de seguida, desta publicidade, bem mais sofisticada do que a que nos é oferecida exclusivamente pela televisão, para compreendermos melhor essa lógica da inversão ideológica que nela se insinua. Inversão da qual já procurei, em capítulo anterior, traçar o percurso histórico e os seus mecanismos de funcionamento interno. Aprofundando, pois, um pouco, julgo útil analisar o caso paradigmático de uma perfeita ideologia publicitária, porque representa um plano de fronteira da mediatização e, por conseguinte, da ideia de confiscação de direitos imediatos, logo eficazmente substituídos por simples direitos mediáticos, ou virtuais. Ideologia publicitária que, à semelhança da ideologia tradicional, associa subliminarmente grandes causas de valor moral e de interesse público a matérias da mais trivial e imediata consistência, provocando uma eficaz ilusão de relação causa-efeito e de universalidade, lá onde se trata da mais subjectiva escolha e do mais trivial uso: uma camisola de cromatismo exuberante, e moralmente correcto, que traz associada a si a marca do sucesso, da universalidade e da moral. Trata-se daquilo a que chamo a pós-publicidade de uma empresa, a Bennetton, e de um genial publicitário, Oliviero Toscani, também ele imerso, mas de forma bem original, na ideia de mediatização universal de produtos, agora através de causas e de princípios morais.

(United Colors of Benetton)

Para quem não saiba, Oliviero Toscani é um famoso publicitário italiano, autor dos célebres e polémicos outdoors da Benetton. «Ciao Mamma» é o título de um seu sugestivo livro de carácter autobiográfico, onde poderemos seguir o riquíssimo itinerário intelectual do autor, mas onde também poderemos seguir um fio condutor unitário que exprime, das mais diversas formas, o conceito do artista-publicitário sobre o discurso da publicidade. Discurso de altíssima actualidade e relevância, visto o universo sem limites em que o discurso publicitário intervém e os gigantescos recursos que nele são investidos. Em Itália, a despesa em publicidade é igual à despesa para a investigação industrial, maior do que os investimentos estatais destinados à educação, infinitamente superior aos investimentos na saúde pública Ou então: empresas há que gastam quase mais em publicidade do que na actividade empresarial propriamente dita. Mais: 80 por cento da facturação publicitária diz respeito a poucos sectores de largo consumo, com o objectivo de produzir quase sempre sugestões de carácter artificial ou ilusório em vez de informações úteis e verdadeiras (Toscani, 1995: 40-41).

E é aqui que reside o núcleo polémico.

A questão levantada por Toscani diz respeito à filosofia espontânea da publicidade convencional, que não transcende o mínimo denominador comum dos vulgares sentimentos ou impressões estéticas, que é conformista, que se limita a induzir competição com o produto congénere, do tipo «o meu produto é melhor do que o teu», em suma, que não transcende o puro discurso mercantil. Toscani, que no mesmo registo fustiga as agências publicitárias, elas próprias em busca desesperada de auto-publicidade, opera uma ruptura com o senso comum publicitário, propondo uma publicidade radical, em sintonia com a própria filologia do conceito (coisa pública, bem público, transparência, interesse público, opinião pública). Publicidade que, através de temas vitais, funcione como estímulo crítico, como discurso autónomo sobre as grandes causas, embora promovido pela «United Colors of Benetton», multinacional que decidiu, após anos de campanhas publicitárias convencionais, acabar com as agências publicitárias e «patrocinar», com esse orçamento e com a linguagem estética de Toscani, causas universais de grande valor moral. Foi assim que a relação da Benetton com a publicidade se remeteu à figura de simples «patrocínio» de grandes causas simbolicamente representadas em fotografias da autoria desse intelectual-publicitário e que abriu espaço para aquilo que poderíamos designar por pós-publicidade. SIDA, guerra, racismo, ecossistema, sexo, religião são os temas com que Toscani trabalha nas suas mensagens. Temas sempre apresentados de forma esteticamente muito intensiva e radical e em suporte fotográfico. De tal forma que provocam, sistematicamente, fortíssimas reacções provenientes dos mais variados sectores: críticas, anátemas, censuras, emoções. Quase sempre escândalo!

Poderíamos dizer que Toscani, usando um meio tradicional como a fotografia, superou a fronteira da publicidade convencional, alterou radicalmente os seus esquemas de referência, levou a sua linguagem a um ponto tal que parece tê-la catapultado decisivamente para o plano da arte politicamente empenhada. Mas sem se ter deslocado dos espaços onde a publicidade convencional vive e convive, do seu suporte tradicional. Sobre a fotografia, diz Toscani, em «Ciao Mamma»: «para mim, a fotografia tem a F maiúscula. Não a considero a parente pobre da pintura. E não me interessa uma evolução em direcção ao cinema. Nem sequer a televisão conseguirá fazê-la sair de cena. A fotografia permanece, e permanecerá por muito tempo, o núcleo de partida da imagem moderna» (1995: 11).

(Cromaticamente correcto! )

«Ciao Mamma» bem poderia ser, de facto, a frase «assassina» da publicidade a um par de jeans: a fotografia de um jovem, munido apenas de um par de jeans e de uma escova de dentes enfiada no bolso detrás, que parte para essa grande aventura libertária da vida, deixando atrás de si a recordação dos momentos de afectuosa protecção maternal. «Ciao Mamma!»: na companhia de um membro da Família Unida Benetton (ou de dois, se a escova de dentes também for produzida pela empresa) «parto com segurança e com valores de referência para essa grande aventura da vida, onde a comunidade certa é constituída pela equipa que veste a camisola do clube cromaticamente correcto Benetton!».

Toscani, com efeito, conduziu durante muitos anos, com enorme sucesso, à escala mundial, a publicidade da empresa italiana de vestuário, e derivados, Benetton. Com enorme sucesso, é verdade, pois já está presente em mais de cem países e declara um movimento de três biliões de marcos (Doenhoff, 1995), mas também marcada por planetárias polémicas geradas pelo arrojo estético e moral, apesar de simples, das suas propostas publicitárias. A fórmula originária e genérica que funda e que está presente em todos os produtos publicitários é simplesmente fabulosa. «United Colors of Benetton» alude – nem sequer subliminarmente -, evoca e decalca o forte simbolismo contido na designação nacional americana, United States of America: o mesmo número de palavras, a mesma ordem, o mesmo início. A sugestão de uma mesma matriz. O mecanismo desencadeado por esta associação é o do funcionamento por analogia: sucesso, poder, liderança, afirmação.

Trata-se, logo aqui, como se vê, da mais pura ilusão ideológica: a alusão aos USA induz, subliminarmente, quem usa produtos Benetton a assumir-se como pessoa de sucesso, de poder, forte e afirmativa. Uma camisola cromaticamente correcta é índice de sucesso!

(Efeito de estranheza)

Toscani, partindo daqui, rompe com a fórmula publicitária tradicional – que tende dominantemente a envolver a mensagem directa com ambientes de matriz sentimental, romântica ou utópica – e cria efeitos simbólicos de choque, produz imagens que questionam, com radicalidade de ruptura, os grandes temas que atravessam a vida nas sociedades modernas: um padre que beija uma freira, a farda manchada de um soldado bósnio morto (que não é de marca Benetton), um pássaro a boiar numa poça de petróleo derramado, um recém-nascido ensanguentado e ainda preso pelo cordão umbilical, inúmeros preservativos que esvoaçam, cruzes de um cemitério, «Hiv positive», etc., etc.. «É claro que Toscani abala alguns tabus, mas a nudez que expõe é simplesmente humana», diz dele Thévenaz. «É exactamente esta a sua intenção: a objectividade anti-sentimental», sublinha este historiador de arte (Thévenaz, 1995). O anti-sentimentalismo constitui, com efeito, a marca de ruptura com a publicidade convencional, com o efeito de adesão sentimental ao produto, com a fantasia induzida pelo mecanismo da anestesia simbólica. O que ele propõe é, pelo contrário, a distanciação crítica, uma espécie de Entfremdungseffekt, de efeito de estranheza, de vaga ou longínqua inspiração brechtiana. Ou, muito simplesmente, um efeito de choque que provoque reflexão crítica induzida pela «vivacidade» da imagem proposta sob o «alto patrocínio» das Cores Unidas da Benetton.

Todas estas são mensagens de ruptura radical, de oposição em relação a ordens ou desordens provocadas pelos poderes convencionais ou naturais: o poder religioso, a guerra e a agressão ambiental (neste caso, originada pela Guerra no Golfo), a questão demográfica, a SIDA. Trata-se também de mensagens com forte apelo emocional e psicologicamente desestabilizadoras para quem está habituado a ver a realidade com as lentes policromáticas dos romances cor-de-rosa publicitários convencionais e a quem é sugerido um subreptício cromatismo de vago sabor crítico.

E, todavia, estas mensagens possuem uma fortíssima valência substantiva, tocam profundamente a sensibilidade existencial e colectiva, questionam-nos. Mas, tratando-se claramente de publicidade, também é verdade que transportam consigo um «pecado» original, um indício pecaminoso, um indício de interesse privado em causa pública: o interesse na expansão comercial das Cores Unidas da Benetton, através da instrumentalização, com fins dominantemente lucrativos, de temas que tocam profundamente as sensibilidades individuais e colectivas e que possuem essencialmente uma valência pública. Não que o mercado seja pecaminoso. Mas, seguramente, porque, estando em jogo causas tão substantivas e determinantes para o futuro da Humanidade, parece ser justo exigir que estas causas se constituam como fins absolutos, assumam uma valência absoluta, isto é, não sejam referenciáveis a nenhum outro valor que não seja o que elas próprias evidenciam e exigem imperativamente. Pelo contrário, o que aqui se verifica é uma promiscuidade intolerável entre o que deveria ser moralmente absoluto e o que é comercialmente relativo. Entre o que questiona a essência do que é justo socialmente e o que se revela tão-só comercialmente lucrativo. Trata-se daquele mecanismo que já identifiquei como ilusão e inversão ideológica: onde a causa deve ser um fim de si própria surge como simples manto ou cobertura moral de um banal produto comercial que é absolutamente estranho às causas a que alude. A causa moral surge como mero instrumento de promoção comercial de produtos moralmente neutros. Assim funcionam os mecanismos publicitários em geral, independentemente dos conteúdos.

A crítica que vale para a pós-publicidade vale, pois, para a publicidade televisiva, mais laica, mais relativa, mais comezinha, mas nem por isso menos eficaz e menos «subversiva». A primeira mais crítico-conceptual, a segunda mais sentimental e romântica. É que a pós-publicidade dota-se de uma armadura de combate ideológico pronta a reunir todos aqueles que se vestem de forma cromaticamente correcta. Uma lógica que funciona de forma plenamente invertida, já que é a força das causas que funciona como factor de coesão de todos os que acabam por se reconhecer no cromatismo moral e anti-sentimental da Benetton, sendo que, afinal, é essa mesma Benetton que patrocina as causas propulsoras desse cromatismo moralmente correcto. Não é a Benetton que leva às causas, mas as causas que promovem a Benetton.

A publicidade televisiva funciona de forma mais laica, mais trivial, induz analogias sentimentais, de sucesso e de eficiência. É uma publicidade mais pragmática, sem deixar de aludir a valores sociais, existenciais e instrumentais, operando sempre de acordo com o mecanismo da inversão ideológica: lembro a publicidade televisiva a um pão de longa conservação que é distribuído, regularmente, todos os dias, de manhã cedo, à hora do pequeno almoço.

(A Guerra do Golfo)

Toscani terá dito que foi a Guerra do Golfo que o levou a formular o novo quadro em que passaria a formular a publicidade do futuro. A publicidade social e historicamente empenhada. Logo, um momento histórico único como fonte de inspiração e de responsabilidade planetária acrescida. Ele passou a querer mostrar «o que une e separa as pessoas», através da exibição intensiva dos grandes cinco temas da existência: o sexo, a religião, a raça, a vida e a morte. Sem mediações. Com uma técnica intencional de brutalização da comunicação. Provocando emoções fortes sobre o cidadão consumidor da publicidade de larga escala, para que esse mesmo consumidor se transformasse em consumidor dos produtos Benetton.

A filosofia de Toscani revela-se, através da estética da comunicação publicitária mediante fotografia, fortemente criativa, competitiva e esteticamente revolucionária. Volta a dar à fotografia algo que ela estava a perder em face de poderosos adversários. Em particular do adversário televisivo, assumido aqui, implicitamente, como simples extensão subalterna e residual da operação pós-publicitária, isto é, como simples sistema difusor subalterno da mensagem cromaticamente correcta de que todos falam.

E a verdade é que este publicitário, com a sua mágica fórmula fotográfica, tão discutida e posta em causa em todo o mundo, conseguiu ser talvez a peça fundamental do enorme empório que é hoje a Benetton. Uma empresa que fascina não tanto pelas formas e pelas cores que produz quanto pela imagem que de si mesma conseguiu criar. Como que a demonstrar que, hoje, a imagem é tudo e o produto nada. Ainda que alguns, aplicando a lógica do boomerang, já comecem a falar, com razão ou sem ela, de crise. Uma crise que se fundaria mais na derrocada de uma determinada fórmula publicitária do que na necessidade, bem mais prosaica, de agasalho e de culto da arte de bem vestir. Boomerang que dá bem conta deste efeito de inversão que cada vez mais assalta o nosso quotidiano: consumimos não segundo a lógica do uso, mas segundo a lógica da troca e, finalmente, a lógica das comoções induzidas pela força matricial da fotografia ou pela força trivial da televisão.

(Pós-publicidade)

Toscani opera com uma distinção fundamental entre a publicidade convencional e aquilo a que chamo pós-publicidade: aquela idealiza e absolutiza as virtuais qualidades do produto; esta limita-se a associar, não o produto, mas a própria marca («United Colors of Benetton») às grandes causas, tal como nos são propostas pelo artista-publicitário, em suporte fotográfico e sob o pressuposto de que a fotografia se mantém como o núcleo de partida da imagem moderna.

Não se comunica, pois, o produto ou os produtos, mas a marca. O que já constitui uma revolução em relação à publicidade convencional. Mas, depois, a própria comunicação publicitária é proposta de forma somente alusiva, onde a mensagem fundamental é uma grande causa social, totalmente autónoma em relação ao produto e à marca. Esta limita-se a aparecer associada, na medida em que se revela como simples patrocinadora. Toscani diz que o novo modo de fazer arte no mundo tecnológico de hoje é precisamente aquele que não recusa a contaminação com a cultura de massas, da qual a publicidade é uma das expressões mais visíveis. O conceito nem parece ser muito original: lembremo-nos, por exemplo, da obra de um Andy Warhol, com quem, de resto, Toscani conviveu. Mas que a caminhada de Toscani tem um sentido profundo foi reconhecido pelo Pasolini dos «Scritti Corsari» quando analisou o famoso slogan dos «Jeans Jesus» e o considerou como algo surpreendentemente inovador: «o seu espírito, disse então Pasolini, é o novo espírito (muito antecipado) da segunda revolução industrial e da consequente mutação dos valores» (Pasolini, 1975: 17). E estávamos em 1973, em plena era do slogan, quando Toscani ainda não se tinha desprendido completamente da lógica publicitária convencional. Mas, agora, que esta comunicação publicitária se reduz à forma do patrocínio e se fixa em temas ou causas de significado social, como o beijo entre um padre e uma freira, uma mulher negra que amamenta uma criança branca, uma recém-nascida (Giusy) com o cordão umbilical, um moribundo (David Kirby) de SIDA, uma nuvem de preservativos, as cruzes de um cemitério, a farda do soldado conhecido Marinko Gagro ensanguentada, agora, dizia, a inovação é radical, sendo certo que Pasolini poderia ver confirmado o seu diagnóstico de então.

Num registo hiper-realista, um pouco cínico e sem pretensões de carácter conceptual, as questões que poderíamos pôr a Toscani são as seguintes. Vocês fazem este tipo de publicidade porque querem limpar a consciência? Porque têm uma moral dupla? Porque querem redimir o mundo? Ou, simplesmente, porque o que pretendem é, tão-só, fazer com que falem da Benetton, para mais e melhor vender? O que vocês fazem não é pura e simples ideologia instrumental? Mas se, antes, a ideologia sempre surgia associada à nobre política, assim, não fica despudorada e directamente ao serviço de mesquinhos interesses comerciais que nada têm a ver com as causas que apregoam? Não estão vocês a instrumentalizar causas de grande valor moral? E, assim fazendo, a dignidade da vossa pós-publicidade não resvala para o cinismo?

Benetton não é um santo e a sua empresa não é um agência de causas morais. O crítico também não é parvo. Mas o facto é que a publicidade de Toscani assume esta forma diferente. Não fala de si nem dos seus produtos. Fala de grandes causas ( de resto, já em circulação nos media), provocando grandes escândalos, porque a sua linguagem em vez de estilizar e idealizar a sensibilidade comum, agride-a e fere-a, provocando reacções de carácter interactivo, isto é, acabando por transformar o destinatário num sujeito (re)activo. (Re)activo, sensível à mensagem, logo potencial aderente a esse clube patrocinador de causas morais que, por acaso, se chama Benetton e que, também por acaso, vende produtos de vestuário e afins. No meu entendimento, também não é por mera coincidência que Toscani trabalha com corpos (ou com objectos simbólicos que para eles remetem, preservativos que esvoaçam ou cruzes de um cemitério), procurando reconduzi-los a uma pureza originária e dando, assim, relevo a uma intimidade partilhada em comum, a do corpo. Reduz as diferenças ao mínimo, ao detalhe, fazendo sobressair aquilo que é comum, provocando uma «relação física» anterior aos hábitos, às crenças, ao vestuário. Como diz Thévenaz : «para dar consistência à ideia das Cores Unidas, era necessário inserir o corpo humano». «Os personagens de Toscani são seres humanos idealizados (…) que não têm outra individualidade senão algumas diferenças formais: o penteado, a pele, a forma ou a cor dos olhos, as linhas de um rosto ou de um seio. E, em homenagem, uma camisola vermelha ou amarela da Benetton…» (Thévenaz, 1995). Não é, pois, inocente esta opção pelo corpo, já que ele é o destinatário dominante da actividade produtiva da Benetton, independentemente de qualquer diferença formal que se verifique nesse corpo, já que a Benetton possui uma linguagem universal por todos compreensível, a linguagem da cor.

A fase em que Toscani pretende não só mostrar o que une as gentes, mas também o que as separa, recorrente depois da Guerra do Golfo, esbate um pouco este afunilamento em direcção ao corpo que veste Benneton e suscita sentimentos de compaixão e intensidades dramáticas. Com diz Thévenaz, Toscani, neste registo, vê-se ultrapassado pela necessidade de um registo que não seja tão publicitariamente correcto, tão estilizado, tão formal. Por isso tem de recorrer a trabalhos de outros autores, por exemplo, a reportagens fotográficas, que o impedem de praticar um estilo esteticamente tão depurado. Mas, mesmo assim, a intensidade dramática que envolve esta mensagem de Toscani é uma mensagem dramaticamente correcta, universal, por todos compreensível e com profundo significado moral. Sempre se trata de corpos, mas em situação limite. A Benetton pode assim aproximar as gentes pelo sofrimento-limite, pelo drama de fronteira e exercer essa sua função de promotora universal de causas morais, de consciência crítica, de exemplo. Um exemplo que, como todos os exemplos, deve ser seguido: comprando.

Com esta incursão pela pós-publicidade de Toscani pretendo reforçar, com a análise de um caso concreto, a lógica ideológica da publicidade, a compreensão do mecanismo da inversão ideológica e os efeitos desejados que ela procura provocar nos sujeitos (a ela). E porque razão o faço num livro sobre a televisão? Porque a publicidade televisiva, que se desenvolve com conteúdos menos sofisticados do que os de Toscani, mas que se desenvolve obedecendo à mesma lógica e aos mesmos mecanismos subliminares, constitui a exclusiva fonte de rendimento da televisão, constituindo-se como sua componente fundamental. De tal forma que ela se vem desenvolvendo como fonte de fantásticas produções criativas, quer do ponto de vista técnico quer do ponto de vista estético.

Por mais que a publicidade possa surgir como arte publicitária nunca ela deixará de funcionar estrategicamente de acordo com o desejo de vender mais e ao melhor preço, de estimular a compra e de construir ilusões estimulantes em torno do produto. Por isso, ele sempre manterá uma lógica oculta que possui uma clara afinidade com a lógica interna da ideologia, através dos mecanismos da ilusão e da inversão simbólica. Uma afinidade que chega a tocar a evidência. A estrutura da publicidade televisiva não se afasta desta sofisticada forma de publicidade pós-publicitária. Só que tem menos pretensões intelectuais e morais e é, directamente, pela força e características do meio, mais ilusória, ao produzir aparentes efeitos daquele realismo sentimental de que a pós-publicidade se procura afastar. Mas talvez por isso mesmo pudéssemos falar de um efectivo realismo televisivo capaz de se sobrepor na nossa imaginação ao realismo empírico cada vez mais residual ou periférico, como gosta de lhe chamar Virilio (1998: 21). Realismo televisivo que, na publicidade, surge apoiado no pragmatismo do produto. Publicidade que surge como plausível e que concretiza em imagem aquilo que poderemos ou não poderemos ter, mas que seguramente podemos ver e sentir simbolicamente como nossa. Perante a publicidade televisiva somos todos iguais, materializando-se, assim, de forma simples, aquele igualitarismo que a ideologia consumista representa e promove.

À custa do hiper-realismo cromático e romântico da mundividência televisiva bem se pode dizer que o produto televisivo é mais real do que o produto real. Porque está sempre presente, acessível a um olhar sem limites. E porque pode preencher admiravelmente o vazio existencial que se vai apoderando das nossas vidas urbanizadas e atomizadas. E, porque funciona como a ideologia, a televisão gera adesão automática (nunca se questiona a televisão quando diariamente a acendemos), um vago sentimento de pertença a essa cosmopolis dos espectadores e dos consumidores. Sentimento de pertença que resulta do facto de todos sentirmos em uníssono as emoções do vídeo, sob um mesmo registo e em simultâneo, de todos podermos, no dia seguinte, falar do que todos vimos. Que exemplo mais evidente e corriqueiro do que esse futebol que cada vez mais enche o vídeo que todos adoramos, esse oráculo perante o qual todos nos prostramos, emocionados, tantas vezes até às lágrimas. Tantas vezes também prostrados em redor de causas morais, afinal, divulgadas e publicizadas porque geram audiência, logo entradas publicitárias, mais poder e mais dinheiro para os grupos que controlam as televisões. Também aqui se trata de cromatismo, de hipercromatismo, mesmo que não seja tão moralmente correcto como o cromatismo da Benetton.

O cromatismo publicitário induz ilusão, inverte a ordem dos factores, contrai numa fórmula o espaço e o tempo da relação de consumo, mediatiza a nossa relação com os objectos de consumo, sobrepondo-se à relação pragmática que deveria comandar esta relação.

Ele constitui uma síntese perfeita do módulo cognitivo televisivo.

Também na publicidade, como na televisão, são poucos os que falam e mostram e milhões os que ouvem e vêem. O cromatismo moral ou romanticamente correcto da publicidade sobrepõe-se à trivialidade do produto, induz adesão acrítica e emotiva. Adesão interior, quando esse interior já está ocupado por um cromatismo moral ou romântico que envolve os produtos como o seu contexto ambiental. A publicidade mediatiza a nossa experiência interior, substituindo-se-lhe.

Jerry Mander, comentando as posições críticas que a Internacional Situacionista sustenta em relação à sociedade do espectáculo, afirma: «autores como Guy Debord descrevem a sociedade capitalista como um conjunto de seres recriados para viverem a vida como uma representação. Compara esta sociedade com outras, não movidas pelo lucro e, por conseguinte, sem necessidade ou desejo de expropriação da experiência interna. O papel da publicidade, segundo os situacionistas, visa criar um mundo de espelhos nos quais as pessoas possam obter novas imagens de si próprias, imagens essas adequadas aos objectivos do sistema em geral. Através dessa função reflectora e da consequente expropriação da experiência interior, a publicidade transforma as pessoas em espectadores das suas próprias vidas. É a alienação em último grau. A própria vida transforma-se em espectáculo. Ao penetrar no âmago dos seres humanos, nos nossos recônditos não colonizados, a publicidade extrai e revela esses sentimentos, vendendo-os de novo como minério extraído da terra. Os nossos sentimentos íntimos são assim metamorfoseados, tornando-se mercadorias. Procuramos desesperadamente reavê-los e pagamos preços elevados por tal privilégio. Os situacionistas têm razão» (Mander, 1999: 162-163; sublinhado meu). Ou, como diz o próprio Debord: «no mundo realmente invertido, o verdadeiro é um momento do falso» (Debord, 1992: 19).

Bibliografia.

DEBORD, G. (1992) La société du spectacle, Paris: Gallimard.

DOENHOFF, Marion Graefin. (1995) Toscani: i colori del declinio, in «Reset», 23, Roma.

MANDER, Jerry. (1999) Quatro argumentos para acabar com a televisão, Lisboa: Antígona.

PASOLINI, Pier Paolo. (1975) Scritti corsari, Milano: Garzanti.

THÉVENAZ, Michel. (1995) Quel fotografo è solo un venditore, in «Reset», 23, Roma.

TOSCANI, Oliviero. (1995) Ciao Mamma, ti mando un bacio, Milano: Mondadori

VIRILIO, Paul. (1994) Lo schermo e l’oblio, Milano: Anabasi.

[Extracto de: João de Almeida Santos (2000) Homo Zappiens, o feitiço da televisão, Lisboa, Editorial Notícias]

Ciberdemocracia ou gaiola electrónica?

O convite que me foi feito para convosco fazer algumas reflexões sobre aquilo que vai sendo designado por «ciberdemocracia», mas a que eu prefiro chamar «democracia electrónica», foi feito sob o signo da Internet. Com efeito, foi através de um meu pequeno ensaio sobre «A democracia electrónica no reino da pós-política», publicado na Revista electrónica «Babel», que a Prof.ra Regina Campos Moreira teve conhecimento deste meu interesse pela matéria.


(Comunicações, relações e mecanismos electrónicos)

Tema fascinante e obrigatório, porque já não é, hoje, possível reflectir sobre a questão da democracia sem um confronto sério com a questão da presença da microelectrónica nas estruturas e na lógica de funcionamento das sociedades.

Em primeiro lugar, no plano da comunicação política: a televisão, sofisticado produto da microelectrónica, tornou-se hoje um verdadeiro espaço público sem fronteiras.

Em segundo lugar, no plano da configuração da vontade política institucional, é já possível prever a constituição de um sistema de consulta eleitoral centrado na electrónica, no voto electrónico, como, aliás, hoje vimos.

Em terceiro lugar, as nossas vidas começam a decorrer em sistema de intercâmbio electrónico, tornando, por isso, possível uma eventual vigilância electrónica, cada vez mais difusa, de todos os nossos percursos – o que representaria uma certidão de morte da própria democracia.

É sobre estas três questões que vou fazer algumas reflexões.

Começo pela televisão.

E iniciaria dizendo que um espectro paira sobre a Europa: a microelectrónica.

Gloso o Manifesto de Marx porque as consequências da invasão electrónica sobre das nossas vidas começam a ser enormes, gerando apologias e críticas. Dou um exemplo. Os telefones celulares revolucionaram radicalmente os espaços convencionais da comunicação: comunica-se instantaneamente a partir de qualquer ponto do planeta e em qualquer situação. Do transistor à televisão digital: tudo isto se desenvolve em pouco mais de cinquenta anos. O transistor estilhaçou os espaços comunitários da audição rádio. A televisão foi considerada a caixa que mudou o mundo. O universo televisivo justapõe-se cada vez mais ao real. A tal ponto que, no plano da comunicação, se pode dizer que só é real o que é televisivo, numa progressiva contracção do espaço público no pequeno visor ou tele-visor. A verdadeira praça pública, a velha agorá grega, transformou-se em praça televisiva. Com uma precisão inacreditável: com a televisão digital podemos fazer o mesmo que os gregos faziam: informarmo-nos da coisa pública e, ali mesmo, decidir, pondo, não uma mão, mas um voto no ar, no éter – um e-voto. A velha praça ficou reduzida ao conceito de vizinhança territorial, tornando-se puramente residual, quando não assumida pelo sistema televisivo. Do ponto de vista da comunicação, o espaço e o tempo sofreram, de facto, um poderoso efeito de contracção: eventos distantes deslocam-se instantaneamente para o interior do mesmo ecrã digital, através do qual poderemos também decidir, isto é, formar constantemente a vontade política institucional. As sondagens já hoje fazem um pouco disto. Mas o voto electrónico, vinculativo, poderá implicar uma complexa e delicada mutação das próprias regras substanciais da democracia ou mesmo uma sua mudança genética.

Os efeitos da microelectrónica projectam-se na informática, na robótica industrial e na Rede. A um ponto tal que já se fala de terceira «revolução industrial»: daquela que vai colocando os sistemas electrónicos nos lugares que ontem estavam ocupados pelos homens. Visite-se a Fiat ou a Volkswagen: onde ontem estavam enormes massas de operários hoje estão cadeias de robots e os chamados «condutores», de bata branca, não azul, que vigiam as cadeias de robots.

Hoje, em televisão, já temos o chamado redactor tecnológico, o «one man band», o redactor multi-usos, aquele que, sozinho, produz toda a notícia tal como chega ao espectador: palavras e imagem.

Quanto à Internet, lembremo-nos dos efeitos devastadores que, em todo o mundo, provocou o vírus I LoveYou, suscitando uma inibição generalizada nas relações telemáticas: tende-se a não ter relações com desconhecidos e usa-se aquele preservativo electrónico que vulgarmente é designado por anti-virus. A metáfora da sida colhe, de facto, muito bem. Mas as possibilidades da Rede, como vimos esta manhã, alargam-se ao campo técnico-eleitoral. Hoje, com efeito, já seria possível, se aperfeiçoados os sistemas de controlo, exercer o voto por via electrónica: cada cidadão dotado de um computador com Internet, ou de um simples telefone celular, poderia votar, a partir de casa, em qualquer eleição: autárquica, legislativa ou presidencial.

À parte o delicado mecanismo da comprovação da autenticidade do voto – mas lembremo-nos dos pagamentos via Internet -, por-se-á, todavia, aqui o delicado problema da sua cadência, do seu prazo de validade, vista a enorme agilidade do sistema. Poder-se-ia, no limite, e sem custos relevantes, pôr o cidadão em condições de votar várias vezes no ano, entre referendos cada vez mais frequentes e eleições propriamente ditas. Poder-se-ia passar gradualmente da clássica democracia representativa para aquilo que alguns já designam por «directismo», uma versão electrónica da democracia directa. Poder-se-ia mesmo sufragar permanentemente as grandes decisões políticas.

Passo, por isso, a pôr, com alguma radicalidade metodológica, algumas questões que podem resultar de um excessivo optimismo em relação ao uso dos novos meios electrónicos que são postos ao serviço da democracia, sem esquecer que os perigos não passam só pelo uso excessivo dos meios.

A questão que se põe é se o sistema democrático é compatível com esta cadência do voto. O cidadão, votando permanentemente, não tornaria o voto excessivamente volátil? Não o banalizaria? Não se perderia aquela «aura», aquela solenidade e aquele sentido comunitário que sempre acompanha o acto de votar? E não se estaria a esvaziar permanentemente a própria dimensão representativa do voto? Não se iniciaria um processo desgastante e inconsequente de contínua revogação da autoridade (no sentido de autoria, de interpretação) que se deve exprimir na representação política?

A ser assim, como facilmente se compreende, a estrutura clássica da democracia representativa não começaria a sofrer uma radical mutação genética. E, a assim sendo, o novo sistema estaria em condições de nos garantir melhor qualidade democrática? Seria este o melhor modo de resolver a tão falada crise da representação?

Se assim fosse, as campanhas eleitorais decorreriam na praça pública electrónica e o momento do voto consistiria em abrir o computador e enviá-lo via e-mail. Tudo sem sair de casa. Com a televisão digital, a chamada televisão inteligente, tudo poderia ser ainda mais simplificado uma vez que ela integrará a Internet num só aparelho.

Se elevarmos tudo isto a sistema acabado, e é neste registo radical que estou a reflectir, o cidadão, a partir de casa, poderá fazer praticamente tudo: fazer compras, pagar impostos, trabalhar (teletrabalho), informar-se abundantemente, comunicar, votar.

Estamos de facto perante uma enorme revolução. Com as suas vantagens e os seus perigos.

O universo que se abre à frente do cidadão é infinito, mas o perigo é que, de tanta abundância, a nossa existência se torne cada vez mais irreal. Como diz Sartori: nasce um cidadão com uma enorme cabeça e um corpo atrofiado, que, por sua vez, poderá também gerar o atrofiamento da própria cabeça?

E esta democracia garantirá estabilidade e tempo de governação? Não entraremos assim numa perigosa banalização da politica? O cidadão tem condições – já que os meios existem – para decidir politicamente com tanta frequência? A democracia é compatível com a permanente revogação imaterial da representação? E os meios cognitivos de que dispõe são suficientes para se pronunciar permanentemente sobre complexas questões que não domina? Se a sua fonte de informação e de aprendizagem privilegiada é a televisão, ela está em condições de instruir suficientemente o cidadão para a decisão recorrente? Não se fica o saber televisivo pelo plano da opinião? Ver equivale a compreender e a saber? A divisão do trabalho, que parece estar na origem da exigência da representação, deixou de existir ou, pelo menos, pode ser superada pela abundância e pela agibilidade dos meios electrónicos? A abundância de meios gera automaticamente abundância de saber? Finalmente, não correremos o risco de criar um infernal círculo vicioso, sem progressão plausível, entre decisões políticas e sufrágio permanente, com prejuízo para as grandes opções de reforma e para o tempo próprio da execução?

A questão consiste em saber se é possível uma democracia directa de natureza electrónica, num sistema de mandatos imperativos permanentemente revogáveis.

O excesso de meios não poderá produzir, neste caso, atrofia de fins?

Mais plausível, mas por isso mesmo mais perigoso, é a aplicação deste sistema a esse instrumento de democracia directa, que é o referendo. Sendo tão plausível a aplicação do voto electrónico aos referendos não surgirá o risco de irmos substituindo involuntária e progressivamente a democracia representativa pelo referendo electrónico, recorrendo a ele com excessiva frequência?

E a razão electrónica é automaticamente compatível com a razão democrática? O tempo da razão instrumental é automaticamente convertível na temporalidade própria da existência individual e colectiva? Ao cidadão recolhido na intimidade electrónica não incomodará o ruído próprio da exterioridade democrática e o peso insustentável da sua própria existência física? E os governos não serão obrigados a submeter permanentemente as suas opções políticas a sufrágio, com prejuízo para a responsabilização política e para o distanciamento estratégico?

O democratismo electrónico não poderá anular irremediavelmente a democracia representativa?


(Ver para crer ou para esquecer?)

A questão da televisão remete-nos, inevitavelmente, para uma velhíssima máxima, «ver para crer», que nos tempos modernos ganhou um novo significado. Ela, na origem, significa aferir da verdade através da visão, do acto-de-ver-algo – que é o verdadeiro sentido originário de «ideia» -, experimentação visual, relação física com o evento. Ela remonta aos tempos primordiais da civilização rural, do comunitarismo, do domínio da imagem sobre essa dimensão simbólica que se exprime na linguagem escrita. «Ver para crer» talvez esteja mesmo, na hierarquia do saber, antes daquela que era considerada, se não erro, por Espinosa, a mais primária forma de conhecimento: o saber por ouvir dizer. Por uma simples razão: ouvir dizer implica, antes de mais, a actividade de contar, de narrar, de representar algo através de um elemento abstracto, que é a palavra, logo, implica uma recíproca actividade reflexiva e de decifração. Antes de mais, implica conhecimento de, pelo menos, uma língua. Ver é um acto imediato, empírico, instantâneo. E pode, por isso, não implicar nenhuma mediação, nenhum acto de natureza mais reflexiva. «Ver para crer»: só acredito naquilo que vejo. É, no seu sentido originário, a mais primária de todas as formas de conhecimento. A visão, por si, não gera espontaneamente reflexão, sendo que a reflexão pode dela prescindir.

Outra coisa mais sofisticada é o ver moderno, a tele-visão. A visão à distância, sem contacto directo com o facto. E que nos é fornecida por uma pequena caixa que já transformou o mundo e que fala através da imagem. Aquela caixa que se impôs ao ouvir dizer. Que o substituiu. E que transformou o ouvir dizer em ver dizer. Ou seja: a palavra ao serviço da imagem. Mas de uma imagem elaborada, trabalhada, feita para convencer e para impressionar. Exemplo disso é a publicidade.

Giovanni Sartori diz, em livro recente, que o «Homo Videns» se sobrepôs ao «Homo Sapiens» e que a cultura visual se sobrepôs à cultura escrita. Hoje, o «Homo Videns», integrando apressadamente a vontade de saber através da visão, está a dar origem a um inacreditável ser híbrido a que eu chamo «Homo Zappiens», esse homem que, querendo ver tudo, acaba por não ver nada, nem nada saber.

A questão é mais sofisticada: se a visão naturalista era subsidiária de um real empírico, a visão electrónica é elaborada a partir de um centro emissor de imagens, obedece a uma estratégia racional e esteticamente elaborada e tem um sentido subjectivamente pré-determinado. É fonte de comodidade e de passividade perceptiva.

Alguém dizia, falando da televisão digital, da televisão interactiva, daquela que funde a Internet com a televisão convencional, que ela representa uma superação desta passividade perceptiva induzida pela televisão convencional, já que combinava duas lógicas completamente distintas: a lógica do sofá, colectiva e própria da televisão convencional, e a lógica da secretária, individual própria da web. Uma, representando o lazer, a passividade, a outra, representando o trabalho, a reflexão. Uma, passiva, a outra, activa.

Assim sendo, a televisão digital seria o instrumento perfeito já que permitiria integrar a componente passiva e a componente activa, a visão e a reflexão, o ver e o saber. Só que o ver à distância, o ver passivo, induz um comportamento distensivo, de relax, virado mais para o esquecimento do que para a acção. Nele, a lógica do sofá, que é mais comunitária, sobrepõe-se à lógica da secretária, que é mais individual, porque «navegar na web não é uma actividade colectiva, mas uma actividade individual», ou melhor, «navegar na Web» não é um entretenimento colectivo, como o é a televisão, mas uma actividade individual». Ou, ainda, broadcasting versus websurfing: alternativa que, todavia, pode ser superada pela push technology, possível com a nova televisão inteligente. Só que, assim, a televisão digital torna-se um trabalho individual e sai fora da sua própria natureza.

(A democracia televisiva)

Não é difícil compreender a importância da televisão, e do respectivo módulo cognitivo, na democracia. Há já quem fale de democracia televisiva. Paul Virilio, referindo-se a Berlusconi, falou de «Golpe de Estado mediático». Só é real o que é televisivo. As agendas políticas fundiram-se intimamente com a cadência televisiva. Com os telejornais. Os partidos, peças essenciais da democracia, subordinaram as suas estruturas orgânicas ao espaço público electrónico. O líder político ou é televisivo ou não é líder. Dum grande evento fica o que aparece em televisão. Quem não vê é como quem não sabe, dizem alguns. Ser é aparecer, dizem outros. Quem não aparece não é, é a convicção dominante. Uma imagem vale mais do que mil palavras, diz-se também. «O tempo de Gutenberg acabou!», gritam os videómanos.

Se é assim, a televisão é o centro da vida moderna, da vida política, da democracia. Por isso, merece a mais cuidada análise esse tipo de relação cognitiva induzido pela televisão. Porque a democracia, sendo cada vez mais televisiva, vive na encruzilhada da imagem induzida com o real produzido. E porque o cruzamento do real com a imagem induzida não pode deixar de produzir uma relação cognitiva problemática: um filtro sobrepõe-se duplamente ao real captado e pode gerar, por isso, conhecimento distorcido, num mecanismo equivalente ao da chamada ilusão ou inversão ideológica. Isto é, uma visão que aparece como coerente e com pretensões de universalidade, quando, afinal, não passa de um mero fragmento aleatório do real, seleccionado com critérios não sindicáveis ou pelo menos subjectivos. Esta relação cognitiva, que vive na fronteira entre a opinião verdadeira e a ilusão programada, é nuclear para a consistência do espaço público electrónico ou televisivo: ela pode suscitar algum activismo cognitivo, mas extra-televisivo, ou, pelo contrário, pode resultar em simples manipulação instrumental, com efeitos devastadores para o próprio cidadão.

 

(A gaiola electrónica)

A microelectrónica há muito que entrou no nosso percurso quotidiano. Num ensaio sobre o Caos, Gore Vidal referia que até 2008 o governo americano passaria a ter um computador central que registaria todas as operações financeiras da população, passando o Ministério das Finanças a controlar a bolsa de cada um e podendo deduzir directamente os impostos que considerasse adequados. Para completar o círculo lógico, acrescento eu, bastaria legislar para que todas as transacções, desde a compra do pão até à compra de casa, fossem obrigatoriamente feitas por intermediação bancária, genericamente, por cheque ou por meios electrónicos. Como (quase) todos os actos sociais são actos com incidência financeira, torna-se evidente que, com estas duas componentes, nos encaminharíamos rapidamente para uma Microcracia, ou tirania difusa da microelectrónica. E é naquele quase, entre parêntesis, que consiste o mistério insondável da vida, o irrepetível e o irredutível. É com ele que poderemos perfurar essa blindagem electrónica da Microcracia e impedir que ela se transforme em Micromega, em tirania final. Uma utopia tecnológica perfeita que, como todas as utopias, exige transparência uma total que não tem verdadeira reciprocidade no vértice do sistema. Lembremo-nos da Cidade do Sol, de Campanella.

É, pois, ilusória a ideia de Caos, de que tantos vão falando, se ela não for concebida como simples etapa intermédia entre a velha tirania da ideologia e a novíssima tirania da electrónica.

Esta fase de um mundo tendencialmente centrífugo, fragmentado, onde a consistência dos fragmentos depende exclusivamente da sua maior ou menor visibilidade público-televisiva, tem permitido a progressiva desestruturação das velhas ordens político-sociais e tem aberto o caminho a uma recomposição abstracta, mas difusa, das relações por meio comunicacional e informacional. O acesso generalizado ao conhecimento tem-se dado, simultaneamente, de baixo para cima e de cima para baixo. Só que, sendo certo que saber é poder, o acesso ao saber é infinitamente mais rápido para as elites do que para o cidadão comum. Por isso, também o poder cresce mais rapidamente para um lado do que para o outro. O processo de transformação do saber em poder é mais rápido para as elites do que para os cidadãos. Porque, se as primeiras mantêm uma relação activa, funcional e construtiva com o saber, as segundas mantêm com este uma simples relação passiva ou descritiva, mesmo quando desempenham tarefas automatizadas ou quando as usam para o lazer ou simplesmente para comunicar.

O uso de meios informacionais dá-se, para os cidadãos em geral, num registo extensivo e, para as elites, num registo intensivo. Para uns, equivale a um genérico acesso ao saber e a uma genérica comodidade na execução de tarefas intelectuais, para outros, significa efectiva reconversão do saber em poder.

Ser pensarmos no referido por Gore Vidal, veremos que enquanto para o cidadão se trata de comodidade, de segurança e de facilidade na troca, para o Estado trata-se de poder de controlo, de poder financeiro e de agilidade na gestão. A comodidade de uns traduz-se em poder de outros. O mesmo se verifica no plano da informação televisiva global: o acesso generalizado à informação televisiva tem como contrapartida a concentração do poder informativo em círculos cada vez mais restritos e com capacidade de configuração do real à medida das suas próprias opções comunicacionais. E se pensarmos no voto electrónico não poderá acontecer que também ele acabe por ficar reduzido a um permanente circo electrónico eleitoral, pelo qual não passarão as verdadeiras decisões estratégicas? Tratar-se-ia, neste caso, de um verdadeiro esvaziamento, por excesso de meios, dos conteúdos substanciais e dos fins da democracia. Um excesso que pode anestesiar e matar.

À «gaiola de aço», de que falava Max Weber, referindo-se ao processo de racionalização que acompanhou a velha civilização industrial, sobreveio a mais sofisticada nova «gaiola electrónica», que vai envolvendo o real de forma difusa, como um manto diáfano ou um véu electrónico. A chave da velha gaiola, que se chamava «crítica» (da razão instrumental), transformou-se em telecomando e em «password». Ou seja, a crítica transformou-se em poderoso meio de acesso. O que outrora sobrava em capacidade de descodificação, hoje sobra em capacidade de acesso aos «grandes armazéns» da imagem. Só que o excesso de informação anestesia, produz efeitos de habituação. Anula. Tal como a aceleração excessiva tende a produzir cegueira. O que sobra em aceleração e em abundância falta em distanciação crítica, em pausa reflexiva, em exercício analítico.

As elites, nesta assimetria, tornam-se cada vez mais inorgânicas, porque vivem exclusivamente nos interfaces da comunicação, perdendo o contacto com o triste e vil real. Foram fagocitadas pelo sistema informacional e, assim, são impedidas de exercer a crítica. Exercem, tão-só, o criticismo, que é uma actividade fim de si própria, multiplicam-se em jogos com múltiplas variáveis independentes, ou seja, com os jogos do sistema. Por isso, alguém já fala hoje de «rebelião das elites»…, mas contra as massas. Tornando-se cada vez mais verdade a velha máxima do «panem et circenses». Só que o circo é agora electrónico. E o pão, provavelmente, só poderá vir a ser adquirido sob o olhar atento e frio do computador central do Ministério das Finanças. A não ser que se regresse à troca directa. A esse (quase), de que falei.

(Ciberdemocracia, doença infantil da hiperdemocracia?)

A verdade é que o mundo informacional constitui hoje uma base incontornável do mundo contemporâneo. Desde o universo da produção ao mercado, à comunicação, que funcionam cada vez mais em rede num plano mundial, segundo regras sistémicas que enquadram funcionalmente as chamadas expectativas individuais, sem que prevejam nem suscitem o que poderíamos designar por valor de uso das liberdades e das expectativas subjectivas.

Estas regras pairam por cima da cabeça dos indivíduos e limitam-se a regular e a responder às tendências evolutivas gerais das sociedades, agora consideradas de forma puramente funcional, vista a lógica global com que operam. Como um jogo perfeito.

Mas se estes processos se estão a desenvolver com enorme rapidez e a consolidar com outra tanta profundidade, também é verdade que elas suscitam fortes reacções de rejeição por parte de poderosas forças nacionais que sentem ameaçado o seu poder territorialmente determinado, assumindo essa rejeição, do ponto de vista da elaboração política, as formas clássicas do nacionalismo e do tradicionalismo.

Para quem tenha assistido a um debate sobre o estado da Nação realizado no Parlamento deve ter-se apercebido disto mesmo: quando o governo, e bem, procurou expor uma estratégia para a nova economia, que é o centro de tudo isto, a oposição respondeu com a retórica política do pão e do suor da fronte, com a Maria e o Zé. Colhendo um problema real, mas rindo de uma realidade muito séria.

É verdade que os grandes sistemas globais, abstractos e auto-regulados, obedecem a poderes deslocalizados e não respeitam fronteiras e tradições porque possuem uma dominante vocação homogeneizadora universal, não sujeita a sufrágio. Por isso, encontram na fronteira e na tradição os seus adversários mortais.

Ambas as tendências sofrem de graves limitações do ponto de vista existencial, social e histórico: a lógica sistémica não prevê mecanismos de coesão social nem de legitimação política directa; a lógica tradicionalista e nacionalista arrisca-se a ser puramente residual em relação às tendências evolutivas das modernas sociedades. Uma posição conservadora muito mais flexível e aggiornata do que o simples tradicionalismo ou nacionalismo convencionais, mas permeada de uma forte dualidade política, é representada pela direita americana que se inspirou em Newt Gingrich.

Esta posição combina sapientemente um darwinismo social libertário para as élites capazes de se adaptarem às mudanças, nomeadamente de natureza tecnológica, com um populismo nacionalista de massas dirigido àqueles que são excluídos da e pela modernização, mas que, afinal, também eles, em linha de princípio, poderão ter acesso, como consumidores passivos, ao mundo da telemática. Uma direita deveras curiosa, esta, porque alia os tradicionais programas conservadores de inspiração liberal (redução do poder federal, redução dos impostos, diminuição dos subsídios, aumento da repressão, reforço dos programas militares) com programas avançadíssimos de inovação tecnológica em campo social, visando, nomeadamente, como afirma o próprio Newt Gingrich, «deslocar o poder em direcção aos cidadãos» e desferir um golpe mortal nos potentes lobbies de Washington!

Abrindo aos cidadãos as portas do mecanismo legislativo, através da inauguração de um «servidor» chamado THOMAS (The House Open Multimedia Access System), que levará para a Internet toda a actividade da Câmara dos Representantes, Gingrich afirma que, assim, «será mais difícil fazer passar projectos de lei que beneficiem somente os interesses particulares » e que a difusão de «informações em tempo real dará a toda a gente, e não só aos lobbystas bem pagos, o acesso às mesmas fontes». É a ciberdemocracia sob um pano de fundo conservador, onde o populismo, afinal, também aparece sob a forma de participação virtual alargada nos processos decisionais em matéria legislativa e no sistema comunicativo universal, e não só sob forma de nacionalismo exacerbado.

Resta saber se esta participação electrónica não representa, de facto, um aggiornamento do velho elitismo iluminista através de um universalismo puramente apriorístico: estando dadas as condições tecnológicas e económicas para o pleno e generalizado uso da razão electrónica, o que se verifica é que esta razão se defronta com os mesmos problemas com que se defrontavam a Razão e o Intelecto kantianos. Isto é: não continuaremos, de facto, no puro mundo das condições de possibilidade? Não é por acaso que Kant, em teoria, se afirmava universalista e na prática (mas na Metafísica dos Costumes até avançava uma sua explicação teórica) reconhecia a inevitabilidade do censo.

A questão que se põe, todavia, consiste em saber se a democracia electrónica não se pode, afinal, vir a revelar neoconservadora: ao mesmo tempo que pode transformar a participação política num jogo aleatório e inconsequente, porque esvazia permanentemente a representação política ao mesmo tempo que alimenta a ilusão de autogoverno do homo cibernauticus e do homo zappiens e que transforma a gestão política de um país em simples administração de técnicos, comandados à distância pelos poderes fortes da sociedade. E se, ao fim e ao cabo, não existe, nesta posição da Nova Direita americana, uma duplicidade perfeitamente compatível ou componível, ao proclamar, por um lado, a universalidade da participação virtual, mas ao saber, por outro, que o exercício desta universalidade exige mais saber (mas também mais meios) que a tradicional participação política, em particular, se ela se apresentar, como se pretende, não só como meio de expressão electiva, mas também sob a forma de exercício contínuo de controlo e de participação no exercício dos processos decisionais. É, este, um exercício ainda mais sofisticado do que a forma tradicional de exercício dos direitos de cidadania até porque introduz uma componente de virtual exercício referendário numa acção política institucional progressivamente cheia de projectos concretos e esvaziada de conteúdos político-ideais. A comunidade eleitoral tornar-se-ia uma comunidade virtual, sem visível contexto territorial e comunitário, isto é, «sozinha em casa», sem rosto e sem corpo, sem visibilidade social, recolhida na intimidade pessoal, distante e socialmente insensível. O governo tecnicizar-se-ia e passaria a obedecer ao comando desse corpo eleitoral electrónico e dotado de telecomando. Restariam os poderes fortes da sociedade civil, eficazmente organizados, com cadeias de televisão, redes telemáticas e sistemas de controlo electrónico dos percursos individuais de cidadãos vivendo em mercado electrónico global.

É conveniente reflectir sobre esta posição da nova direita americana, tanto mais quanto há muitas esquerdas que estão a embarcar velozmente nos autocarros que já começam a circular por essas autoestradas telemáticas que não se sabe para onde vão nem donde vêm e onde a sinistralidade começa a ser preocupante, vista as permanentes falhas dos sinais de trânsito electrónico, do tipo, por exemplo, do «I LoveYou».

Se conduzem realmente a uma forma superior de democracia ou se elas estão, de facto, a produzir uma nova «doença infantil da hiperdemocracia», a ciberdemocracia. E se, realmente, como diz Riccardo Staglianò, os cabos em fibra óptica surgem como os legítimos herdeiros da agorà ateniense.

De qualquer modo, se é verdade que esta posição da direita americana, que combina a fantaciência com a velha filosofia de inspiração liberal é indesejável, porque instrumental e hipócrita, também é verdade que não tem qualquer sentido avançar com uma filosofia da pós-política, onde cada sujeito é deixado ao livre jogo dos sistemas auto-regulados que pairam acima dele, mesmo quando parece que o cidadão passivo de censitária memória está a dar lugar ao ultramoderno cidadão electrónico e interactivo.

A questão que se põe hoje, como antes, é a de saber sob que forma é possível garantir a licitude dos processos de modernização, nomeadamente electrónica, sem anular os mecanismos de coesão social, incluída a preservação dos mecanismos de identificação tradicional. E, de um ponto de vista mais propositivo, a de saber como será possível fazer corresponder um efectivo valor de uso às liberdades e às expectativas formalmente declaradas, e mesmo tecnologicamente proclamadas, garantindo aos excluídos do e pelo processo de modernização as chances de exercício de uma liberdade que, apesar de formalmente garantida, nunca será praticada nem praticável sem a intervenção activa da acção reguladora da política e do exercício efectivo de uma cidadania activa.

Mas que política, então?

Não, seguramente, uma mundividência política centrada no exercício virtual de direitos que, em grande parte, continuam ainda a ser puramente formais numa democracia electrónica de que não se sabe se, quando atingir a maturidade, corresponderá efectivamente àquilo que constitui o grande desidareto da democracia: mais poder para o povo e pelo povo. Ou se, por esta via, acabará por ser introduzido um neo-elitismo de natureza electrónica, onde as condições de possibilidade para o acesso à informação existem sob forma virtual, mas onde a sua real descodificação só é possível aos iniciados na telemática e nas especialidades a que ela nos pode introduzir.

Não seria sensato pôr de parte o confronto construtivo, mas crítico, com este universo electrónico, em rede e «on line». Porque ele se constituiu como efectivo horizonte discursivo da democracia, canal por onde transita a comunicação, o mercado, a produção. E do qual a televisão é o terminal qualificado.

Parece que, um dia, Berlusconi disse que quem não ama a televisão, não ama a América! Como que insinuando que quem não ama a América não ama a democracia. Só que a questão televisiva, não sendo redutível a um anátema, também não é hoje enquadrável com categorias de natureza afectiva, emocional ou de moda.

(O partido mediático)

O caso de Berlusconi é exemplo admirável desta penetração da electrónica no universo democrático e, mais concretamente, no universo dos partidos políticos, daqueles a que já poderemos chamar partidos mediáticos ou electrónicos.

Com efeito, estamos a assistir a uma rápida e inexorável transformação dos partidos políticos. A uma espécie de afunilamento da sua natureza. Eles concentram-se cada vez mais na praça televisiva e diluem as suas estruturas na personalidade mediática dos líderes. Os programas perderam consistência, as estruturas orgânicas funcionam com o único objectivo de legitimar opções definidas em círculos muito restritos de poder. Vive-se, hoje, de novo, numa espécie de neo-elitismo: o elitismo dos líderes mediáticos e dos círculos do poder mediático. A figura do militante perdeu importância em face dos novos sujeitos emergentes da produção comunicativa. As grandes opções ético-políticas passaram a constituir, quando existem, um vago pano de fundo onde já poucos se reconhecem. Um estúdio televisivo vale mais do que cinquenta assembleias partidárias ou do que vinte comícios no terreno. Entre os partidos e a sociedade civil interpôs-se, de forma incontornável, o sistema mediático electrónico. A agenda política passou a ser determinada pela agenda dos média. A mensagem política deixou de ser transmitida, directamente, pelos agentes políticos para passar a ser transmitida, indirectamente, pelos jornalistas. Sendo que, quando fala na televisão, o líder político tem de usar uma linguagem e uma imagem jornalística e televisiva.

A dialéctica política deslocou-se para outros campos de acção. Diria mesmo que se sofisticou e subtilizou. Ela depende cada vez mais dos impulsos electromagnéticos e cada vez menos do tom de voz. Depende cada vez mais das visões e cada vez menos das convicções. Por isso se fala tão frequentemente de «ligações perigosas» entre o poder político e os média.

Certo é que a lógica organicista dos partidos está a ser substituída por uma lógica bem mais complexa e sofisticada: a lógica comunicativa. Esta funde-se intimamente com o sistema mediático, modela-se-lhe, tentando, ao mesmo tempo, comandá-la. Numa sociedade onde a comunicação constitui o sistema nervoso central de todos os seus subsistemas, compreende-se que a política não pudesse deixar de assimilar tal lógica. Mas, por isso mesmo, alguém já começa a falar de «tirania da comunicação», quando a mediatização volta a ganhar cada vez mais o seu verdadeiro sentido originário: confiscação de direitos imediatos. É que não só os novos horizontes do desejo humano, mas também a administração dos seus interesses mais comezinhos (do tipo: «vou-me queixar à SIC) passaram a estar sob o controlo directo do sistema mediático.

Que fazer? Antes de mais, é preciso compreender que esta mudança não resulta da estratégia perversa de um qualquer centro decisional subjectivo, mas que se trata da natural evolução da sociedade e das suas próprias estruturas. Só que esta evolução tem sido tão rápida que não tem dado origem a um movimento reflexivo capaz de proteger a retaguarda dos partidos convencionais sem transformar essa protecção em puro movimento reactivo às necessárias e incontornáveis inovações. O perigo reside no enorme vazio, provocado por esta aceleração, que pode vir a instalar-se entre a sua pesada estrutura tradicional e esta nova e sofisticada forma electrónica de exercício da política. Um vazio que pode vir a pôr em causa aquilo que de essencial se joga na própria democracia, a representação, sob o pano de fundo de uma acusação que identifique a política com o exercício do simulacro e da auto-ilusão programada, sob a forma de autogoverno electrónico das massas.

Alguém afirmou, recentemente, que é o líder que pertence ao partido e não o partido ao líder. Esta aparente evidência não é tão evidente como isso. A personalização dos partidos, das políticas e das eleições, fruto directo da mediatização integral da vida, tem progredido de forma avassaladora, deixando cada vez mais em estado de prostração os velhos aparelhos partidários. Quem conta mais, nestes partidos, o velho funcionário ou o publicitário genial, que não é militante nem sequer simpatizante? O que é mais importante: uma manifestação de rua ou um bom tempo de antena para o líder? Manifestação que, afinal, não tendo cobertura televisiva, é como se não existisse, num tempo em que dez activistas de rua, com apoio televisivo, valem mais do que dez mil, sem ele. E um bom visual não conta mais do que uma boa ideia? E boas ideias não são mais aquelas que têm eficácia expressiva televisiva do que as que têm significado programático?

Nos Estados Unidos da América o sistema parece ter transformado os partidos em simples ajudantes do candidato. O candidato do partido desapareceu para dar lugar ao partido do candidato. As primárias funcionam, de facto, como permanentes refundações dos partidos, sob batuta eleitoral e televisiva.

Os partidos substituíram a ideologia pelo marketing e a militância orgânica pela retórica mediática e eleitoral. As campanhas decorrem diariamente nos telejornais, onde cada partido procura, permanentemente, obter um espaço para eventos que cria a pensar precisamente nisso.. A linguagem publicitária substituiu a linguagem explícita das ideologias: tornou-se, ela própria, ideologia única, fetiche com aura. Nela, vale mais uma imagem que mil ideias. E uma «petite phrase» – do tipo «vous n’avez pas le monopole du coeur», como dizia Giscard D’ Estaing dirigindo-se aos socialistas franceses – preparada por um publicitário, tem mais valor político do que um programa eleitoral.

No centro de todo este processo está a figura do líder.

Não há dúvida que o corpo orgânico dos partidos entrou em lenta decomposição, se considerarmos aquela que era a sua estrutura tradicional. Eles adaptaram-se rapidamente à velocidade de comunicação dos modernos meios sem se preocuparem em adaptar as suas estruturas à nova realidade. O resultado foi a irrupção de um enorme «gap» entre o núcleo dirigente e o corpo orgânico dos partidos, entre a linguagem rápida, eficaz de um líder telegénico e um corpo que se arrasta com uma lentidão insustentável. Se isto, de algum modo, fica atenuado quando os partidos estão na oposição, isto é, entregues a si próprios, já o mesmo não acontece quando estão no poder. Neste caso, a fractura tende a acentuar-se ainda mais, já que o grupo dirigente tende sempre a acumular a direcção do partido com a direcção do governo.

Por tudo isto se fala hoje de partidos mediáticos: hoje, é no universo mediático que se forma o carisma do líder: um carisma tão volátil como o éter.

Se extremarmos esta lógica, fácil será concluir que são os partidos que servem os candidatos em vez de serem os candidatos a servir os partidos. Isto verifica-se nos partidos com vocação de poder, já que só nesta condição é possível conceber a imolação do partido ao próprio candidato: a conquista do poder se encarregará de reencaminhar o corpo do partido para as próprias estruturas do Estado, garantindo-lhe, assim, uma segunda vida e concretizando a sua vocação originária, enquanto embrião do Estado, para usar a fórmula de Gramsci. É por isso que se fala de partidos que não sabem, ou não podem, conviver com longos períodos de oposição, em estabilidade. Por isso, mudam constantemente de líder, por necessidade de manterem permanentemente acesa, nos militantes e afins, a esperança de cedo alcançarem o poder. São partidos de ideologia débil, partidos de interesses, partidos corporativos. Mas mesmo os partidos de ideologia mais consistente estão a viver os mesmos problemas, em virtude de terem operado esta mutação brutal de que estou a falar e que consiste na passagem abrupta de uma forma orgânica de vida para o rarefeito universo electrónico, catódico ou da fibra óptica. Um universo perverso. Porque, nele, os partidos tendem a alimentar-se exclusivamente da retórica do marketing, a generalizar a técnica da «petite phrase», a adaptar-se permanentemente ao nomadismo do «Homo Videns» ou, pior, do tal «Homo Zappiens», ignorando as exigências do «Homo Sapiens» e do «Homo Faber». Assim, sobra-lhes em velocidade de comunicação e eficácia electrónica o que lhes falta em práxis, em vivência social; sobra-lhes em retórica mediática o que lhes falta em monitorização das reais interacções sociais; sobra-lhes em simulacro o que lhes falta em substância.

O excesso de velocidade produz cegueira e esquecimento. Aqui, o risco consiste em esquecer o sentido originário dos partidos políticos e a grande delicadeza e fragilidade dos mecanismos estruturais da democracia, evoluindo para uma nova forma de democracia directa, a que alguns chamam «directismo»: o permanente teste à opinião pública como método privilegiado de instrução dos processos de decisão. Ou seja, a democracia como um imenso hipermercado do consenso electrónico: simples espaço de distribuição de bens políticos de consumo rápido, produzidos não se sabe bem onde, mas seguramente a preços de saldo e acessíveis a todos.

Mas será isto que queremos?

(Conferência sobre «Ciberdemocracia ou gaiola electrónica?», Maio de 2000. Intervenção no Seminário sobre E-politics, CCB-Lisboa, Escola Superior de Comunicação Empresarial).

Il potere mediatico e la crisi della democrazia

Para Umberto Cerroni
Um Mestre e um Amigo

1. La democrazia rappresentativa (1) è arrivata ad un punto di svolta (2). Uno dei suoi elementi strutturanti, la differenza tra rappresentanza e rappresentato, tra palazzo e piazza, tra società politica e società civile, tra Stato e società, si sta logorando sempre di piu man mano che il potere mediatico irrompe come centro soggettivo di potere auto-rifles­sivo e auto-referenziale, avanzando pretese di occupazione esclusiva deI luogo della differenza. Questo potere, quale modo di produzione industriale di infotainment, si interpone sempre di più tra la rappresentanza politica e il cittadino, assumendosi esso stesso come «rappresentanza organica», ossia come vera e propria società civile di secondo grado. Esso affonda tanto più nello stesso sistema del potere politico quanto più elevata è la sua posizione nella gerarchia dei poteri civili e quanto più esclusivo diventa come spazio pubblico, escludendo o oscurando le altre forme di interazione comunicativa. Esso svolge allo stesso tempo funzioni di rappresentazione e funzioni di estensione organica della società civile, assumendo sempre di più le proprie funzioni come veri e propri imperativi sistemici. Così la rappresentazione si trasmuta in rappre­sentanza (politica) informale, laddove esso diventa, da un lato, spazio pubblico esc1u­sivo, gestito direttamente dai suoi agenti, secondo i propri criteri, le proprie regole ed i propri interessi in base a esigenze funzionali di tipo sistemico, e dall’altro, et pour cause, diretto protagonista politico.

Non è un caso che Habermas, nella Prefazione alla nuova edizione del 1990 di «Strukturwandel der Öffentlichkeit», si ponga un problema che egli giudica non risolu­bile «senza un considerevole sforzo empirico: se e in che misura una sfera pubblica dominata dai mezzi di comunicazione di massa offre agli esponenti della società civile la possibilità di entrare in concorrenza, con buone prospettive, con gli invasori dell’ eco­nomia e della politica e, dunque, di modificare, liberare dalle barriere e filtrare critica­mente lo spettro dei valori, dei temi e dei motivi canalizzati dall’influenzamento ester­no» (Habermas, 1962, XLI). Habermas, si sa, punta ad un concetto discorsivo della democrazia (Habermas, 1996, pp. 235-259), dove «l’opinione pubblica viene elaborata in potere comunicativo dalle procedure democratiche», cioè laddove il suo è un potere indiretto di indirizzo sul potere amministrativo, ma sopratutto un potere libero sia dal comando amministrativo sia dal comando economico. E tuttavia egli non confonde potere dei media con potere comunicativo giacché mentre, da una parte, intravede la presenza di imperativi di tipo sistemico nei media stessi (Habermas, 1992, pp. 435,442, 444), dall’altra, rinvia le interazioni comunicative informali ad una sfera più ampia, la «società civile», così come la definisce in «Faktizität und Geltung», del ’92, «il suo núcleo istituzionale è invece costituito dalle alleanze e associazioni volontarie – di tipo non sta­tale né económico – attraverso cui le strutture comunicative della sfera pubblica si ancorano alla componente del mondo di vita relativa alla società. La società civile è compo­sta da quelle associazioni, organizzazioni e movimenti che più o meno spontaneamen­te intercettano e intensificano la risonanza suscitata nelle sfere private di vita dalle situazioni sociali problematiche, per poi trasmettere questa risonanza – amplificata – alla sfera pubblica politica. Il nucleo della società civile è costituito da una rete associativa che istituzionalizza […] discorsi miranti a risolvere questioni d’interesse generale». «Certo», aggiunge subito Habermas, «queste associazioni non sono l’elemento preva­lente in una sfera pubblica dominata da mass media e grandi agenzie, tenuta sotto osser­vazione da inchieste di mercato e sondaggi d’opinione, irretita dalla pubblicità e dalla manipolazione di partiti politici e gruppi d’interesse». E «tuttavia», conclude, «sono queste associazioni a formare il sostrato organizzativo di un universale “pubblico di cit­tadini” emergente per così dire fuori dalla sfera privata. Questi cittadini cercano sia di dare interpretazioni pubbliche ai loro interessi e alle loro esperienze sociali sia d’in­fluenzare la formazione istituzionalizzata dell’opinione e della volontà» (Habermas, 1992, p. 435; 1962, XXXIX). Cioè la politica deliberativa cerca di sfuggire ad una colonizzazione sistemica delle interazioni comunicative sia da parte del potere ammi­nistrativo e del potere economico sia da parte dello stesso potere mediatico, anche per­ché «pur essendo noi relativamente informati sull’impatto e sulle modalità operative dei mass media, nonché sulla divisione di competenze tra il pubblico e una pluralità di atto­ri, e pur potendo anche ragionevolmente individuare chi dispone del potere dei media», tuttavia, «ciò che ancora non vediamo chiaramente è il modo in cui i mass media inter­vengono nella complicata circolazione comunicativa della sfera pubblica politica» (1992, p. 447), così come non vediamo il suo potere «sufficientemente disciplinato dagli standard della professione» (1992, p. 446). La circolazione comunicativa è tal­mente ampia da non poter restare confinata al potere mediatico, nonostante il suo forte potere d’agenda (1992, p. 452). Perciò, Habermas sostiene che «i mass media devono intendersi come “mandatari” d’un pubblico illuminato, la cui capacità di apprendimen­to e di critica essi -nello stesso tempo – presuppongono, pretendono e rafforzano. Analogamente all’apparato giudiziario, anche i mass media devono tutelare la loro autonomia da attori politici e da attori sociali» (1992, pp. 448-449). Ma è proprio qui che si verifica, oggi, da parte dei media, una vera e propria inversione dei valori propo­sti da Habermas, giacché essi stessi vengono colonizzati dall’agire razionale orientato al successo (zweckrational) importato dal sottosistema economico, cioè non agendo più prevalentemente in vista dell’intesa, bensì in vista del successo, razionalmente rispetto allo scopo, cioè in vista dell’ audience (e della pubblicità) (3).

La finanziarizzazione, l’imprenditorializzazione e le tendenze alla concentrazione che si stanno verificando nel potere mediatico fanno sì che venga meno la pretesa di promuovere un concetto discorsivo di democrazia dove la legittimità poggi su pubbli­ca argomentazione fondata su pretese di validità universale, poggi sui fondamenti del­l’agire orientato all’intesa, così come viene abbondantemente teorizzato da Habermas nella sua «Theorie des kommunikativen Handelns», del lontano ’81, oppure, potremmo anche dire, come già viene schizzata nello stesso imperativo categorico di Kant.

D’altra parte, come dice lo stesso Habermas, «quanto più ora il pubblico unificato dai mass media ricomprende tutti gli appartenenti d’una società nazionale, o addirittu­ra tutti quelli che vivono in una certa epoca, tanto più nettamente i ruoli degli attori che salgono sulle arene si contrappongono ai ruoli degli spettatori in galleria» (1992, p. 444). Ed è proprio nel potere di controllo delle condizioni generali e specifiche di accesso degli attori a questi ruoli che, da una parte, risiede il potere dei media e la sua capacità di fagocitare l’intero spazio pubblico e, dall’altra, si concentrano le tendenze alla contrapposizione tra i ruoli dei cittadini e quelli dei vari attori che hanno la possi­bilità di accedere allo spazio mediatico, generando così «un potere dei media che, impiegato manipolativamente, ha tolto al principio della pubblicità la sua innocenza». «La sfera pubblica pre-strutturata e insieme dominata dai mezzi di comunicazione di massa», dice Habermas, «si è trasformata in una arena depotenziata, nella quale i temi e i contributi si contendono non solo l’influsso, bensì anche un governo, le cui inten­zioni strategiche sono quanto possibile occultate, dai flussi di comunicazione in grado di influenzare il comportamento». Per questo, Habermas distingue chiaramente tra «fun­zioni critiche dei processi di comunicazione autogovernati, sostenuti da istituzioni deboli, ramificati anche orizzontalmente, inclusivi e più o meno discorsivi» e «funzio­ni di influenzamento delle decisioni di consumatori, elettori e clienti da parte delle organizzazioni che intervengono in una sfera pubblica dei mezzi di comunicazione di massa per mobilitare potere d’acquisto, devozione o buona condotta» (1962, XXII­-XXIII). L’agire orientato all’intesa, secondo le modalità dell’agire comunicativo, è, per Habermas, cosa ben diversa dell’agire razionalmente rispetto allo scopo, in vista del successo, per cui la comunicazione pubblica non può essere ridotta alIa logica dell’agi­re strumentale e della persuasione strumentale del pubblico.

2. E, tuttavia, la rappresentanza (politica) informale, ma anche formale, a carico degli attori mediatici di qualunque provenienza, ma di sicura influenza personale o organizzazionale, si presenta regolarmente davanti all’ assemblea del popolo riunita nel nuovo spazio pubblico elettronico, cioè davanti allo schermo televisivo, cercando d’in­fluenzare, d’accordo con i propri interessi, decisioni di «consumatori, elettori e clien­ti». Lo spazio dei media emerge così come lo spazio verso il quale convergono sia la rappresentanza formale o informale che il popolo rappresentato, sia come consumato­re/cliente sia come pubblico/elettore.

La personalizzazione della politica – istituzionale e partitica – emerge con significa­to istituzionale (Habermas, 1992, p. 447) quando il sistema mediatico diventa un siste­ma a dominante elettronica, istantaneo e universale, capillare, onnivoro e (post)indu­striale, con la capacità cioè di ri-produrre elettronicamente il reale trasformandone le regole, ridisegnando nuovi rapporti e oscurando definitivamente vecchi steccati. L’ opera di Meyrowitz, «No sense of place. The impact of electronic media on social behaviour» (Meyrowitz, 1985), dimostra proprio questo: cioè la percezione che il cittadi­no ha del suo stesso ruolo sociale rispetto ad altri ruoli, la percezione dello spazio fisi­co e sociale che occupa rispetto ai vecchi steccati sociali e il suo stesso rapporto cogni­tivo con la totalità dell’ambiente che lo avvolge vengono radicalmente cambiati con l’avvento dei media elettronici, specie attraverso un vero e proprio oscuramento dei confini presenti nelIe interazioni proprie del mondo dell vita e irriducibili alla conver­sione elettronica (vedasi l’adesione, ma anche la critica di Habermas, 1962, pp. XLI-XLII). La personalizzazione, riconosciuta come caratteristica discriminante deI nuovo approc­cio politico alIo spazio pubblico elettronico, viene ormai accompagnata da una vera e propria rivoluzione nel nuovo rapporto percettivo e cognitivo dei cittadino (pubblico-­spettatore) con i propri ambiti situazionali e con i diversi ruoli sociali, specie se para­gonato alIa vecchia rappresentazione empirica (pre-elettronica) dei propri ruoli ed ambiti situazionali. Cioè cambia il rapporto tra politica e cittadino, emergendo, sì, la personalizzazione, ma all’interno di un profondo cambiamento nelIa percezione delle strutture relazionali che determinano i rapporti percettivi e cognitivi con il reale, dal­l’auto-referenzialità all’etero-referenzialità (Habermas, 1992, p. 447; 1962, XLI-XLII).

3. Ormai, niente di ciò che è umano (dal sociale all’intimo) è estraneo al sistema mediatico. E, quindi, tutto ciò che assume la forma di prodotto mediatico ha un viso o, almeno, una forma visuale. II trionfo della cultura visuale accompagna il trionfo del sistema mediatico. Entrambi intaccano radicalmente la cultura della differenza – la loro e una cultura omologatrice (Habermas, 1992, p. 444) – provocando una specie di tra­smutazione della natura stessa della democrazia rappresentativa verso una specie di neodemocrazia diretta. Cioè, una democrazia diretta debole: da un lato, per la progres­siva affermazione di potere di queste strutture organiche intermedie – i ceti sociali diret­tamente e produttivamente coinvolti nel potere mediatico e i poteri proprietari che lo comandano, che costituiscono quelIa che ho chiamato rappresentanza organica, di cui élites manageriali e giornalistiche e infotainers – con forte capacità politica di revoca informale e strisciante dei mandato, cambiando la natura stessa del mandato non impe­rativo, discriminante fondamentale della democrazia rappresentativa; dall’altro, per la personalizzazione del mandato, laddove un rapporto diretto con il popolo è diventato possibile proprio grazie a questo potere (4).

In effetti, l’emergenza di un indubitabile e crescente protagonismo politico dei media, il crescente affermarsi di un importante ceto sociale connesso direttamente con i media, la crescente personalizzazione della comunicazione politica, il profondo cam­biamento nella percezione delIe strutture che determinano il rapporto percettivo e cognitivo del soggetto con il reale (soggettivo, oggettivo e sociale), il cambiamento della natura di uno spazio pubblico che è passato dal luogo fisico all’ assenza di luogo (dal luogo alla rete o al luogo virtuale), la profonda mutazione delIe categorie percet­tive umane -giungendo perfino alle stesse strutture percettive e cognitive- ad opera delIe sofisticate protesi tecnologiche, tutto ciò sta provocando profonde mutazioni negli stessi meccanismi centrali della democrazia rappresentativa.

Queste trasformazioni si sono verificate in un contesto più ampio, cioè nel contesto di profondi cambiamenti sociali, specie con l’emergenza della «middle class» come grande centro trasversale a tutta la società post industriale, ormai non più definita attra­verso le grandi «cleavages», le grandi fratture sociali, o le sostanziali appartenenze iden­titarie, bensì attraverso criteri di tipo sovrastrutturale (Scalfari, 1994). Ma anche in un contesto di finanziarizzazione e managerializzazione dell’economia, di imprenditorializ­zazione e di generalizzazione dei settore privato della comunicazione. Inoltre, tutto ciò si è verificato in un mondo non più strategicamente, politicamente e ideologicamente bipolare, dove non vige più una logica antagonistica che sovradetermini il funzionamen­to delIe società. Cioè laddove alla caduta delle ideologie politiche ha corrisposto l’emer­genza di nuovi protagonismi fino allora marginali perché strumentali alIa logica bipola­re del confronto ideologico. E nuovo fu davvero il forte protagonismo dei media. L’Italia del dopo 1989 è stata un esempio davvero chiarificatore. In effetti, il 1994 ha rappresen­tato il trionfo della civiltà mediatica sulla vecchia civiltà delle ideologie politiche e par­titiche (Abruzzese, 1994; Morcellini, 1994, 1995; Statera, 1995; Mancini, Mazzoleni, 1995; Bentivegna, 1995). Trionfo che qualcuno ha osannato come un «Elogio del Tempo Nuovo» (Abruzzese, 1994; ma vedasi anche Abruzzese, Miconi, 1999).

Oggi, i media, assieme a tutti i saperi e mezzi tecnico-scientifici e tecnologici, sia di rilevazione dello stato delI’opinione pubblica e dei diversi mercati (sondaggi e ricerche di mercato) sia di intervento simbolico su di essi (comunicazione e marketing), svolgo­no un ruolo talmente potente che si parla ormai di democrazia del pubblico, di demo­crazia dell’opinione o di democrazia post-rappresentativa. Un’analisi deI processo che nel 1994 condusse Silvio Berlusconi al potere ci può dare un esempio abbastanza evi­dente – quasi di tipo laboratoriale – del modo come tutto ciò possa funzionare in piena convergenza verso la conquista del consenso e la presa del potere (5).

4. Per evidenziare il senso di questo «Tempo nuovo», di questa profonda mutazione che sta avvenendo sotto i nostri occhi, Alain Minc, in L ‘ivresse démocratique, parIa addirittura dell’emergenza di «una nuova santa trinità»: «una trinità si spegne, fonda­mento della democrazia rappresentativa; un’altra entra in scena: il giudice, i media, l’opinione» (Minc, 1995, p. 76). La vecchia trinità di cui parla Minc era composta dalla democrazia rappresentativa, dallo Stato Sociale e dalla classe media. La nuova, dai media e dall’ opinione, oltre che dal giudice. Si tratta, dunque, di un cambiamento sostanziale, laddove la preminenza del principio elettivo e del mandato non imperati­vo, dei beni pubblici e di una base sociale di rango intermedio e stabile cede di fronte all’irruzione del rapporto dirompente tra media e pubblica opinione, connesso, sempre di più, anche al potere giudiziario (6).

D’altra parte, questo rapporto si rifà sempre di più ad una classe emergente di nuovo tipo, la cosiddetta «middle class», che si identifica con quel grande ceto sociale interme­dio definito, ormai, di più attraverso criteri di consumo, stili di vita e status sociale che attraverso le grandi fratture sociali, le identità sostanziali di appartenenza e le Weltanschauungen filosoficamente e ideologicamente elaborate. Una classe emergente che si identifica più come pubblico che come cittadinanza, più come consumatrice o spet­tatrice che come produttrice, più come insieme numerico e disgregato di individui, sin­goli e passivi fruitori, che come insieme organico, comunità attiva e partecipe (7). Una clas­se che, quindi, si identifica con il grande centro trasversale della società, anonimo, noma­de, flessibile, culturalmente precario (Scalfari, 1994). Questa «middle class» costituisce, d’altronde, il vero punto sociale di riferimento dei mass media: come pubblico e come moltitudine solitaria che vive in solitudine multipla (Virilio, 1993, p. 17). Essa è il prodot­to più specificamente sociale della società post industriale e, nella sua estesa e poco com­prensiva – proprio perché «middle class» – dimensione generica, corrisponde alle stesse categorie di pubblico a cui parlano i grandi mass media, specialmente la televisione. Cioè la «middle class» abita lo stesso spazio pubblico degli spettatori televisivi, diventando il grande punto di riferimento delle industrie culturali e, per ciò, anche dei mass media.

5. Tra il concetto di pubblico e quello di cittadinanza c’è un divario incolmabile che non si puó cancellare. Lo spazio pubblico democratico non può corrispondere ad una platea teatrale o televisiva dove si cerca permanentemente di promuovere l’identità di tutto ciò che sta oltre la differenza tecnica tra attore e spettatore, tra élites artistiche e pubblico. Cioè non si può convertire il concetto di cittadinanza nel concetto di pubbli­co senza scivolare verso concezioni strumentali della democrazia stessa, laddove il pro­cesso di decision-making politico sarebbe riservato a delle élites separate ed esclusive che si auto-propongono regolarmente (nelle elezioni) come offerta politica (di persona­le politico) ad un pubblico, altrettanto separato, come semplice spettatore e consuma­tore del prodotto offerto, come se si trattasse di un mero rapporto di consumo, dove la differenza risiede nel rapporto di produzione e l’identità nel rapporto di consumo. Cioè la differenza o separazione del palcoscenico e degli attori dal pubblico non equivale, come vedremo, a quella separazione o differenza tra rappresentanza e popolo, nono­stante le somiglianze. Nel primo caso, non c’è delega e, quindi, la sovranità resta con il cittadino, potendo egli esercitarla ad ogni momento della rappresentazione; gli atto­ri non agiscono in suo nome, bensì in nome dell’arte, dell’autore e dei personaggi stes­si. Cioè la rappresentazione si svolge all’esterno della volontà del pubblico anche quan­do esso si identifica totalmente con essa, mentre, nel secondo caso, la rappresentanza funziona cioè come protesi permanente della volontà originaria del cittadino, anche se qualche volta questi non si identifica con essa. La prima si svolge sempre davanti al cit­tadino, la seconda, poiché c’è delega, può svolgersi in sua assenza. Il correlato della prima è il pubblico; il correlato della seconda è il cittadino.

Dunque, l’emergenza del potere mediatico come potere costituente della nuova democrazia del pubblico tende a forzare questa strada della riduzione dei cittadini a spettatori, a pubblico, a consumatori. Ed è qui che risiede il nocciolo centrale del pro­blema della transizione della democrazia rappresentativa verso la democrazia del pub­blico. La rappresentanza (politica) -essendo anche, come quella, differenza – non equi­vale, tuttavia, semplicemente a rappresentazione (8), nonostante in molte lingue (france­se, spagnolo o portoghese, per esempio: représentation, representación e representa­ção) non vi sia nemmeno differenza linguistica. La rappresentanza equivale ad un tra­sferimento di sovranità, all’assunzione cosciente del bisogno della differenza e della separazione, la rappresentazione equivale ad uno sforzo di annullamento della separa­zione o della differenza, anche se con altri mezzi. L’una sottolinea la separazione, l’al­tra cerca di annullarla (attraverso l’identificazione del pubblico con la rappresentazio­ne, l’adeguatezza tra contenuto e forma e la ri-presentazione del contenuto assente).

La rappresentanza (politica) non solo significa riconoscimento della differenza e della separazione, ma è proprio nell’atto di riconoscimento della separazione che viene fondata la legittimità della rappresentanza. Cioè mentre nella rappresentanza viene costituita la differenza in base ad una identità sostanziale (appartenenza allo stesso popolo) e, perciò, nell’ affermazione della differenza funzionale viene anche riconosciu­ta la sua piena legittimità, nella rappresentazione è la stessa differenza o separazione (tra contenuto assente e sua rappresentazione e tra attore e spettatore) che viene annul­lata, cercandosi anche la piena identificazione non solo tra rappresentazione e contenu­to, ma anche tra pubblico e rappresentazione. Mentre la prima parte dall’ identità sostanziale (del rappresentante con il popolo) per poi adottare la differenza come fun­zione centrale della democrazia (mandato non imperativo – differenza o separazione funzionale), la seconda parte dalla differenza o separazione – tra palcoscenico e pubbli­co o tra l’assenza deI contenuto e la sua rappresentazione – per poi adottare l’identità, o annullamento della differenza o separazione, come fine del processo (di rappresenta­zione), cioè sia come ri-presentazione del contenuto assente che come identificazione del pubblico con la rappresentazione (9).

Nella nuova democrazia del pubblico che emerge, spinta dalla forte presenza dei media sia come soggetti politici sia come spazio pubblico, si procede alla confusione tra rappresentazione e rappresentanza e tra pubblico e cittadinanza. Cioè laddove la differenza viene convertita in identità, con produzione di effetti strumentali sullo stes­so funzionamento della democrazia, specie trasformando la democrazia in uno spetta­colo in cerca di identità attraverso il consenso (applausi), dove i media (palcoscenico + régie + scenografia) svolgono il ruolo centrale.

Ciò che vorrei sottolineare è che il passaggio dalla democrazia rappresentativa alla democrazia dei pubblico, indotta dal doppio protagonismo politico dei media sia come soggetti politici informali che come nuovo spazio pubblico, produce profondi cambia­menti strutturali che possono cambiare la natura stessa della democrazia. Si intravede, in questo processo, l’emergenza di una democrazia diretta di nuovo tipo, cioè di tipo spettacolare, laddove la rappresentanza perde appunto quella sua specificità che la ren­deva diversa dalla rappresentazione e dove, allo stesso modo, la cittadinanza si conver­te in pubblicità proprio come la ragione si converte in pura opinione. Laddove il citta­dino diventa pubblico e consumatore nell’immenso mercato dell’audience (10).

6. Questa mutazione si deve, a mio parere, alIa forte irruzione dei media sia come soggetti politici che come nuovo spazio pubblico esclusivo, che ha fatto, quindi, diven­tare residuali i contenuti, considerato il rilievo dato alle forme della comunicazione in vista della promozione dell’identità nel consenso.

Non mi pare, così, che, come sostiene Minc, i media siano, nella gerarchia dei ter­mini della trinità su riferita, più un riflesso degli altri due – l’ opinione e il giudice – che un motore (1995, p. 76). Credo piuttosto il contrario, giacché i media hanno una fortis­sima capacità di configurazione dell’opinione pubblica, come ormai sembra dimostra­to dagli innumerevoli studi sugli effetti dei media, specie dall’ Agenda-setting o dalla Spirale del silenzio (11). O, come ha dimostrato l’importante ricerca di Joshua Meyrowitz sul ruolo dei media elettronici, nel profondo cambiamento della configurazione percet­tiva e cognitiva dei rapporti sociali e della distribuzione dei ruoli sociali. In effetti, con i media elettronici è venuta meno una percezione segmentata della tradizionale separa­zione dei ruoli sociali, sessuali, generazionali e politici, poiché questi media, facendo convergere verso uno stesso spazio o, come dice Meyrowitz, verso uno «stesso luogo», funzioni, ruoli e appartenenze diverse, «hanno favorito la confusione di molti ruoli sociali un tempo distinti», giacché, in effetti, «molte differenze che una volta si perce­pivano tra individui appartenenti a diversi “gruppi sociali”, a diversi stadi di socializ­zazione e a differenti livelli di autorità, erano sostenute dalla suddivisione degli indivi­dui in mondi di esperienza molto diversi» (Meyrowitz, 1985, p. 10) (12).

7. L’emergenza dei media sia come luogo unico che come diretti protagonisti poli­tici informali ha profonde conseguenze su tutto il tessuto sostanziale della democrazia. Innanzitutto, la riduzione del cittadino a spettatore, consumatore, pubblico, come abbia­mo visto. Poi, la presenza prorompente dei media nello spettacolo democratico, con forti effetti sul processo di conquista (o di perdita) dei consensi per il potere.

Sono già classici i casi nei quali i media, specie la televisione, sono stati decisivi per la conquista dei consensi in vista della conquista del potere politico: Collor de Mello, in Brasile, Ross Perot, negli USA, Berlusconi, in Italia. Qui, rilevanti sono gli effetti dei media sul voto. Per l’Italia, rispetto alle elezioni politiche deI 1994, Luca Ricolfi ha cal­colato che la televisione ha provocato lo spostamento di circa 4 milioni di voti, provo­cando la vittoria deI centro-destra (Ricolfi, 1994, p. 1039). Ross Perot è riuscito a otte­nere i suoi consistenti e inaspettati risultati elettorali in base a talk-show e spot televi­sivi. Collor de Mello è stato eletto grazie all’intervento massiccio della televisione di Roberto Marinho (Sartori, 1997, p. 79).

Ma altrettanto significativo è il «comportamento» dei media nei confronti dello stesso potere suffragato, a elezioni appena concluse. Cioè gli effetti sul dopo voto, la presenza di forti effetti d’interpolazione sia sui risultati elettorali che sui governi in formazione.

Ho condotto una ricerca sulle reazioni della stampa portoghese – su 16 pubblica­zioni di ambito nazionale: 9 quotidiani e 7 settimanali, tra l’11 e il 31 ottobre 1999 – ­alle elezioni politiche del1999 (10 ottobre) (13). Il Partito Socialista (PS) aveva vinto queste elezioni, con sistema elettorale proporzionale (e il metodo della media più alta di Hondt), con circa il 44% dei voti e 115 deputati sui 230 deI Parlamento. Il suo diretto avversario, il PSD, Partito Socialdemocratico, aveva otte­nuto il 32,3% dei voti e 81 deputati. Gli altri erano tre piccoli partiti (PCP, CDS/PP, BE) che avevano raccolto insieme circa il 20% e 34 deputati. L’astensione era salita daI 32,9% al 38,1 %. Tutti i partiti avevano perso, a causa deI forte incremento del­l’astensione, molti voti rispetto alle elezioni deI 1995: CDS/PP – 15,6%; PSD ­- 13,15%; PS – 7,68%; PCP – 4%14. II nuovo governo, insediato il 25 ottobre, era costi­tuito quasi integralmente da membri del governo precedente (solo tre su 18 ministri non ne avevano fatto parte).

L’analisi ha compreso tutti i commenti, apparsi sulle pubblicazioni suindicate, che riguardavano sia i risultati elettorali che la formazione del governo. Ha anche incluso i cosiddetti «barometri» delle pubblicazioni (chi sale, chi scende, chi vince, chi perde, ecc.). E, quindi, su 148 commenti sui risultati elettoraIi 77 davano un giudizio negati­vo sul risultato ottenuto dal PS (sconfitta, obiettivo mancato, amara vittoria, mezza vit­toria, mezzasconfitta, ecc., perché i1 PS non aveva ottenuto la maggioranza asso luta dei seggi). Cioè il 52% dei commenti giudicava negativamente il più importante risul­tato elettorale che il PS aveva ottenuto in tutta la sua storia. Se consideriamo, addirittu­ra, proprio i tre più importanti ed influenti giornali («Público», «Diário de Notícias» e il settimanaIe «Expresso») l’effetto d’interpolazione aumenta ancora d’intensità: su 49 commenti, il 65,3% giudicava i risultati come negativi, deludenti, fino a considerarli come una vera e propria sconfitta elettorale. I commenti piu radicaIi venivano dagli edi­torialisti più influenti.

D’altra parte, sulla formazione del governo, su 79 commenti 63 hanno giudicato negativamente un governo ancora in formazione o appena insediato e, comunque, prima che esso prendesse qualsiasi iniziativa o decisione. Cioè parliamo del 80% di commenti negativi su un governo che aveva appena ottenuto una schiacciante vittoria elettorale.

Ho potuto, quindi, accertare, in questa ricerca, un grave conflitto tra il principio elettivo, quale fondamento delIa democrazia, e l’opinione dominante che circolava nella stampa portoghese. Oltrettutto, gli stessi rilevamenti statistici dello stato dell’opinione pubblica confermavano sia i risultati elettorali che gli alti indici di gradimento del governo (13). Si è verificato ciò che chiamo effetto sistemico d’interpolazione dei media, ossia una forte distorsione nelIa rappresentazione mediatica dei fatti, contravvenendo gravemente allo schema deontologico di riferimento originario: i legittimi risultati del voto popolare vengono distorti mediante sovraccarico interpretativo della linearità numerica dei risultati e della legittimità costituzionale di libera forma­zione di un governo di maggioranza, avendo come risultato l’inizio di un doppio pro­cesso di strisciante e informale revoca del mandato popolare conferito e di annulIa­mento deI vecchio e stabile principio della legittimità di mandato. A ciò sopravviene un nuovo e più debole principio di legitimita fluttuante, cioè proprio una legittimità che depende sempre di più dai media e dai sondaggi che dal voto e dal cittadino. Si riduce, così, il principio elettivo a pura designazione formale dei rappresentanti, diventando residuale la vera legittimità di mandato, e si provoca una evidente «discra­sia della rappresentanza», ormai soggetta ad un permanente e logorante processo di revoca strisciante e informale del mandato (attraverso la critica permanente della legittimità, poi misurata dai sondaggi e, di nuovo, indebolita con la critica, in un logoramento mediatico a spirale del potere politico democratico).

8. a) Principio elettivo doppiamente indebolito, da un lato, dalla persuasione stru­mentale – a carico dei media – della volontà elettorale, prima (nella formazione della volontà) e dopo (nell’interpretazione dei risultati) il voto, e, dall’altro, dalla discra­sia progressiva della rappresentanza, mediante I’irruzione di un nuovo tipo di legit­timità, la legitimita fluttuante, suscitata dalla revoca strisciante del mandato; b) cre­scente privatizzazione delle funzioni sociali dello Stato, corrispondente alla crisi dello Stato sociale; e c) frammentazione della classe media tradizionale, diventata «Middle class», con i connotati che già abbiamo visto (vedasi Scalfari, 1994, dove egli cerca di spiegare strutturalmente e storicamente il caso Berlusconi). Tutto ciò avviene in un ambiente di crescente volatilizzazione dell’istanza politica sempre piu fagocitata dal sistema dei media e dai corrispettivi poteri, cioè sia dai poteri proprie­tari che dalle élites che circolano all’interno dei centri del potere mediatico e delle reti emittenti (radio, giomali, televisione). Ma quanto più si volatilizza l’istanza poli­tica e si destrutturano i vecchi collanti della democrazia rappresentativa – specie la classe media tradizionale, lo Stato sociale e i partiti organici – tanta più rilevanza acquistano i cosiddetti poteri fattuali -`non elettivi né portatori di specifica legittimi­tà politica – e, tra questi, specialmente, i poteri mediatici, ormai sempre più lontani dalla loro fonte di legittimità, cioè dal loro schema deontologico di riferimento, e in crescente fase di concentrazione, da Murdoch a Berlusconi.

Si direbbe che i poteri fattuali, davanti alla progressiva discrasia della rappre­sentanza, abbiano come strumento politico privilegiato proprio i media (dei quali possono essere anche proprietari) in modo tale da legittimare le loro pratiche e da condizionare contemporaneamente sia l’accesso al potere legittimo che il suo stes­so esercizio. In effetti, l’irruzione dei media nel campo politico come protagonisti ha cambiato non soltanto i modelli di promozione del consenso in vista dell’ottenimen­to del potere, ma soprattutto il modello stesso di legittimità. Sostengo, in effetti, che da una legittimità stabile siamo ormai passati ad una legittimità fluttuante, cioè per­manentemente condizionata dai media e dai sondaggi in modo tale da indurre quel­la che ho chiamato «discrasia della rappresentanza». Verifichiamo appunto che al raf­forzamento del potere dei media corrisponde sempre di più l’indebolimento del pote­re elettivo, senza che ciò si traduca in una crescita effettiva del potere della pubbli­ca opinione o del singolo cittadino. In effetti, i media sono oggi un potere dotato di soggettività auto-riflessa e auto-referenziale che rappresenta più se stesso (come potere e come istanza sociologica) che il pubblico che dovrebbe rappresentare. Il loro è oramai un discorso più prescrittivo che descrittivo o semplicemente narrati­vo. «In trent’anni, la prima pagina del NYT (New York Times) è passata dal 90 per cento di notizie di tipo “agenzia” (cioè di “informazione asciutta”) e 10 per cento di testo interpretativo o commentato alla proporzione inversa: 90 per cento di commen­to o analisi rispetto al 10 per cento di notizie in senso stretto» (Mesquita 2003). È il ritomo della dottrina della persuasione, solo che, questa volta, al servizio dei media stes­si o dei poteri che essi, il più delle volte, rappresentano, a cominciare dallo stesso potere aziendale privato che li gestisce.

9. È vero che una barriera formale e morale viene innalzata ogni volta che si paria di strumentalizzazione o di manipolazione dei media. Ma i casi sono troppi, le eviden­ze tante e lo stesso sistema operativo tale che non possiamo non dire che ormai vivia­mo una vera e propria contraddizione tra il funzionamento reale dei media e la loro fun­zione sociale originaria, tale in quanto poggiata su uno schema deontologico di riferi­mento che fonda la loro legittimità.

Un’analisi elementare dell’impianto e della strategia aziendale della maggior parte delle imprese e dei gruppi di comunicazione dimostrerà che cresce sempre di più il divario tra i modelli operativi e imprenditoriali dei media e la loro matrice normati­va, che decorre dalla loro funzione sociale originaria e dal corrispettivo codice deonto­logico e che fonda la speciale legittimità del loro operare rispetto a tutti gli altri setto­ri. Legittimità che ormai, vista la crisi della rappresentanza, viene presentata come equi­valente a quella che scaturisce dal principio elettivo, concedendo così al potere media­tico uno statuto pari, o addirittura superiore, a quello del potere politico.

Insomma, siamo davanti a mutazioni strutturali, nei rapporti tra i media e la demo­crazia, tali da prefigurare il passaggio a forme di democrazia di tipo post rappresenta­tivo, ma tali anche da preannunciare possibili sbocchi devianti rispetto al DNA della democrazia.

Certo, molte e importanti sono state le mutazioni globali che nel frattempo si sono verificate: cambiamenti strutturali nella geografia e nelIa geometria urbana (15); l’emer­genza della «middle class» come referente sociale fondamentale della società post indu­striale; la rivoluzione della microelettronica e delle comunicazioni in genere; l’intensi­ficazione dei flussi migratori internazionali; la fine della bipolarizzazione politica, stra­tegica e ideologica; la caduta delIe ideologie tradizionali; l’emergenza delIa scienza e della tecnica come forze produttive dominanti; la frantumazione dei grandi agglomera­ti sociali, specie della classe media tradizionale; la forte accelerazione delIa mobilità sociale.

Si potrebbe comunque parlare di uno speciale momento spartiacque a livello mon­diale: la Rivoluzione Europea del 1989. Il 1989 rappresenta, in effetti, il punto di svol­ta politico-sociale di una profonda mutazione che si stava dispiegando da qualche anno.

Si tratta di una mutazione talmente complessa da rendere molto difficile gerarchiz­zare i fattori del cambiamento. E tuttavia credo di aver individuato nella rivoluzione mediatica uno dei cardini della grande svolta: dal ruolo svolto dai mezzi di comunica­zione nello svolgimento della Rivoluzione del 1989 fino alla mondializzazione della comunicazione televisiva (il trionfo della CNN nelIa prima Guerra del Golfo) o al trionfo del sistema privato dei mezzi di comunicazione e corrispettiva imprenditoria­lizzazione.

10. In effetti, i media hanno svolto un ruolo di prim’ordine nelle mutazioni che si sono verificate nei sistemi sociali. E proprio questo ruolo li ha resi coscienti del potere che ormai detenevano all’interno della società, in particolare rispetto all’istanza politi­ca, in modo tale che da strumenti di comunicazione al servizio delle istanze tradiziona­li dell’azione politica sono diventati loro stessi diretti protagonisti politici. Ma è pro­prio questo cambiamento che suscita interrogativi dal punto di vista della legittimità: è conciliabile lo status di protagonisti politici con la funzione sociale originaria ed il cor­rispettivo schema deontologico di riferimento che ne fonda la legittimità? Di più: come si può conciliare l’esclusività strategica della lotta per l’«audience» con lo schema deontologico di riferimento? E ancora: il domínio totale – nel sistema operativo domi­nante dei media, specie in quelli che hanno adottato il modello tabloid – dello strumen­to nucleare di conquista dell’«audience», l’emozione indotta, è compatibile con la fun­zione sociale originaria dei media?

Io credo che le risposte non possano essere che negative. Cioè constatato il punto di svolta, verificato l’importante ruolo dei media nella svolta, concludiamo che la strada che stiamo percorrendo ci condurrà a forme devianti di democrazia (che molti identifi­cano con un populismo elettronico che si potrebbe «riempire» politicamente con conte­nuti neocorporativi) se non cambiamo direzione, cominciando dalla rivalutazione del­l’istanza elettiva e di tutti i meccanismi su cui poggia, arrivando a proporre come nuova utopia la vecchia legge kantiana della ragion pratica: agisci in modo tale che la massi­ma della tua volontà possa sempre valere allo stesso tempo come principio di una legi­slazione universale (Kant 1788, I, capo I, par. 7).

Note

(1) In questo saggio cerco di incrociare la teoria dei media con la teoria politica, riflettendo sugli effetti dei media sui meccanismi centrali della democrazia rappresentativa e sulle mutazioni strutturali che essi vi stanno provocando. Perciò dovró utilizzare dei concetti che mi permettano di addentrarmi meglio nei sofi­sticati meccanismi in mutazione. Mi appresto, poi, ad evidenziare e a definire quelli che, a mio parere, sono i più funzionali alI’analisi: 1. «effetto d’interpolazione» dei media, che può diventare «effetto sistemico d’interpolazione» (quando i media distorcono la linearità dei fatti mediante sovraccarico interpretativo); 2. «legittimità fluttuante» (per opposizione alla «legittimità di man­dato» conferita dal voto indirettamente a governo; la «legittimità fluttuante» diventa dominante e rispecchia l’immagine del governo secondo i media e i risultati dei regolari sondaggi d’opinione); 3. «revoca striscian­te e informale del mandato» (rappresenta l’intervento regolare dei media e dei sondaggi d’opinione con effetti sul logoramento dell’immagine del governo); 4. «schema normativo di riferimento» (codi­ce deontologico d’origine anglosassone, dove l’imparzialità, l’obiettività, la neutralità, l’equilibrio, la rilevanza e il plu­ralismo sono i principi portanti); 5. «discrasia della rappresentanza» (cattiva mescolanza, dove il potere poli­tico diventa debole quando la legittimità fluttuante si sovrappone alla legittimità di mandato).
(2) Quanto detto da Abruzzese, in «Elogio deI tempo futuro. Perché ha vinto Berlusconi» (1994, p. 14), rispetto al grande cambiamento verificatosi in Italia neI 1994, con la vittoria di Silvio Berlusconi nelle elezioni deI 27 marzo, rientra, a mio parere, neI processo di mutazione della matrice della democrazia rappresentativa ad opera dei media: «Quando un partito nasce con la rapidità di una catastrofe, quando uno schieramento prende il potere nei modi immediati e inattesi di una rivoluzione, è iI caso di riflette­re sulla solidità delIe mura che cingono la città da difendere e sull’abilità dei guardiani a cui erano affi­date le porte di accesso alle piazze, alle strade, ai mercati e alle sale del governo. È iI caso di ripensare anche alla qualità stessa della città che abitiamo, che crediamo di conoscere. Forse ci potremmo accor­gere che la nostra città è mutata radicalmente e che non il vincitore ma lo sconfitto rischia di essere recepito come un estraneo, uno che viene da fuori, che ha vissuto e, peggio ancora, continua a vivere all’esterno delle sue mura».
(3) «Siccome recettività, capacità cognitiva e attenzione del pubblico», dice Habermas, «sono risorse straordinariamente scarse – per la cui conquista le reti televisive si danno quotidianamente battaglia – la pre­sentazione di notizie e commenti deve quasi sempre sottostare alle strategie di mercato e alle “ricette” degli esperti di pubblicità (italico mio). Personalizzare i problemi oggettivi, mescolare informazione e divertimento, elaborare i dati in maniera episodica, frammentare i contesti: questi sono i fattori incremen­tanti la sindrome di “spoliticizzazione” che colpisce la comunicazione pubblica» (1992, p. 447).
(4) Non aveva ragione, quindi, Clinton quando, nel 1993, invitato a cena dalla Radio and Televison Correspondents Association fece una affermazione stupefacente che lasció i giornalisti alquanto arrabbiati: «Sapete perché posso ignorarvi alle conferenze stampa? Perehé Larry King mi ha liberato da voi, mettendo­mi in contatto direttamente con il popolo americano» (Tonello, 1999, p. 40). In effetti, Clinton parla diretta­mente al popolo, ma da un pulpito, quello di Lany King, di una importante cattedrale mediatica, la CNN.
(5) La letteratura sul tema è ormai sterminata, sia riguardo al ’94 che alle altre elezioni politiche. Comunque, su Forza ltalia è molto interessante il lavoro di Poli (2001).
(6) Dirompente fu davvero l’alleanza tra i media e i giudici di «Mani pulite» soprattutto quando venivano trasmessi direttamente in TV i famosi processi, con tanto di umiliazione pubblica degli antichi dirigenti politici. Dirompente è stata, in Portogallo, l’alleanza tra il potere giudiziario e i media nella gestione del processo di pedofilia e che ha visto imputati importanti personaggi del mondo politico, diplomatico e dello spettacolo, laddove, tutti i giorni, i brani processuali coperti dal «secreto istruttorio» venivano pub­blicati a sostegno delle rispettive strategie.
(7) Vedasi, rispetto alla «middle class», ciò che dice la Wikipedia: «In Europe and the United States, indu­strialization eventually caused the middle class to swell at the expense of the lower, so that by the middle of the 20″ century it constituted a majority. Now, the label is often swollen to cover the bulk of society and its norms. As the swollen middle class lost its distinctive usefulness as a label, observers invented sub­labels: we often detected in contemporary societies at least an “upper middle class” and a “lower middle class”. Modern political economy considers a large middle c1ass to be a beneficial, stabilizing influence on society, because it has neither the explosive revolutionary tendencies of lower c1ass, nor the stultifying greedy tendencies of the upper class» (http://en.wikipedia.org.lwiki/Middle-class). Oppure la Encarta della Microsoft: «Among the United Kingdom population, the upper middle class (such as senior managers and professionals) forms around 10 per cent; the true middIe c1ass (such as teachers and administrators) around 20 per cent; and the lower middle class, traditionally known as the petit bourgeoisie (small-business peo­ple junior office workers), 20 per cento. Combining all of these sectors, this makes the middle class the lar­gest class in British society» (Microsoft Encarta 98 Encyclopedia. 1993-1997 Microsoft Corporation).
(8) Il concetto di “rappresentazione” ha molti sensi: spettacolo, atto conoscitivo, descrizione matemati­ca. “Rappresentanza” ha un senso giuridico oppure un senso politico, nella democrazia rappresentativa. In queste riflessioni mi riferisco ai due primi sensi di “rappresentazione” e all’ ultimo senso di “rappresentan­za”, cioè al mandato non imperativo.
(9) Per indurre distanza critica rispetto all’eccesso di identificazione del pubblico con la rappresentazio­ne, Brecht ha evidenziato, nel teatro, un «effetto di straniamento» (Entfremdungseffekt) che provoca appun­to differenza critica nello spettatore: «si tendeva a far recitare gli attori in maniera da rendere impossibile allo spettatore di immedesimarsi sentimentalmente con i personaggi del dramma. L’accettazione o il rifiu­to di ciò che questi facevano o dicevano doveva avvenire nella sfera cosciente dello spettatore, e non, come era avvenuto finora, nel suo inconscio» (Brecht 1937-1956, p. 103).
(10) Lo stesso Popper, che critica radicalmente lo stato della cultura televisiva, paradossalmente, ma non troppo, nella sua Lisbon Lecture, del 1987, nella Fondazione Calouste Gulbenkian, sostiene una teoria della democrazia che si avvicina proprio a questo modello della democrazia del pubblico, dove il cittadi­no ha soltanto il compito di «bocciare» i governi, determinando, attraverso una capacità meramente nega­tiva, la regolare sostituzione dei governi all’interno di un processo di circolazione interna delle élites (veda­si la mia critica a Popper in Santos, 1998, pp. 32-38).
(11) Ma è vero che sulla teoria degli effetti i teorici sono molto divisi tra l’ipotesi minimalista (effetti limitati) e l’ipotesi massimalista (powerful media). Tra gli altri, vedasi: Wolf (1992); Bentivegna (a cura di) (1994); Bryant e Zillmann (a cura di) (1994); Tonello (1999, pp. 203-223).
(12) Ma si veda anche la critica di Habermas: «Ma questa abolizione dei confini va di pari passo con la moltiplicazione dei ruoli contemporaneamente specificati, con la pluralizzazione delle forme di vita e l’in­dividualizzazione dei progetti di vita. Lo sradicamento è accompagnato dalla costruzione di particolari appartenenze e provenienze comunitarie, il livellamento dall’impotenza di fronte alla complessità sistemi­ca non compresa. Si tratta piuttosto di sviluppi complementari intrecciati l’uno con l’altro. Così, i mezzi di comunicazione di massa producono effetti contrastanti anche in altre dimensioni. Molte cose fanno pensa­re che il potenziale democratico di una sfera pubblica, la cui infrastruttura reca l’impronta delle crescenti pressioni selettive della comunicazione elettronica di massa, sia ambivalente» (1962, XLII-XLIII).
(13) I risultati presentati in «La scienza è una curiosità» (Bari, Manni, 2004) erano ancora provvisori. Vedasi ora Santos (2009, pp. 259-261).
(14) Il partito più colpito è stato il CDS/PP (il quarto partito tra i cinque con presenza parlamentare, non considerando i Verdi, giacché questi si presentano sempre in coalizione con il PCP), con meno il 15,6% dei voti rispetto alle elezioni politiche del 1995. Ma ciò non ha impedito alla giornalista del «Público» – uno dei più influenti quotidiani portoghesi – Eunice Lourenço di dire (11/10/99, pag. 6) che il leader di que­sto partito di destra, Paulo Portas, fu il vero vincitore di queste elezioni («Portas pôde cantar vitória»; «con­tudo, a noite de ontem foi de vitória para Portas»; «e a noite acabou em alta, com Portas a fazer uma decla­ração honesta, em que não embandeirou vitória, e se alguém podia fazê-lo era ele»).
(15) Per esempio, qualcuno spiega, almeno in parte, come Lewin (1988), l’irruzione del fenomeno della Perestroika con i profondi cambiamenti di questo tipo che si sono verificati negli ultimi decenni dell’URSS.

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Berlusconi o el nuevo príncipe pos-moderno

Actualmente, es ya muy abundante la literatura científica sobre el caso Berlusconi. Sobre todo en Italia. Pero también en otros países. Y se entiende fácilmente el interés por el caso teniendo en cuenta que representa una ruptura con el modelo que, en la democracia representativa, garantizaba una diferenciación funcional entre el poder económico, el poder político y el poder informativo-cultural.

En efecto, estos tres poderes corresponden a tres importantes subsistemas sociales (economía, política, información-cultura) con estructuras lógicas y funcionalidades diferenciadas. Por ejemplo, la acción política no es reducible al modelo lógico de la relación racional entre medios y fines, como ocurre en la economía. La distinción habermasiana, (Theorie des kommunikativen Handels, de 1981), entre actuación estratégica y actuación comunicativa indica bien la diferencia entre el subsistema económico y el subsistema político: en el primero se trata de la racionalidad cognoscitiva-instrumental (transformable en la relación racional medios-fines), que contempla la influencia y el éxito y remite a imperativos sistémicos (economía y Estado); en el segundo caso, se trata de la racionalidad comunicativa, que visa el acuerdo argumentado con pretensiones de validez criticables y remite al mundo de la vida (esfera pública y esfera privada – Habermas, 1982).

Está claro que Habermas, siguiendo la estela de Parsons describe el poder como medium sistémico de control, determinado por una racionalidad instrumental y funcional en la relación racional entre medios y fines. Max Weber colocó en el centro de la sociedad moderna esta misma lógica: el “tipo ideal” zweckrational. Y Talcott Parsons elevó este “tipo ideal” a esquema analítico de la acción. En pocas palabras, relevantes interpretaciones de la sociedad moderna elevaron la relación racional medios-fines a lógica “constituyente” de la sociedad moderna.

Cuando Max Weber habla de la “jaula de acero” se refiere a este proceso sistémico de generalización de la racionalidad cognitivo-instrumental. El propio subsistema informativo-cultural es lógicamente intercambiable con el subsistema económico cuando es colonizado por una racionalidad de tipo instrumental funcionalizada exclusivamente por la lógica del mercado y supervisa sólo la influencia y el éxito y cuando ambos subsistemas operan en el interior de un esquema de referencia configurado únicamente según los cánones de una lógica de tipo relacional (y no inherente). Pero ya no ocurre lo mismo con el subsistema político representantivo, toda vez que posee una diferencia no completamente homologable con una lógica relacional, ya que es él mismo el que regula todo el sistema social a través de la producción de las reglas que determinan funcionalmente las relaciones entre los subsistemas y dentro de ellos, adquiriendo, de este modo, una intencionalidad no totalmente reductible a una pura relación lógica entre variables independientes. Por esta razón, el subsistema político democrático se diferencia cualitativamente de los otros subsistemas, separándose y elevándose por encima de ellos para que pueda producir libremente las reglas que regulan el sistema social (Santos, 1998). La democracia representativa, en efecto, contiene un mecanismo central que permite la separación funcional del subsistema político en relación a los otros subsistemas, anulando la posibilidad de plena intercambiabilidad entre ellos y confiriéndole una legitimidad universal que los otros no poseen.Se trata del mandato no imperativo: por medio del principio electivo se hace posible “constituir” un subsistema político que funcione según el principio de irrevocabilidad y de la irreversibilidad del mandato. El mandato no imperativo permite una clara separación entre el sistema político y los demás subsistemas sociales desde el punto de vista de la legitimidad, de la autonomía y de la extensión de la decisión. La esencia de la democracia representativa reside en este núcleo central. Al representante se le confiere la capacidad funcional de decidir en libertad, de forma radical y universal: una autonomía irrevocable, condición de la propia libertad de decisión. Es este mecanismo el que establece en el subsistema político el excepcional poder de decisión y la legitimidad que lo sostiene. O sea: el poder democrático representativo se institucionaliza a partir de una diferencia y de una separación verdaderamente constituyentes: la diferencia entre el representante y el representado y la separación entre el subsistema político-institucional y la “sociedad civil”. Lo que, aparentemente, parecía ser una debilidad del sistema, finalmente, constituye su pilar fundamental.

(La economía, como modelo social)

Ahora bien, es aquí donde debe situarse el caso Berlusconi, en el lugar en el que la diferencia y la separación son cada vez más residuales, precisamente porque la lógica y la funcionalidad propias del subsistema económico son importadas directamente, y en toda su extensión, por el subsistema político, sobrepasando al sensible mecanismo del “mandato no imperativo” y a todos los principios y funciones ligados al mismo. El dispositivo institucional de la democracia representativa surge “colonizado” por una lógica que es propia de un subsistema que no se puede intercambiar con él. Es decir, en la operación berlusconiana se demuestra una colonización sistémica de la democracia representativa: el modelo lógico de un medium de regulación como la economía, se eleva a modelo “constituyente” en la sociedad. Sólo que el modelo político que es resultado de la democracia representativa no es reductible a este modelo lógico. Tampoco tendría sentido el principio del “mandato imperativo” en el lugar en el que se conforma el imperativo moral, la libertad radical de conciencia –y los valores constituyentes de la sociedad por lo tanto-, son dimensiones que no pueden reducirse a una racionalidad cognitivo-instrumental.

Habermas (1982) define el modelo democrático partiendo de la integración de cuatro tipos ideales de acción: la actuación teleológico/estratégica, la actuación regulada por normas, la actuación dramatizada y la actuación orientada al acuerdo. Esta última, que identifica como actuación comunicativa, es la más compleja, integra a todos los otros tipos y es propio de la democracia. En pocas palabras, no es posible reducir la práctica democrática representativa a la actuación teleológica/estratégica– o actuación racional en relación al objetivo –propio del subsistema económico, en la medida en que la democracia revela un universo mucho más complejo que el del universo del “mundo objetivo” y, por ello, reúne en su proceso fundamental, otras dimensiones más complejas, sutiles y sensibles. Y, aun así, el modelo que Berlusconi adopta es, como veremos, justamente el modelo teleológico.

En un ensayo de 1994, año del primer ascenso al poder de Berlusconi, Eugenio Scalfari dice lo mismo con otras palabras. Habiendo desaparecido la burguesía como clase general, responsable de la creación y de la gestión juiciosa del sistema democrático representativo, y habiendo emergido una burguesía predominantemente financiera, “ejecutiva” y marcadamente corporativa, al mismo tiempo que emergía una “middle class” muy fragmentada y caracterizada más por criterios de tipo superestrutural que sustancial, sin identidad propia, existencialmente nómada, culturalmente precaria, masificada y anónima, se hizo posible la irrupción de un fenómeno como el de Berlusconi. Lo que se debate, según Scalfari, es el paso, en el interior del mismo sistema democrático representativo, del modelo de burguesía como clase general al modelo de burguesía como clase corporativa, es decir, empleando la fórmula de la razón práctica de Kant, como clase que no actúa como si su axioma valiese al tiempo como principio de una legislación universal (Kant, 1966). O sea, una burguesía que, orientada exclusivamente a afirmar su poderío económico, transforma la actuación estratégica y la correspondiente racionalidad cognitivo-instrumental en “tipo ideal” universal del sistema social.La referencia original de la democracia representativa era, precisamente, una clase general que promovió la afirmación histórica de todo el entramado estatal moderno que fue configurado como Estado democrático y de derecho, a partir del principio de separación, en sintonía con aquella “incisión” que Hegel consideraba «la constitución fundamental de la nueva época», o también «forma del mundo moderno y de su conciencia» (Ritter, 1977; Cerroni, 1974). Ahora bien, lo que la experiencia berlusconiana apunta es, precisamente, no sólo la anulación de esa diferencia estructurante de la democracia representativa, sino también la eliminación de la vocación universal que hacía de la burguesía un elemento imprescindible de la democracia. El modelo que propugna (actuación estratégica y racionalidad cognitivo-instrumental), el sujeto político que crea para institucionalizar ese modelo (el Partido-empresa Forza Italia) y los agentes sociales que emergen políticamente como propulsores, bien del modelo, bien del nuevo sujeto político (los hombres de Fininvest) evidencian la ruptura con la idea moderna de incisión o de diferencia que fueron el origen de la democracia representativa.

(El partido-empresa)

Es bajo el telón de fondo de estas profundas fracturas del modelo convencional de la democracia representativa como mejor podemos entender la obra de Pierre Musso (2003): “Berlusconi, le nouveau prince”. Musso no las especifica utilizando conceptos habermasianos, sino conceptos gramscianos, evidenciando, aun así, de forma clara, los términos del paso de una democracia representativa del Estado-Nación Italia, basada en los anclajes tradicionales del Estado, de los partidos políticos clásicos, de los intelectuales tradicionales y de las ideologías, hacia una “democracia competitiva” de la Empresa Italia, basada en un modelo de Nación-Empresa, centrada en un nuevo tipo de partido político (el Partido-empresa Forza Italia) con nuevos intelectuales orgánicos (Gramsci) posmodernos, marketing y publicidad en sustitución de los viejos ideólogos y de la ideología. Como señala Musso: «Berlusconi se posiciona sistemáticamente contra la hegemonía creada por la esfera estatal y de sus intelectuales, de los partidos políticos clásicos y de los universitarios para sustituirlos por la representaciones sociales de los vendedores y del marketing, de los periodistas, de la gente de los medios y de la empresa».

Si quisiéramos traducir en dicotomías la ruptura causada por Berlusconi en relación con el modelo tradicional de hacer política, podríamos hacerlo del siguiente modo:

Ciudanano-elector versus telespectador/consumidor; Estado versus empresa; político versus empresario/manager; partidos y sindicatos versus partido-empresa/Forza Italia; hegemonía del Estado versus patriotismo empresarial de comunicación; modo de producción industrial versus modo de producción simbólico; ideología versus publicidad; fábricas (Turín) versus bolsa (Milán); CAF (Craxi, Andreotti, Forlani) versus Berlusconi; intelectual moderno (Turín)/ intelectual tradicional (Roma) versus intelectual posmoderno (Milán); capitalismo de palacio versus capitalismo de pantalla; televisión pública versus televisión privada; paleotelevisión versus neotelevisión (Musso, 2003: 107; 114) .

Es decir, Berlusconi parte del modelo de éxito de su Fininvest y lo aplica directamente a la esfera política, en un contexto de crisis del anterior sistema de partidos. Dice Musso: «La importación de tal modelo de circulación mediático-publicitario al campo político en crisis, garantiza el éxito de Berlusconi». O mejor: «Forza Italia, por lo tanto, ya no es sino el último elemento de la la última oferta empaquetada del Grupo Fininvest. Berlusconi extiende su “gama de productos” al espacio público y “vampiriza” el escenario político. Por medio de esta ampliación, privatiza el espacio público, “tecnologiza” lo político y, de esta manera, hace triunfar la figura de la empresa de comunicación, confundiéndose con ella».

El proceso de construcción de Forza Italia, en 1993, evidenció la fusión perfecta entre política y economía en el lugar donde el subsistema informativo-cultural, ya integralmente adaptado a las exigencias de la nueva industria cultural y del consumo simbólico, y, por tanto, a la lógica de la economía, sirvió de plataforma para la operación. Forza Italia es un nuevo producto de Fininvest (su extensión política), que se lanza al mercado de consumo simbólico, en el que los ciudadanos ceden su protagonismo a los consumidores/telespectadores y donde la política surge como un nuevo producto de la más variada industria cultural patrocinada por Fininvest. Es la afirmación de mercado del nuevo producto lo que le facilita la reconversión institucional y su tranformación en poder político basado en las leyes del mercado.

Por eso, Ilvo Diamanti se refirió a la lección schumpeteriana de Berlusconi (Diamanti, 1994), así como también por ello Pierre Musso dice que Berlusconi va más allá de Schumpeter, con la transmutación de Fininvest en Estado y del Estado en Empresa. Es por lo que Pierre Musso propone el concepto de “comanagement”, que expresa la íntima fusión entre comunicaicón y management: “imposición general a la sociedad del dogna directivo de la efficiency y de las formas de teatralización televisiva”. O sea, hay confusión entre el management de la empresa neofordista de los espectáculos y la hegemonía simbólica y política del discurso comunicativo. De esta confusión nace, pues, una neopolítica, nivelada, sin duda, según las exigencias de ambos subsistemas (económico e informativo-cultural), pero de una única racionalidad instrumental, la de la economía.

(Televisión y publicidad)

La televisión desempeña en este caso un papel esencial. En primer lugar, todo el proceso de conquista del mercado por las televisiones privadas de Berlusconi fue, visto el éxito, trasladado al proceso de construcción, afirmación y expansión del nuevo producto político Forza Italia/ Berlusconi. A fin de cuentas, se trataba de un producto totalmente convertible en producto de la industria cultural, en producto televisivo, y, por ende, totalmente asimilable por la lógica de la producción y la reproducción del propio poder televisivo. No por casualidad Pierre Musso afirma que, con Berlusconi, la política se vuelve “audiovisual continuado por otros medios”. En segundo lugar, la televisión es un poderoso instrumento publicitario debido a su extraordinaria capacidad para ficcionar la realidad social. En este sentido, como señala Musso, puede transformarse en una formidable máquina de reciclaje del “tiempo perdido”, con una impresionante capacidad para envolver al ciudadano espectador en las narrativas de la industria cultural. En esto consiste la perfecta coincidencia de sus targets televisivos con los targets político-electorales. Y es por ello por lo que muchos explican la victoria de Berlusconi en 1994 con la matriz televisiva de su discurso político.

Pero, si es verdad que la posesión de una plataforma de televisiones y de un poderoso grupo económico es el origen del proyecto político berlusconiano, también es verdad que, como dice Musso, el éxito político de Berlusconi no se debe tanto a este hecho y a la consiguiente capacidadad de manipulacion de la television, como a la «importación al campo de la representación política de las técnicas de escenificación y de programación de la televisión comercial generalista», dada la enorme capacidad que posee para ficcionar la realidad. Mas que manipulación (que la hubo y en abundancia), en sentido estricto se trató de importar el discurso televisivo al ámbito político. En este sentido, Musso relativiza la influencia directa de los medios de comunicación en los resultados electorales. Se trataba, como apunta Ilvo Diamanti, citado por Musso, de la transposición política, en votos, del sentimiento de pertenencia televisiva (sucedáneo de los sentimientos de pertenencia territorial, religiosa, social,…). Y, de este modo “el deseo entró en política y la imagen tomó el poder”. O, como dice Carlo Freccero, también citado por Musso, «la política de Berlusconi no es una deriva plebiscitaria, es una deriva publicitaria».

Empleando conceptos habermasianos, se podría decir que funcionalmente relacionados con la fría adopción de una racionalidad cognitivo-instrumental y de una actuación estratégica para alcanzar el poder, los dos conceptos asumidos por la máquina berlusconiana fueron el de influencia y el de éxito. Berlusconi pudo y supo dotar de eficaces instrumentos técnicos a su ideología primaria: el utilitarismo. Pero Musso hace una aproximación a Berlusconi a partir de conceptos gramscianos: hegemonía, nuevo príncipe, intelectual orgánico. Pero también: americanismo y fordismo. Lo que encuentra soporte real en los escritos gramscianos sobre americanismo y fordismo, en el Cuaderno 22 de los Quaderni del Carcere (Gramsci, 1975), y, en parte, en el famoso ensayo Alcuni temi della quistione meridionale, de 1926 (Gramsci, 1978).

La lógica de esta transposición conceptual encaja bien en el contexto conceptual gramsciano. El nuevo intelectual orgánico, al que sucede aquel intelectual tradicional a quien estaba confiada la hegemonía del Estado (estuviese empadronado en Roma o en Turín) es el “manager de la empresa de comunicación, especialista en los media, en marketing, en publicidad, en finanzas, técnico de los flujos y de lo inmaterial, manipulador de símbolos”. El nuevo príncipe (“posmoderno”) es el partido-empresa Forza Italia/Berlusconi, embrión del nuevo Estado, refundándose según las categorías de la empresa posfordista y de la comunicación. La hegemonía es equivalente a la que refiere Gramsci a propósito del americanismo, cuando señala que la hegemonía nace de la fábrica: “una vez que existan estas condiciones preliminares, ya racionalizadas por el desarrollo histórico, fue relativametne fácil racionalizar la producción y el trabajo, combinando hábilmente la fuerza (destrucción del sindicalismo obrero de base territorial) con la persuasión (elevados sueldos, beneficios sociales diversos, propaganda ideológica y política muy hábil) y consiguiendo centrar toda la vida del país sobre la producción. La hegemonía nace de la fábrica y no tiene necesidad de afirmarse sino de una cantidad mínima de intermediarios profesionales de la política y de la ideología” (Gramsci, 1975). Musso cita la Cuestión Meriodional. También aquí, de facto, Gramsci habla de un nuevo tipo de intelectual salido de la revolución industrial: “el organizador técnico, el especialista de la ciencia aplicada” (Gramsci, 1978; Musso, 2003).

Está claro que la interpretación gramsciana de Berlusconi sólo se podrá llevar a cabo depurando su estructura filosófica de fondo: la hegemonía de Gramsci representa la afirmación social de una mundividencia ético-política y cultural con profundidad temporal (en relación al pasado y en relación al futuro) y con capacidad de propulsión histórica (Santos, 1986); la hegemonía de Berlusconi se confunde con la afirmación social de estilos de vida, de formas sociales sin profundidad temporal y puramente reactivas, es light y simulada, es objeto de una cuidada atención por parte de técnicos de investigación de mercado y especialistas en marketing, y está promocionada comercialmente por los nuevos aparatos de la hegemonía, en particular por la televisión. Nace de esa fábrica posmoderna que es la televisión.

El nuevo príncipe, que para Gramsc, era el Partido, en cuanto “intelectual colectivo”, para Berlusconi es él mismo, en la medida en que Forza Italia, verdaderamente, es un partido personal, en el sentido en el que lo define Mauro Calise ( 2000). A decir verdad, los “Berluscones”, los hombres del Grupo Fininvest, son “intelectuales orgánicos” en el sentido de que militan en el Partido-empresa y trabajan a favor de su implantación hegemónica. Son orgánicos y técnicos de la investigación social y de la retórica comercial. De americanismo y de fordismo también es legítimo hablar en la medida en que, por un lado, los estilos de vida fomentados dentro del universo Fininvest (y, por extensión, de Forza Italia) obedecen a características empresarialmente definidas y en que, por otro lado, también aquí es apropiado hablar de “racionalización” preliminar de las condiciones generales de producción (Gramsci, 1975).

La sociedad, en la mundividencia política berlusconiana, debe ser no sólo una proyección conceptual del modelo de Empresa de éxito (Fininvest), sino también de los estilos de vida que se expresan en su terminal más importante, la neotelevisión comercial. La universalización de esta mundividencia le corresponderá, así, a una nueva hegemonía: la que nace de la empresa televisiva.

Si, en efecto, traducimos fábrica por empresa, facilmente hallaremos los términos en los que Berlusconi pretende respaldar su proyecto político, en una curiosa coincidencia entre los intereses y los valores de su propio grupo, Fininvest, y los intereses y valores del país, casi como si pretendiese reeditar en versión posmoderna y posindustrial el viejo dictado italiano sobre la FIAT en el periodo industrial y fordista: «lo que es bueno para FIAT es bueno para Italia». Sólo que la familia Agnelli, durante la fase industrializadora, nunca soñó con romper el clásico modelo de la separación funcional de los diversos poderes para concretar aquello que FIAT representó. Ahora, la hegemonía está garantizada no ya por la efectiva presencia territorial difusa y capilar de un grupo económico de tipo industrial, sino por las nuevas industrias culturales de las que Berlusconi es promotor, siendo sus intelectuales orgánicos sus técnicos de comunicación y marketing, periodistas y entertainers, especialistas en finanzas, técnicos de flujos y de lo inmaterial y manipuladores de símbolos.

El nuevo príncipe se afianza, en este contexto, no tanto como longa manus del poder económico, sino, sobre todo, como su proyección conceptual.

(Telos, Madrid, n. 62, enero-marzo 2005: 97-102. Traducción: Alberto Pena)

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Saggio su Mannheim e la sociologia della conoscenza

JOÃO DE ALMEIDA SANTOS

La ricerca che qui svolgo sul pensiero di Karl Mannheim e le origini della sociologia della conoscenza si sofferma sugli scritti del periodo che intercorre tra il 1922 e il 1936. E cioè: Die Strukturanalyse der Erkenntnistheorie (1922); Zum Problem einer Klassifikation der Wissenschaften (1922); Beiträge zur Theorie der Weltanschauungs‑Interpretation (1923); Historismus (1924); Das Problem einer Soziologie des Wissens (1925); Ideologische und soziologische Interpretation der geistigen Gebilde (1926); Das Problem der Generationen (1928); Zur Problematik der Soziologie in Deutschland (1929); Die Bedeutung der Konkurrenz im Gebiete des Geistigen (1929), Über das Wesen und die Bedeutung des wirtschaftlichen Erfolgsstrebens. Ein Beitrag zur Wirtschaftssoziologie (1930); Ideology and Utopia (1929; 1931; 1936). Non ho, quindi, preso in considerazione l’importantissimo scritto del 1927, Das konservative Denken (ma si veda Santos, 1999: 74-79), né quello del 1935, Mensch und Gesellschaft im Zeitalter des Umbaus. D’altronde all’analisi specifica che, in altra sede, farò di queste opere, cioè dell’impatto strutturale dei postulati teoretici della sociologia della conoscenza su di esse, aggiungerò anche quella di Diagnosis of our Time (1943) e di Freedom, Power and Democratic Planning (1950). In questo caso, si tratterà di veder all’opera la sociologia della conoscenza mannheimiana sul piano del pensiero politico.

Analisi strutturale della teoria della conoscenza

Il primo compito di questa ricerca è quello di produrre una sintesi complessiva del pensiero logico‑metodologico di Mannheim. E proprio per questo comincio partendo dall’analisi della tesi di dottorato di Mannheim, Die Strukturanalyse der Erkenntnistheorie, nonostante l`impostazione generale di quest’opera, il suo postulato centrale, sia in palese contraddizione con quella del cosiddetto periodo storicistico, cioè per l’appunto, quello della sociologia della conoscenza. Ossia: mentre in quell’opera Mannheim ci presenta la storia e i singoli pensatori come semplici mezzi per l’attualizzazione dei punti di vista possibili per una ragione (Vernunft) intemporale come tale, in quell’altra del ‘35, Mensch und Gesellschaft im Zeitalter des Umbaus, per esempio, non esita ad affermare che «non esiste il pensiero come tale».

E, tuttavia, forse qualche tendenza centrale della sociologia della conoscenza può essere già rintracciabile in quest’opera del ’22:

a. la tendenza all’uso dell’analisi strutturale;

b. il primato della totalità, del contesto;

c. le tendenze dello sviluppo storico disuguale della scienza, dell’arte, della filosofia;

d. la pregnanza del problema della validità;

e. il carattere determinante degli schemi o modelli di riferimento.

Sono, quindi, d’accordo con quanto afferma Paul Kecskemeti nell’ introduzione all’edizione inglese degli Essays on the Sociology of Knowledge, di Mannheim (Mannheim, 1972a: 9-11). E sottolineo che, qui, la sociologia non ha ancora pieno diritto di cittadinanza, poiché le scienze rilevanti, le scienze fondamentali sono la logica, la psicologia e l’ontologia.

Ma se queste cinque tendenze metodologiche sono senza alcun dubbio riscontrabili nella sociologia della conoscenza, come vedremo, esse vengono, tuttavia, indirizzate in senso opposto: mentre nell’opera del ’22 esse venivano funzionalizzate ad «eine zeitlose Vernunft überhaupt», ad un soggetto logico‑trascendentale, o ad una specie di kantiana «Bewusstsein überhaupt», su cui poggia la Systematisierung, o fondazione logico-trascendentale della teoria della conoscenza, negli scritti del dopo ’23, invece, quelle stesse tendenze verranno funzionalizzate ad una prospettiva sociologica, storica, temporale, ad una prospettiva piú storicistica e meno statica.

Lo scritto del 1922 non risponde, infatti, a questa esigenza di storicizzazione della validità neanche nello stesso campo storico‑sociale, poiché, per Mannheim, l’ele­mento storico‑empirico, la storia, non è che un luogo di attualizzazione di punti di vista (Standpunkte) possibili per «eine zeitlose Vernunft überhaupt» (Mannheim, 1970: 194‑201). Ragione (Vernunft) che contiene il regno di una va­lidità incondizionata estranea o indipendente da ciò che è storico, cioè mutevole.

Le Wahrheiten non possono né nascere né perire e della storia bisogna, quindi, rendere conto dal punto di vista della logica statica (1970: 200, n. 11): il fatto indubitabile che tutto nella storia sia soggetto al cambiamento implica che essa non sia portata verso il regno del significato (meaning) e della validità. La storia contiene soltanto le condizioni per la realizzazione, la materializzazione di (è l’occasione per) un Standpunkt aprioristico possibile (1970: 198). La storia e i singoli intellettuali compaiono come concreti mezzi per i diversi punti di vista possibili, per una Ragione intemporale come tale. Così, sembra che la storia non sia proprio un flusso, ma una corrente verso un obbiettivo finale (1970: 199; 1969: 39).

«Das Zeitliche», afferma Mannheim, «als solches enthält nur die Möglichkeiten der Aktualisierung, aber keineswegs die sinnhaltigen Momente an sich, die nur an Hand einer Strukturanalyse darstellbar sind» (1970: 197).

Non c’è dubbio che abbiamo a che fare con una prospettiva di tipo scheleriano per ciò che riguarda il rapporto dell’elemento storico‑empirico con quello trascendentale: la storia ha un mero ruolo di selezione della verità intemporale, incondizionata e pre‑data, una funzione attualizzatrice del significato.

Il saggio del ’22 vuole, infatti, rendere conto del processo storico dal punto di vista di una logica statica, cioè scoprendo la struttura formale comune ad ogni teoria della conoscenza (Erkenntnisteorie, che gli inglesi traducono sempre per epistemology) storicamente data. Vuole scoprire una invariante strutturale, cioè quella che Mannheim chiama la Systematisierung (sistematizzazione) specifica della teoria della conoscenza. La strada percorsa da Mannheim è semplice.

Dove comincia la teoria della conoscenza?

«Questa [Erkenntnistheorie] diventa possibile solo perché noi siamo capaci di liberarci per momenti da questo conoscere orientato esclusivamente verso l’oggetto [Objekt] e, se sarà necessario, di orientare la nostra attenzione in modo riflessivo verso il conoscere [das Erkennen] dell’oggetto. Scopriamo, allora, che, attraverso questa freien Blickwendung [free choi­ce of reference], gli oggetti non solo sono collegati gli uni con gli altri reciprocamente, ma che anche il loro nesso [Zusammenhang] per sé, come tale, é, da parte sua, di nuovo oggettivabile indipendentemente dagli oggetti e può diventare oggetto [Gegenstand] della conoscenza [Erkenntnis]». «Le premesse della conoscenza possono sempre diventare, di nuovo, come tali, oggetti [Gegenstande] della conoscenza» (1970: 207).

1. Le premesse della conoscenza, quelle «in virtù delle quali la cognizione è possibile» e sulle quali si fonda la libera Blickwendung, sono configurate in ciò che Mannheim chiama Ursystematisierungen (primarie o pure), cioè quelle della logica, della psicologia e dell’ontologia. Sul concetto di sistematizzazione é, quindi, imperniata la struttura della teoria della conoscenza poiché essa è fondamento di ogni con­nessione concettuale, ogni giudizio e anche ogni singolo concetto (seppur ostensivo). La sistematizzazione è creata dal soggetto logico‑trascenden­tale, ogni livello teoretico la presuppone ed è la prima ordering degli «elementi di esperienza». Le sistematizzazioni sono primarie o miste a seconda che si riferiscano rispettivamente alle scienze fondamentali (logica, psicologia, ontologia) o alla teoria della conoscenza. Le prime sono, da un certo punto di vista, universali perché possono «includere tutto “ciò che esiste in genere” [alles “überhaupt Vorkommende”] attraverso la creazione di una determinata omogeneità nei suoi nessi [Zusammenhänge]» (1970: 211). Così, dal punto di vis­ta della psicologia, tutto compare come Erlebnis, dal punto di vista dell­a logica, come Bedeutung e da quello dell’ontologia, allo stesso modo, tutto compare come seiend (1970: 211‑12). Queste tre sistematizzazioni rappresentano al­trettante vie per discutere il problema unitario della teoria della conos­cenza:

a. genetico‑psicologica, nel primato (nella Primatstreit) dell’Erlebnis, dell’esperienza, per la conoscenza;

b. della logica e della vali­dità, nel primato della Bedeutung, del significato, nella conoscenza;

c. della teoria comprensiva delle Ursystematisierungen, sempre secon­do la prospettiva della dialettica interna della Primatstreit, per deter­minare in quale regione (logica, psicologia, ontologia) deve essere fondata la conoscenza e, così, anche per determinare le premesse ultime.

In sintesi: la conoscenza si fonda sulle tre premesse ultime riscontrabili nelle tre regioni in lotta tra loro per l’acquisto della priorità. Premesse che rendono possibile la cognizione. Le premesse ultime non sono che semplici proposizioni descrittive dei meri fatti (Tatsachen) empirici, puri, del mondo degli oggetti dati nell’esperienza, come significati o come esseri, secondo il contesto prioritario.

2. Per arrivare alla teoria del­la conoscenza bisogna, quindi, passare dall’Objekt all’Erkennen in modo riflessi­vo e scoprire che il nesso, il rapporto [Zusammenhang], che collega gli og­getti é oggettivabile come tale e che, perciò, può diventare esso stesso oggetto [Gegenstand] di conoscenza.

Se la teoria della conoscenza ha come oggetto l’Erkennen stesso, anziché l’oggetto [Objekt], come si configura il rapporto che si dà nell’Erkennen? Se «die Wissenschaft, an und für sich betrachtet, ist eine Fixierung gewisser Vorstellungen in Form von Tatsachen» (1970: 218), la teoria della conoscenza sostituisce i Tatsachen da Erkenntnissen, registra [stempelt] quelli come Erkenntnissen. E così «aus der einfachen Tatsachenposition» essa lí cambia «in die Position des Erkanntseins».

La teoria della conoscenza li fa passare dalla semplice posizione di fatti alla posizione di esseri conosciuti.
Che cosa significa questo passaggio? «Significa che, afferma Mannheim, con il concetto di Erkenntnis viene coinvolta allo stesso tempo anche la posizione della Subjekt‑Objektkorrelation. La teoria della conoscenza implica che i fatti [Tatsachen] delle scienze diventino Erkenntnissen tra entrambi i membri della correlazione soggetto‑oggetto. La conoscenza implica che ci sia al di fuori di essa un oggetto [oggetto nel senso di zu‑erkennenden Objektes], il quale sia, in essa, conosciuto da un soggetto» (1970: 219).

Ma se sappiamo che tipo di oggetto usa la teoria della conoscenza, altrettanto non sappiamo del soggetto! Risponde Mannheim che tutte le teorie della conoscenza hanno una cosa in comune: i concetti di ego‑soggetto [Ichbegriffe] sono direttamente presi in prestito dalla disciplina nella quale la rispettiva teoria della conoscenza si fonda come scienza fondamentale [Grundwissenschaft]. E, in effetti, a un oggetto che si presenta come un rapporto non potrebbe corrispondere um soggetto empirico, come vedremo. Cosí, se le ultime premesse della conoscenza [Erkenntnis] saranno considerate come logiche, allora noi troveremo un soggetto logico, se saranno considerate come psicologiche o ontologiche troveremo un soggetto psicologico o ontologico (1970: 219‑20). Ed è proprio per questa pura funzionalità del rapporto oggetto-soggetto che la correlazione rappresenta un’unità logica funzionale nei confronti delle, e indipendente dalle, realizzazioni di contenuto dei concetti collegati dal rapporto di correlazione (vedasi 1970: 220). La correlazione si presenta come funzione variabile, rapporto di correlazione ancora incompiuta, correlazione indeterminata nella quale l’Erkenntnistheorie inserisce le cognizioni (tra i due poli della correlazione ).

A questo punto, Mannheim incorre in una contraddizione. Se, come Mannheim ha detto prima, la scienza ha come obbiettivo de‑soggettivizzare, trasformare immagini soggettive in fatti (Tatsachen), come si può affermare, e Mannheim lo ha fatto, che nella correlazione cognitiva soggetto‑oggetto il soggetto é preso in prestito alla scienza fondamentale a cui si rifa l’Erkenntnistheorie (logica, psicologia, ontologia)? Se la scienza produce Objektivationen non può fornire all’Erkenntnistheorie soggetti… e la psicologia stessa o la logica producono non soggetti, quando partono dai suoi dati, bensì das Bewusstsein (consciousness), nella psicologia, e Objektivität (objectivity), nella logica (1970: 222). Le discipline oggettive producono solo neutral meanings e la teoria della conoscenza si limita a fare il confronto di meanings con meanings. Il soggetto non è mai «an element among all given elements» (1969: 56) .

Ma, allora, cos’è questo Ego di cui parla Mannheim? È sempre possibi­le, afferma il nostro autore, costruire un soggetto come complemento delle oggettivazioni logiche e psicologiche: «nelle scienze, tuttavia, il soggetto non si presenta mai come oggetto [Objekt] conoscibile, ma noi possiamo ogni volta costruire un soggetto per le [in funzione delle] oggettivazioni logiche, psicologiche»; insomma, questo è ciò che noi di solito chiamiamo soggetto psicologico o logico. Ma soggetti di questo tipo non sono reali, direttamente conosciuti, intuiti (direkt erkannte, erschaute), ma solo soggetti costruiti (sondern nur konstruierte Subjekte) (1970: 222‑23). «Questi soggetti, afferma Mannheim, sono costruiti (ciò che non significa contro il loro valore di verità), giacché, comunque sia, noi non li otteniamo come oggettivazioni di un contenuto pre‑dato; essi non si presenta­no all’interno della serie delle oggettivazioni [Objektivationen], ma li ricostruiamo secondo le oggettivazioni, la sua determinatezza e il gra­do della sua Desubjektiviertheit»(1970: 224). Essi corrispondono, infine, alla kantiana Bewusstsein überhaupt, portatrice (Träger) di forme va­lide universalmente, «concetto ricostruito come correlato soggettivo di quella validità universale» (1970: 224)

Ma i soggetti sono tutti uguali? No. Essi dipendono, come la possibi­lità del grado di oggettività (Objektivierbarkeit), dalla particolarità di quella datità metalogica originaria (jener metalogischen Urgegebenheit) che noi desideriamo oggettivare e prendere dalla Erlebnisstrome (flow of experience) (1970: 223).

Afferma Mannheim: «La situazione epistemologica si realizza nel fatto che noi consideriamo come conoscenza [Erkenntnis] il dato che nelle scienze viene fuori come fatto (Tatsache), che noi lo tramutiamo in terzo membro tra entrambi i membri estremi della correlazione di Erkennenden e Zu-Erkennenden. Da qui nasce la tripla relazione dell’Erkenntnistheorie: l’Erkennende (the Knower), l’Erkannte (the Known) [l’Erkenntnis] e il Zu‑Erkennende (the To-be-known). Ogni sistematizzazione epistemologica è fondata sulla posizione di questi tre membri e ogni impostazione possibile di un problema risulta dalla (anche logicamente piena di senso) combinazione di questi tre membri (1970: 225).

La correlazione è, quindi, specifica dell’epistemologia, per cui se uno dei termini della correlazione diventa assoluto essa viene distrutta come tale (vedasi 1970: 224-225). Abbiamo, così, il seguente schema di riferimento:

Rapporto triadico. Diagramma della teoria della conoscenza in genere:

Der Erkennende – Das Erkannte ‑ Das Zu‑erkennende
Subjekt – (Die Erkenntnis) ‑ Objekt
(jeweils rekonstruiert) a. Bewusstsein
b. Objektivität

I tre concetti basici cambiano in contenuto secondo la scienza fondamentale impiegata da una particolare teoria della conoscenza.

Tra tutti e tre è il termine medio quello che cambia di più: oggettività (nelle teoria della conoscenza logica), coscienza (nella teoria della conoscenza psicologica). Il primo è occupato dai vari soggetti in quanto è ricostruito. Il terzo è ontologico dall’inizio.

Mannheim riflette sulle combinazioni possibili che la triade surriferita può subire (tre combinazioni), specie se viene assunta dal punto di vista delle scienze fondamentali quali sono la logica, l’ontologia o la psicologia. Ma ciò che qui Mannheim dice di fondamentale può essere riassunto con le sue stesse parole: «Fino a che punto è possibile dedurre dalla struttura della sistematizzazione della teoria della conoscenza sia l’uniformità [Einheitlichkeit] del pensiero epistemologico sia il Principium differentiationis che fa diventare possibile i diversi sistemi singoli?» (1970: 234). Ed ecco la ris­posta: «L’uniformità è garantita [gewährleistet] dalle correlazioni poste con assiomatica [axiomatiger] necessità; ma le differenze sono comprensi­bili partendo dal fatto che queste correllazioni ammettono logicamente mag­giori possibilità di risoluzione a causa del loro modo specifico di darsi [eigentümlichen Gegebenheitsweise]» (1970: 234). Così, la struttura logica della sistematizzazione epistemologica deve essere vista come l’asse portante di ogni tipologia e allo stesso tempo come la garanzia della sua possibilità. «La correllazione specifica di soggetto e oggetto, quindi, era, per l’ Erkenntnistheorie in genere, qualcosa costitutiva e data attraverso di essa [etwas Konstitutives und durch sie Gegebenes]» (1970: 234). La constatazione del rapporto tra loro e la sua risoluzione è compito di ogni teoria della conoscenza (1970: 234). Per esempio, nel caso specifico della teo­ria della conoscenza logica la correlazione fondamentale è quella for­ma‑contenuto, presa dalla sua scienza fondamentale, la logica, mentre in quella ontologica la correlazione diventa quella tra sostanza e contenu­to, presa dalla teoria ontologica. Tuttavia, queste sono correlazioni su­pplementari a quella che, invece, è costitutiva. Come direbbe Mannheim: se «abbiamo riconosciuto la correlazione fondamentale soggetto‑oggetto come caratteristica specifica della teoria della conoscenza, tuttavia, la realizzazione del suo contenuto concreto non è prodotta da essa. Ques­ta viene sempre chiesta in prestito a quella disciplina che per l’anali­si funge da Grundwissenschaft» (1970: 236) .

Fin qui ci siamo mossi per raggiungere uno degli scopi di ogni teoria della conoscenza, quello analitico, cioè l’analisi di ogni conoscenza possibile in modo da scoprire le sue premesse ultime. Analizzare ogni conoscenza possibile significa collocarsi da un punto di vista trascendentale per, così, determinare la struttura stessa, l’invariante di ogni cognizione; cioè significa analizzare il meccanismo stesso della conoscenza in genere. Questo l’abbiamo fatto arrivando alla caratterizzazione della correlazione soggetto‑oggetto, sua funzionalità e suoi elementi. Ma abbiamo anche visto come questa correlazione si determina nella realtà dal punto di vista contenutistico attraverso il ruolo svolto dalle premesse ultime della conoscenza ‑ logiche, psicologiche o ontologiche ‑, secondo quale di esse svolga un ruolo dominante come schema di riferimento per la concreta teoria della conosceza specifica in questione, e quale di esse possa fungere da sistematizzazione primaria (Ursystematisierung) dominante sulla quale poggia la sistematizzazione epistemologica. Quest’ultima ha una struttura invariante il cui contenuto cambia tuttavia a seconda che questa o quella sistematizzazione primaria di una scienza fondamentale occupi il posto dominante in seguito a ciò che Mannheim chiama Primatstreitlotta per la priorità.

Trattasi, ora, di raggiungere l’altro scopo della teoria della conoscenza come tale, cioè quello valutativo: di verificare se queste premesse ultime possono garantire le cognizioni fondate su di esse in modo che venga fuori una conoscenza vera (eine wahre Erkenntnis) (1970: 235), una conoscenza valida. In altre parole, di valutare le premesse ultime. In realtà, per Mannheim, «con l’Erkenntnistheorie si pone, allo stesso tempo, un compito di analisi e uno di valutazione [Wertung] » (1970: 235).

Nell’ultima parte di Die Strukturanalyse der Erkenntnistheorie Mannheim prende in considerazione il problema della valutazione (Wertung), l’analisi strutturale della valutazione epistemologica. Si tratta, quindi, di valutare la conoscenza­ (Ekenntnis) riferendola al valore verità. Le concrete cognizioni mera­mente descrittive, originariamente fuori dall’interesse epistemo­logico, sono fatti ontologici, psicologici o logici. Non contengono, in­sita, nessuna valutazione, prima che vengano presi dalla erkenntnistheoretische prospettiva, dalla gemischte Systematisierung. Sono me­re proposizioni non ancora riferite al valore verità e, più specifica­mente, a um valore‑standard di verità, a un Massstab di valore di veri­tà, come criterio di conoscenza, essendo i possibili criteri tre:

1. corrispondenza: «ogni proposizione che corrisponde alla realtà, all’essere deve valere come vera»;

2. necessità logica: «ogni proposizione che è pensata con necessità logica (conforme alle forme logiche) deve valere come vera» ‑ Richtigkeit;

3. evidenza: «ogni proposizione che è accom­pagnata da un pieno sentimento di evidenza deve valere come vera» (1970: 236).

Il criterio scelto dipende dal risultato della Primatstreit che precede l’adozione di una teoria della conoscenza spe­cifica, cioè dalla scelta delle premesse ultime della conoscenza, ovvero di sapere se esse sono ontologiche, logiche o psicologiche. 
Ma allora il valore epistemologico è importato dalle scienze fondamentali, dall’esterno? No! Il valore‑verità rimane sempre uguale in ognuno dei criteri. Quello che cambia é soltanto il Massstab. O, più spe­cificamente, ognuno dei criteri surriferiti contiene tre importanti fatto­ri: das Bewertete, cioè ciò che è valutato; der Wert, che deve valere co­me pieno di valore in rapporto a ciò che è valutato; un terzo membro che offre la misura (Massstab) per la valutazione da compiere. I due primi membri non cambiano in tutti e tre criteri di verità: das Bewertete è sempre la proposizione; der Wert, al quale è collegata, è quello della verità; solo der Massstab è diverso secondo il caso (1970: 236‑7). Come dice Mannheim: «Ciò che non cambiava in ognuno dei criteri era il valore della verità, il sottostante variabile solo der Massstab» (1970: 240).

In qualsiasi criterio di verità troviamo, quindi, due invarianti: la proposizione, a cui si riferisce il valore verità; il terzo elemento, quello che cambia, è la misura di valore Wertmassstab, essendo la sua variabilità funzione delle premesse ultime fornite dalla scienza fondamentale che fornisce il contenuto agli elementi della correlazione.

Le scienze fondamentali che sottostanno ad ognuno di questi criteri non possiedono, come tali, valori. Neanche la logica. Solo quando siamo davanti a ein zu Erreichendes (1970: 242) viene fuori la valutazione o la norma. Come dice Mannheim: «Nella sistematizzazione logica, ontologica, psicologica non c’è niente WertvollesNormatives che rimanga in mezzo a loro. Un nesso [Zusammenhang] in sé consistente diventa misurabile [massstäblich], pieno di valore, solo se visto dal punto di vista di un’altra, di una sistematizzazione estranea [e dal valore fornito da essa]. Ogni semplice stato di fatti [Tatsachenzusammenhang] può diventare valutabile, normativo per il fatto di essere messo in rapporto con un valore dal punto di vista di un altro contesto (Zusammenhang), di collocarlo come qualcosa da essere raggiunta» (1970: 242). Si capisce, perciò, che ogni valutazione debba contenere una Bezogenheit (relatedness). La teoria della conoscenza é appunto una sistematizzazione specifica proprio perché essa fa diventare possibile questa posizione al di fuori dalle sistematizzazioni universali; da qui, mettendo in rapporto i nessi (Zusammenhänge) puramente dati con il suo (della teoria della conoscenza) valore caratteristico, riesce a trasformarli in soggetti [matters] di valore (werthaften), in misure di valore (Wertmassstäben) (1970: 243).

Quindi, il carattere teleologico della conoscenza è dato dalla teoria della conoscenza. È questa che introduce la dimensione valutativa nelle proposizioni puramente descrittive delle Ursystematisierungen.
In sintesi, e come afferma Mannheim, la teoria della conoscenza deve la sua coerenza specifica ‑ nonostante la sua dipendenza da scienze fondamentali ad essa estranee ‑ a tre fattori fondamentali: 1. a un’ impostazione specifica; 2) a un valore sui generis; 3. a un suo rapporto ultimo specifico fondamentale (la correlazione soggetto‑oggetto) la cui posizione è assiomatica e che deve realizzarsi unendosi interamente alla sfera teoretica [necessaria per l’integrazione della sfera teoretica] (1970: 244 ;1969: 72).

Il valore‑verità della teoria della conoscenza introduce la dimensione valutativa nelle semplici proposizioni delle Ursystematisierungen che vengono trasformate secondo lo schema di riferimento della correlazione fondamentale soggetto‑oggetto. Cioè la correlazione fondamentale trasforma le proposizioni teoretiche in conoscenze alle quali si applicano i diversi criteri di verità secondo l’affermazione di questa o quella scienza come Grundwissenschaft.

La teoria della conoscenza possiede, cosí, una natura costruttiva, é una konstruierende Wissenschaft, una costruzione in opposizione ad una descrizione immediata. Questo lo abbiamo verificato quando abbiamo esaminato la costituzione dei diversi Ichbegriffe. Siamo, quindi, davanti ad un vero e proprio schema di riferimento.

Che conclusioni possiamo ricavare da quanto abbiamo detto finora?

a. che siamo davanti ad un testo non storicistico, giacché il temporale si presenta come un mero mezzo per 1’attualizzazione della verità extratemporale.

b. che la teoria della conoscenza si presenta come lo schema di riferimento unitario che finalizza le cognizioni empiriche delimitate dalle tre scienze fondamentali: logica, psicologia e ontologia.

c. che la teoria della conoscenza è una scienza costruttiva, così come nella sua Systematisierung il soggetto è un costrutto.

d. che questo soggetto corrisponde al modello del soggetto delle scienze naturali, cioè si distingue da quel soggetto delle scienze storico-sociali a cui si riferiscono i testi del dopo ’23.

La sociologia della conoscenza

Il nocciolo teorico della mannheimiana sociologia della conoscenza risiede senza dubbio nel tentativo di superamento dei criteri assolu­ti di fondazione della validità o del significato, attraverso la messa a punto di un meccanismo di funzionalizzazione (Funktionalisierung) del rapporto tra essere e pensiero, concepito come connessione obbligata dopo che entrambe le sfere si sono rispettivamente autonomizzate, ad opera del positivismo, la prima, e dell’apriorismo formale, la seconda. [A questo riguardo, nella replica di Habermas ad un pamphlet di Hans Albert – Vários, 1972: 229-259 – si può confermare la consapevolezza che Mannheim aveva, nonostante tutto, del problema della validità e anche la vicinanza della sua posizione – esposta nello scritto del 1925 – a quella dello Habermas critico del razionalismo critico di Popper e di Albert].

Lo scritto del ’22 non risponde, infatti, a questa esigenza di storicizzazione della validità, neanche nello stesso campo storico‑sociale, poiché Mannheim cerca di trarre la validità del pensiero teorico sulla storia da una logica statica basata su principi atemporali e, quindi, incondizionata. La storia, infatti, non è, qui, che un semplice mezzo o strumento per la materializzazione di una sfera trascendentale e intemporale, dei diversi punti di vista ancorati in una Ragione intemporale. Perciò, la sociologia non può svolgere un ruolo con dignità concettuale, giacché rimane ad un livello soltanto empirico o subalterno. Se la storia svolge un ruolo puramente strumentale, la sociologia non potrebbe farne di più. Non viene nemmeno considerata come scienza fondamentale a cui può riferirsi la teoria della conoscenza. Invece, nel periodo storicistico essa svolge un ruolo fondamentale nella verificazione della validità delle forme mentali, dei cosiddetti stili di pensiero, nella valutazione dei significati.

Si tratta, infatti, di un’opera prestoricistica.

Proprio perciò il primo scritto che veramente imposta il problema del condizionamento storico‑sociale dei significati è quello del 1923, Beiträge zur Theorie der Weltanschauungs‑Interpretation. Viene fuori, qui, esplicitamente l’importanza del senso (Sinn) nella determinazione della natura della conoscenza nelle scienze storico‑culturali rispetto a quelle naturali ed esatte. Ad esempio: mentre l’oggetto naturale si presenta sempre in un contesto fisico spazio‑temporale o nel mero mondo psichico‑temporale (in der bloss zeitlichpsychischen Welt), 1′ oggetto culturale (Kulturobjekt) è sempre una formazione di senso (Sinngebilde) (Mannheim, 1970: 105).

Il concetto di senso ‑ assieme al concetto di totalità semplice – dominerà l’impostazione mannheimiana sulle scienze storico‑sociali, pur subendo l’interferenza di contesti teorici che cambiano durante la sua riflessione. E questo fatto, cioè la presenza costante del tema del senso, eserciterà un’influenza decisiva sul rapporto tra essere e significato nelle scienze storico‑sociali. «Così, l’analysis of meanings sarà il centro della nostra tecnica», come si può leggere nell’opera sul pensiero conservatore (Mannheim, 1969: 74-164).

Questo concetto, da un lato, rinvia, come sappiamo, a Dilthey e traduce quel nesso interno tra l’io e il mondo che avviene nel Verstehen storico‑sociale, nella “sympathetic intuition” (M. Ginsberg). Si tratta della specificità del mondo storico‑sociale, il vero mondo degli uomini – «Die Gesellschaft ist unsere Welt», afferma Dilthey in Einleitung in die Geisteswissenschaften, del 1883 -, per opposizione all’estraneità della natura – «Die Natur ist uns fremd» (Dilthey, 1959: I, 36). La natura va spiegata (erklären) – ha una validità formale -, non compresa (verstehen). La natura si dà analiticamente alla teoria, si scompone e si ricompone astrattamente e può essere astrattamente valida. La società si dà unitariamente, como totalità, in un nesso di senso finalisticamente penetrato dalla vita stessa che intercorre tra il soggetto e il mondo. In questo collegamento intimo si attua, mediante la volontà, il processo di trasposizione (Übertragung) (1959: I, 20) del soggetto attivo nel mondo, dando vita a fatti (avvenimenti) e ad esseri spirituali [geistige Tatsachen e geistige Wesen], portatori di senso, espressioni dei fini della vita umana [menschliche Lebenszwecke] (1959: I, 64) i quali sono le vere forze formatrici [Bildungskräfte] della società. La validità è, quindi, penetrata finalisticamente.

Dall’altro, l’emergenza della tematica del senso come discriminatrice della metodologia delle Geisteswissenschaften rispetto alle Naturwissenschaften esprime l’emergenza storico‑sociale e istituzionale moderna della volontà o soggettività storico‑sociale che si esprime non soltanto nelle opere letterarie, nella scrittura, nell’arte o nell’agire comunicativo, nella scienza e nella tecnica, ma anche negli istituti storico‑sociali politico‑giuridici, non organico‑naturali, costruiti dalla moderna soggettività giuridicamente libera e in grado di dare forma a concreti istituti materiali.

La tematica del senso ha in queste idee centrali il suo nucleo razionale. Mannheim riprende Dilthey in modo assai evidente nel testo del ’23 surriferito, in Historismus, del ’24, ma anche in Ideology and Utopia, proprio nel testo scritto in inglese per l’edizione del ’36: «here that approach which, following Dilthey, I should like to designate as the understanding of the primary interdipendence of experience [das verstehende Erfassen des “ursprünglichen Lebenszusammenhanges”] comes into its own» (Mannheim, 1972: 40).

In Historismus, analizzando le posizioni di Troeltsch, distingue le scienze culturali o storico‑sociali dalle scienze naturali, esattamente come il Dilthey di Einleitung in die Geisteswissenschaften, poggiando la distinzione sul medesimo concetto di soggetto teorico. Il soggetto delle scienze storico‑sociali è l’unico soggetto reale che, proprio per questo, penetra finalisticamente l’oggetto di cui partecipa in quanto elemento organico della totalità vitale e, quindi, penetra anche lo stesso atto cognitivo. Invece, il soggetto delle scienze naturali è irreale, mero costrutto/complemento dell’oggetto, semplice funzione delle oggettivazioni scientifiche astrattamente ricostruite, da questo puro soggetto teorico. Ne risulta, quindi, una validità meramente formale, mentre il processo cognitivo nelle scienze storico-sociali viene pervaso dall’organicità del rapporto soggetto‑oggetto.

Questa era, come abbiamo visto, l’impalcatura teoretica della tesi del ’22 per ciò che riguardava il soggetto in genere, compreso il soggetto della psicologia come scienza fondamentale.

Se è vero che il soggetto storico‑sociale è un elemento dinamico all’interno della totalità storico‑sociale, e non essendo una mera funzione dell’oggetto naturale, allora la sua collocazione all’interno di quella totalità (der geschichtsphilosophische Standort des Betrachters) dovrà interferire nello stesso processo cognitivo, cioè proprio nelle «categorie della comprensione dell’oggetto, nel principio di scelta e sua direzione» [in die Kategorien der Gegenstandserfassung, in das Auswahlprinzip und dessen Richtung], «nel senso delle categorie costitutive della comprensione dell’oggetto» (im Sinne der konstitutiven Kategorien der Gegenstandserfassung) (Mannheim, 1970: 267). Ne consegue un circolo interno obbligato tra aspirazione e conoscenza, in quanto parti della stessa totalità (ein inniger Zirkel zwischen Wollen und Erkennen besteht, wie sie gleichsam Teile derselben Totalität sind) (1970: 269), e altresì ne discende la pregnanza della posizione storico‑filosofica (sociologica) ‑ Standortsgebundenheit ‑ e delle aspirazioni pratiche dell’uomo ai fini del processo cognitivo (1970: 269). La pregnanza della posizione dell’osservatore‑soggetto (des Betrachters) scaturisce evidentemente dalla sua presenza all’interno dell’oggetto stesso (soggetto‑totalità‑oggetto), dalla sua partecipazione attiva alla vita dell’oggetto, cioè alla vita storico‑sociale.

Chiave di volta di tutto questo processo è, quindi, il concetto di totalità vitale‑sociale, organica, che media lo stesso atto cognitivo, il rapporto tra il soggetto teorico e il soggetto storico‑sociale (oggetto) che si esprime nelle oggettivazioni di senso, cioè il rapporto tra il soggetto teorico e le oggettivazioni di senso, i prodotti o opere socio‑culturali che risultano dall’azione della volontà dei soggetti storico‑sociali o soggettività sociale.

L’essere sociale è così investito da questo nesso finalistico di senso che risulta dall’emergenza sociale della volontà e che, quindi, permea – come il sangue le arterie ‑ tutta la totalità sociale, configurandola come una totalità dotata di senso. Il senso investe l’essere attraverso l’emergenza della volontà.
In questo modo, però, Mannheim non sarà in grado di andare oltre differenziazioni meramente ermeneutiche all’interno della totalità stessa, in quanto totalità organica significante, Gestalt, che si dà immediatamente in una intuizione e in modo non‑differenziato! [Nello scritto del ’23 surriferito le differenziazioni ermeneutiche interne che riguardano il Sinn delle oggettivazioni culturali, cioè quelle tipicamente dotate di senso, perché risultanti dall’intervento della volontà ‑ quale molla della storia, direbbe Dilthey ‑ all’interno del processo finalistico quale è l’azione sociale, sono tre: senso oggettivosenso espressivo e senso documentario; Manheim, 1970: 106-108].

In questa totalità non è possibile assegnare una collocazione positiva, sociologica, differenziata al soggetto perché essa è organicamente espressiva e il soggetto vi partecipa in modo diretto senza mediazioni, in quanto soggetto culturale. [Le mediazioni delle totalità di senso, o Weltanschauungen, e degli intellettuali sono false mediazioni perché scisse dal dato positivo empirico‑sociologico, ridotto a molteplice, indifferenziato].

Mannheim dovrà, in qualche modo, assumere (criticamente) la tradizione che più ha operato distinzioni a livello sociologico della totalità, cioè il marxismo e la teoria delle classi, dell’ideologia e della determinazione socio‑economica del pensiero. Lo scritto del 1925, Das Problem einer Soziologie des Wissens, mette in rilievo l’importanza del contributo marxista per la costituzione della sociologia della conoscenza, e cioè proprio la differenziazione economico‑sociale e ideale (ideologica) della totalità.

Mannheim, in questo importante saggio, descrive i momenti fondamentali della costituzione della sociologia della conoscenza: 1) autorelativizzazione del pensiero e della conoscenza; 2) emergenza del sociale e della sociologia; 3) funzionalizzazione economica del pensiero o apparizione della coscienza che smaschera; 4) aspirazione alla funzionalizzazione totale (1970: 321). E analizza le scuole teoriche che, in un modo o nell’altro, si sono avvicinate al nucleo centrale di questa nuova disciplina: positivismo ‑ marxismo incluso -, apriorismo formale, fenomenologia moderna (Max Scheler) e storicismo.

Nonostante il marxismo compaia come vero momento subordinato o fattore tra i fattori della costituzione della sociologia della conoscenza, non c’è dubbio che la teoria marxista dell’ideologia è il vero modello a cui si ispira Mannheim ed è il vero interlocutore dell’impostazione storicistica (Di1they ‑ Rickert ‑ Weber) del nostro autore. Ovvero: egli cerca di integrare la teoria marxista dell’ideologia in un contesto teorico più ampio che raccolga le conquiste teoriche del positivismo entro una prospettiva così ampia da farle coesistere con le conquiste della scuola aprioristica formale, cioè con l’affermazione dell’autonomia relativa del significato rispetto all’essere. La tematica del senso serve a questo scopo proprio perché facendo diventare espressivo il positum sociologico, riconvertendolo in nesso di senso, stabilisce un ponte tra quello e il mondo formale, per cui la sociologia della conoscenza può avviare il processo di funzionalizzazione del pensiero all’essere senza annullare le conquiste di quelle dottrine antitetiche e senza cadere in una teoria dell’ideologia che si limiti a mettere in luce la falsità delle idee, a smascherarle, funzionalizzandole direttamente alla sfera economica, alla sfera dell’interesse. La sociologia della conoscenza amplifica quest’angusta funzionalizzazione non solo perché essa si riferirà all’intera sfera dell’essere sociale, non solo economica, ma anche perché opererà con tutta la sfera ideale, non solo con le idee false. Questa operazione è, poi, possibile perché tra l’essere sociale e l’essere ideale intercorre un nesso finalistico di senso che li configura come sfere significative, socio‑ideali, storico‑ideali. La mediazione tra essere e pensiero viene, quindi, attuata dalle formazioni di senso (stili di pensiero, Weltanschauungen) e dai loro agenti, gli intellettuali socialmente svincolati, ma storicamente ed eticamente impegnati (engagiert) (1970: 378-381). Il carattere naturalistico ed irrazionalistico dell’interesse viene superato dalla sua integrazione storico‑sociale, cioè dal suo tramutamento e configurazione etico‑assiologica come elemento significante di una nuova totalità organica ed espressiva (dotata di senso).

Da questo momento, l’essere può fondare la validità o il significato solo se investito da questo finalismo etico‑assiologico, o meglio, se si configurerà storicamente e socialmente come sfera etico‑assiologica. La funzionalizzazione del pensiero all’essere non potrà più assumere un carattere deterministico o naturalistico. Sarà attuata, invece, attraverso la mediazione delle totalità di senso, o Weltanschauungen, che rappresentano la vita sociale, e degli intellettuali. L’atto cognitivo verrà, quindi, riferito, alle concezioni del mondo che, a loro volta, indirettamente ‑ perché elaborate da intellettuali socialmente svincolati ‑, verranno sociologicamente funzionalizzate, cioè messe in condizioni di delimitare un determinato gruppo sociologico. Si legge nel saggio sul pensiero conservatore: «At the heart of this method is the concept of a style of thought. The history of thought from this point of view is no mere history of ideas, but an analysis of different styles of thought as they grow and develop, fuse and disappear; and the key to the understanding of changes in ideas is to be founding in the changing social background, mainly in the fate of the social groups or classes which are the “carriers” of these styles of thought» (Mannheim, 1969: 74).

Questo processo di funzionalizzazione immanente e sociologica dei rapporti essere‑pensiero viene concepito da Mannheim anche con altre categorie più ampie di quelle che abbiamo visto: l’una è quella di totalità o unità sintetica storico‑temporale, l’altra è quella di conflittualità‑concorrenza (un’altra ancora è quella di generazione). Anche qui Mannheim cerca di superare la prospettiva marxista in quanto studia il tipo di rapporto esistente tra il conflitto teoretico‑culturale e il conflitto sociale. O più specificamente: la concorrenza ha come oggetto l’interpretazione generale dell’essere ed è, in ultima istanza, motivata dal bisogno di orientamento nel mondo [consenso, monopolio, concorrenza atomistica, concentrazione sono le fasi di formazione dell’interpretazione generale dell’essere] (1970: 575).

La presenza della concorrenza (nel pensiero) tra stili di pensiero o concezioni del mondo porta non soltanto alla loro polarizzazione, ma anche alla sintesi e, quindi, anche alla selezione storica per interpenetrazione delle totalità di senso. Essa provoca, inoltre, quello che Mannheim chiama cambiamento di funzione, immanente o sociologico, cioè il passaggio di concetti da un sistema di pensiero all’altro o il cambiamento di significato di un concetto quando questo viene adottato da un gruppo sociale diverso, cioè quando passa ad un sistema di pensiero non solo diverso, ma che si riferisce ad un gruppo sociale diverso da quello a cui si riferiva il sistema precedente.

Mannheim e il marxismo

É evidente l’influenza dominante del marxismo sul modello della sociologia della conoscenza mannheimiana. Si trattava, per Mannheim, fondamentalmente di introdurre una maggiore apertura della teoria rispetto al riduzionismo positivistico del marxismo (volgare) che egli conosceva, cioè un marxismo appiattito su due o tre formule generiche, come risulta dall’analisi di tutti i testi in cui Mannheim si riferisce a Marx o al marxismo.

Mannheim sovrappone, quindi, ai concetti di struttura, determinazione economico‑sociale, interesse, riflesso, ideologia, i concetti di totalità, funzionalizzazione del rapporto essere‑pensiero, impegno, concorrenza‑conflittualità socio‑ideale, intellighentsia svincolata, mediazione, Weltanschauungen, stili di pensiero, totalità di senso/ideologia totale.

Sappiamo che Mannheim non conosceva gli importanti testi di Marx che sarebbero stati pubblicati dal 1927 in poi (Kritik des Hegelschen Staatsrechts, Ökonomisch‑philosophische Manuskripte aus dem Jahre 1844, Die deutsche Ideologie, Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie 1857-1858). La sua conoscenza del marxismo era davvero limitata se constatiamo i pochi scritti di Marx che vengono citati nei suoi lavori. Mannheim prendeva in considerazione piuttosto le formule generali di un marxismo ufficiale che si stava consolidando. Oltre Marx, cita qualche testo di Lenin e Fondamenti del leninismo, di Stalin. Si sa, invece, che l’influenza di Lukács è stata importante, anche come mediatore tra Mannheim e Marx. Il concetto di totalità che Mannheim attribuisce a Marx viene certamente assunto dal nostro autore sotto l’influenza di Lukács (si veda Geschichte und Klassenbevusstsein, del 1923), in quanto cioè viene assimilato al concetto hegeliano. Del resto, egli stesso conferma l’influenza di un uomo con cui per anni ed anni ha scambiato corrispondenza filosofica (De Luca, 1977).

Il tipo di lettura che Mannheim compie di Marx non cambia sostanzialmente in Ideology and Utopia, cioè permane il tentativo di precisare i termini del superamento della classica teoria dell’ideologia. Evidente a questo riguardo è il passaggio dal concetto parziale di ideologia al concetto totale di ideologia, che è nuovo, ma che riproduce il concetto di stile di pensiero (Weltanschauung o di totalità di senso).

In sintesi, mentre l’ideologia parziale riproduce i contenuti psichico-ideali dei singoli soggetti, l’ideologia totale s’identifica con la visione del mondo di un intero gruppo sociale. Quella si riferisce alle elucubrazioni individuali, per usare il linguaggio di Gramsci, questa ad una concezione storicamente radicata in un intero gruppo sociale. Ci riferiamo al saggio del 1931, Wissenssoziologie. Il problema della sociologia della conoscenza riguarda quest’ultimo concetto, la sua funzionalizzazione sociologica, e si esprime epistemologicamente nel concetto di prospettiva, cioè, in Ideology and Utopia, nel modo «in which one views an object, what one perceives in it, and how one construes it in his thinking» (Mannheim, 1972: 244).

Prospettiva

Tuttavia, questo concetto Mannheim lo prende originariamente, in Historismus (1970: 272), dallo Husserl delle Ideen zu einer reinen Phänomenologie und phänomenologischen Philosophie (Husserl, 1976: I, 87-102; v. spec. §§ 41-46). Ma in modo palesemente contraddittorio!

Per Husserl solo gli esseri spaziali, visibili, le cose, possono darsi, presentarsi in prospettiva, per adombramenti (Abschattungen, profiles), mentre gli Erlebnisse si danno in modo immanente, assoluto, in una intuizione, quindi, mai per adombramenti. Per Mannheim, invece, questi Erlebnisse, i contenuti di vita storico‑spirituale, si danno in prospettiva, «in geistigen und seelischen Abschattungen» (Mannheim, 1970: 272), secondo la posizione dell’osservatore‑soggetto, mentre gli oggetti naturali, gli esseri cosali o spazio‑temporali e fisici, o meglio, le oggettivazioni scientifiche, si presentano rigide ed immobili davanti ad un soggetto (1970: 290-291) che, non essendo altro che una funzione o consapevolezza in sé, dedotta dall’oggettivazione scientifica – e qui Mannheim segue evidentemente il Dilthey dell’Einleitung -, non può, ovviamente, che riprodurre astrattamente la struttura stessa dell’oggetto.

Si tratta, quindi, di una doppia inversione rispetto alla natura dell’oggetto storico‑sociale (Erlebnis) e dell’oggetto cosale‑spaziale. La radice della contraddizione è la giustapposizione acritica di una prospettiva di matrice empirista, che ricorre al modello visualista o rappresentativista husserliano della conoscenza, con quella metafisico‑vitalista di matrice diltheyana, che fonda la conoscenza storico‑sociale sulla teoria della comprensione o intuizione interna simpatetica, cioè non staccata dall’oggetto stesso, come, invece, esige il modello visualista (opposta, quindi, all’Erklären). Per inciso, tengo a precisare che la «riduzione eidetica» husserliana é, in effetti, centrale nel processo di conoscenza. Ma che cosa è l’eidos? Proprio l’oggettivazione simbolica dell’atto di vedere, cioè una derivazione sostantiva dell’aoristo del verbo oráo (eídon).

Mannheim subisce fortemente l’influenza dell’apriorismo formale, della fenomenologia e dello storicismo tedesco e, perciò, vengono fuori contraddizioni che risultano dalla coesistenza della tendenza alla spiegazione sociologica positiva della conoscenza, per fondarne positivamente la validità, con quelle influenze teoriche menzionate, oltre che dalle contraddizioni tra queste stesse correnti teoriche. Si veda, come esempio, la critica mannheimiana all’apriorismo formale e alla fenomenologia scheleriana: il primo, accentuando positivamente la rilevanza della sfera della validità rispetto a quella dell’essere, tralascia l’unità organica tra queste sfere; la seconda pensa la struttura in termini di istinti puramente naturali e, partendo da questo elemento estraneo al senso, e perciò non storico, cerca di capire ciò che storico è. Nella sociologia della conoscenza, invece, gli istinti (Triebe), nella struttura, si presentano già come forme storicamente determinate di senso (1970: 365).

Sottolineiamo ancora queste due idee centrali dell’operazione che Mannheim compie per non restare nel naturalismo positivista che egli attribuisce al marxismo: 1) essere e pensiero sono distinti, ma in connessione intima, in quanto attraversati finalisticamente dal senso; 2) gli istinti (Triebe), storicamente, sono già etico‑assiologicamente configurati come forme storicamente determinate di senso.

Sono queste due tesi che permettono a Mannheim di sublimare il naturalismo positivista dell’economicismo marxista.

L’assunzione sociologica del concetto di prospettiva si verifica soprattutto nel saggio del 1931, in Ideology and Utopia. Il modello visualista serve ancora a Mannheim, ma soltanto come termine analogico o mera metafora, in quanto la collocazione dell’osservatore possiede un carattere sociologico. Ma un carattere sociologico speciale: dotato di senso. E cioè l’osservatore è in relazione con le totalità di senso o ideologie totali, non essendo meccanicamente determinato né dalla pura natura (puri istinti naturali: Scheler) né dal puro interesse (economico: Marx), bensì dalla loro (interessi e istinti) configurazione storico‑sociologica spirituale come norme‑valori organizzati in sistemi, cioè in Weltanschauungen. Quindi, whichwhat e how dipendono fondamentalmente dalle configurazioni etico‑ideali della struttura sociale‑naturale. La prospettiva non rinvia, quindi, ad una qualsiasi soggettività empirica, ma alla soggettività sociale che si oggettiva e si esprime in queste configurazioni etico‑spirituali, in queste Weltanschauungen, e all’intellighentsia libera, socialmente svincolata. Solo così si può spiegare perché Mannheim caratterizza la prospettiva con criteri meramente interni ad un sistema di pensiero, cioè criteri solo indirettamente, o allusivamente, sociologici: «analysis of the meaning of the concepts being used; the phenomenon of the counterconcept; the absence of certains concepts; the structure of che categorial apparatus; dominant models of thought; level of abstraction; and the ontology that is presupposed» (1972: 244).

A questo punto la prospettiva direttamente sociologica sparisce e viene sostituita da quella etico‑culturale delle Weltanschauungen, o ideologie totali, cioè dalla configurazione etico‑culturale della posizione strutturale‑sociologica (naturale) dell’osservatore‑soggetto. Diventa difficile, quindi, negare la validità della critica di Merton che attribuisce a Mannheim l’assunzione acritica del rickertiano-weberiano concetto di Wertbeziehung (Merton, 1968: 559; e 543-562; Parsons, 1978: 138). Perciò, difficile sarà anche la risoluzione del problema della validità, dell’oggettività della conoscenza o della fondazione sociologica della validità, giacché, a differenza di Weber ‑ e avvicinandosi più a Rickert ‑, Mannheim assume la fondazione extra‑teorica della validità, almeno come fattore di relativizzazione.

La concorrenza-conflitto dei sistemi di pensiero sta a dimostrare che questi si oppongono e sono diversi, trovando la sintesi‑selezione solo quando un’epoca di concorrenza si presenta conchiusa.

Da un lato, nello scritto sulla concorrenza, del 1929 (1970: 610), Mannheim trova come criterio dell’oggettività o della sintesi globale prospettica, la funzionalità etico‑ideale, l’utilità, in quanto le sintesi vengono compiute secondo la maggiore o minore funzionalità delle prospettive per l’orientamento dell’uomo nel mondo. Dall’altro, la sintesi storica passata (compiuta) si presentava come il criterio storico‑ontologico di scelta, dell’oggettività, poiché la «sintesi significa selezione».

Ora, avrà la funzionalizzazione delle prospettive all’essere storico‑sociale presente lo stesso valore che ha la funzionalizzazione dei pensieri passati rispetto alle totalità del divenuto già concluso di cui si parla nello scritto del 1925?

«Nella misura in cui le epoche sono già concluse (…)», dice Mannheim, «e il divenuto si presenta come totalità, la funzionalizzazione dei pensieri passati in rapporto al divenuto è possibile» (1970: 368-369). Però, per ciò che riguarda l’essere storico-sociale presente, a meno che la totalità presente sia scientificamente ben determinata e differenziata, non è possibile condurre una simile operazione. Solo considerando il presente sempre come totalità già conclusa e la storia come aggregato di assoluti, cioè compiendo l’ipostasi illegittima del presente, sarebbe possibile condurre un’operazione simile a quella che, forse, è la premessa fondamentale della ricerca storica.

Nel presente, stili di pensiero diversi sono ugualmente validi al livello del riconoscimento della loro struttura immanente e del loro carattere funzionale e relazionale. Così, è possibile tradurre «the results of one (sistema di pensiero) into those of the other, and to discover a common denominator for those varying perspectivistic insights» (172: 270). Arriviamo, così, ad un criterio di validità o oggettività sostanzialmente come intersoggettività, cioè alla scoperta di una struttura etico‑spirituale fondamentale dominante e semplice nella quale si possano riconoscere i soggetti sociali a cui corrispondono diversi sistemi di pensiero e alla quale la loro struttura immanente può essere funzionalizzata.

Ma questi fondamenti dell’oggettività possibile della conoscen­za non annullano per Mannheim l’esistenza di criteri di distinzione tra prospettive. Criteri che, tuttavia, sono meramente empirici perché poggiati su valori storicamente contingenti. «As in the case», afferma Mannheim, «of the visual perspective, where certain positions have the advantage of revealing the decisive features of the object, so here pre‑eminence is given to that perspective which gives evidence of the greatest comprehensiveness and the greatest fruitfulness in dealing with em­pirical materials» (1972: 271). Quindi, sempre analogicamente con la pro­spettiva visuale, nella prospettiva vi sono criteri di rilevanza: «the greatest comprehensiveness e the greatest fruitfulness in dealing with empirical materials», proprio come le decisive features erano fon­damentali nella prospettiva visuale. Essendo la «più grande compren­sività» e «fecondità» nel trattamento del materiale empirico cri­teri interni alla prospettiva, dipendono anche loro dal tipo di siste­ma etico‑ideale che li fonda, sistema che a sua volta rinvia all’essere storico‑sociologico, ai gruppi sociologici etico‑idealmente determi­nati. Ma proprio perché anche la realtà sociologica empirica è etico­‑idealmente determinata, delimitata, scelta, i valori si sovrappongo­no alla realtà empirica che, così, ne è costituita. Dipende, quindi, dai valori l’estensione e la profondità della comprensione raggiunta in una determinata prospettiva. Si ritorna sempre al binomio Rickert-Weber .

In Ideology and Utopia Mannheim sottolinea insistentemente il carattere sociale, collettivo, profondo del senso che penetra o si esprime in ogni pro­spettiva. O meglio: quell’idea di comunanza significativa del sog­getto con l’oggetto storico‑sociale, di syn‑patheia tra loro, viene qui assunta come partecipazione materiale nella vita sociale colletti­va. Sottolinea, quindi, il carattere materiale‑sociologico della col­locazione della prospettiva e del soggetto – quasi riprendendo quel Lukács di Geschichte und Klassenbewusstsein che faceva dipende­re la validità di un sistema di pensiero dalla posizione strutturale dell’osservatore‑soggetto rispetto alla totalità (storico‑sociale) -, accentuando l’ «inconscio strutturale» o l’irrazionalità oggettiva di questa posizione strutturale rispetto alla totalità. Ebbene, anche Mannheim riconosce esplicitamente la presenza e l’importanza di una irrazionalità strutturale, l’«incoscio collettivo». Tuttavia esso si fonda nella sfera impulsionale‑volitiva (vedi Scheler) della to­talità sociale, nelle azioni collettive, anziché, come nella prospet­tiva marxista, nella sfera economico‑sociale: “However, once the fact has been perceived that the largest part of thought is erected upon a basis of collective actions, one is impelled to ricognize the force of the collective unconscious. The full emergence of the sociological point of view regarding knowledge inevitably carries with it the gradual uncovering of the irracional foundation of rational knowledge » (1972: 28).

Al [«dahinter stehenden»] «sinnvoller Seinszusammenhang», di Ideologische und soziologische Interpretation der geistigen Gebilde, per esempio, a cui veniva funzionalizzata una formazione spirituale [geistiger Gehalt], si sostituisce qui, con l’emergenza del punto di vista sociologico rispetto alla conoscenza, l’inconscio collettivo, fondamento strutturale delle azioni collettive­ che esso penetra significativamente, e, perciò, emerge anche l’irrational foundation della conoscenza razionale insita in ogni azione sociale (conoscenza razionale – azione razionale – azione – inconscio collettivo). La determinazione extra‑teorica della conoscenza e della validità si trova nel fondamento pulsionale collettivo delle azioni sociali e, quindi, anche dell’azione cognitiva. Il senso che penetra la conoscenza teorica e l’azione sociale ha la sua radice ultima nell’inconscio collettivo: «When we speak», dice Mannheim, «of the fundamental intent of the mind (intentio animi) which is inherent in every form of knowledge and which affects the perspective, we refer to the irreductible residue of the purposeful element in knowledge which remains even when all conscious and explicit evaluations and biases have been eliminated» (1972: 266). Cioè, la presenza di questo residuo irriducibile dell’elemento finalistico (purposeful element) inevitabile che condiziona la prospettiva e, perciò, la conoscenza stessa, rinvia ad una sfera irrazionale istintuale‑volitiva che scatena le azioni storico‑sociali e le finalizza secondo valori pre‑teorici o pre‑razionali, secondo fini radicati nell’inconscio collettivo.

Il contesto ontologico dotato di senso viene qui espresso o tradotto nel linguaggio dell’inconscio collettivo, viene cioè riferito alle motivazioni strutturali della società, agli impulsi‑pulsioni collettivi.

Siamo, quindi, sempre davanti ad una fondazione irrazionale, o non‑razionale, del momento teorico e della sua validità, che non si identifica col momento dell’interesse economico marxista, ma con le motivazioni etico‑istintuali dell’inconscio collettivo ‑ quale struttura dotata di senso (istinti‑volizioni‑valori) ‑ presenti finalisticamente in ogni azione sociale e, quindi, nell’atto cognitivo stesso (come intentio animi). Mannheim si avvicina al weberiano concetto di azione sociale e allo scheleriano movimento pulsionale‑istintuale strutturale.

La validità viene, così, condizionata dalla sfera irrazionale, dal finalismo non razionale insito nella totalità della vita sociale e, perciò, la conoscenza dovrà essere funzionalizzata a questa sfera. Vi è, quindi, necessità di correlazione fra essere/esistenza e significato/validità, Sein e Geltung.

La presenza di questo finalismo strutturale significativo nell’atto cognitivo, di questa intentio animi, corrisponde alla presenza di impulsi volitivi configurati come fini‑valori che attraversano l’azione sociale e che, quindi, portano all’emergenza dell’attivismo del soggetto nella stessa sfera cognitiva: «In other words», afferma Mannheim, «the sociology of knowledge regards the cognitive act in connection with the models to which it aspires in its existential as well as its meaningful quality» (1972: 268; sottolin. mio) , come «an instrument for dealing with life‑situations at the disposal of a certain kind of vital being under certain conditions of life» (1972: 268).

Questa connessione tra aspirazione e significato nei fenomeni socio‑intellettuali, che li rende fenomeni qualitativamente unici, esige l’utilizzazione fondamentale della comprensione («the problem of perspectivism in the sociology of knowledge refers, first of all, to what is understandable in social phenomene») (1972: 273) proprio perché vengono penetrati finalisticamente e configurati come unità espressive («the wealth of unique») irriducibili a qualsiasi nesso causale e formale esterno.

La comprensione è, quindi, la forma di conoscenza propria di questo carattere unico, qualitativo ed espressivo dei fenomeni socio‑intellettuali. E ciò proprio perché in questi fenomeni si esprime un finalismo etico‑assiologico che emerge dal profondo della società, cioè dall’inconscio collettivo o dall’essere sociale dotato di senso.

La sociologia della conoscenza è, a mio avviso, una rielaborazione critica della teoria marxista dell’ideologia («the sociology of knowledge actualy emerged with Marx, whose profoundly suggestive aperçus went to the heart of the matter») (1972: 278 ), nonostante Mannheim la colleghi a diversi autori classici, come Nietzsche, Dilthey, Freud, Pareto, Jerusalem, Lukács e Scheler. Se l’impostazione marxiana del condizionamento spiega l’impalcatura di questa disciplina, il suo superamento si deve all’appropriazione mannheimiana delle tesi fondamentali del trinomio Dilthey-Rickert-Weber e, nel’ultimo periodo, forse di Freud, Lukács e Scheler.

L’impegno

Questa rielaborazione può essere riassunta così: il condizionamento sociologico del pensiero non è né meccanico né diretto perché solo le configurazioni di pensiero (stili di pensiero, Weltanschauungen, totalità di senso, sistemi di pensiero) si possono collegare o, meglio, funzionalizzare alle configurazioni storico‑sociali. Ma questa funzionalizzazione viene fuori attraverso una mediazione, per così dire, socio‑intellettuale, cioè attraverso l’intellighentsia libera, socialmente svincolata (1972: 10-11). Così, la marxista mediazione psichico-sociale dell’interesse economico viene sostituita dalla più ampia mediazione etico‑culturale dell’impegno (Engagierung) verso una determinata concezione del mondo (Weltanschauung), anziché verso particolari impulsi egoistici di possesso (interesse). Questo si spiega con il rifiuto mannheimiano dell’assunzione naturalistica o positivistica di una struttura che, invece, secondo Mannheim, si presenta già come storia etico‑culturalmente e assiologicamente configurata, cioè dotata di senso (sinnvoll). Quindi, né lo Scheler degli istinti puramente naturali (scissi dalla gerarchia dei valori) né il Marx del puro interesse positivistico!

Da qui l’ importanza che assumono le totalità di senso, le Weltanschauungen, per la costituzione o composizione di quella vita sociale originaria dotata di senso che coinvolge, in una sola totalità di matrice hegeliano‑diltheyana, il soggetto storico‑sociale, o meglio, la soggettività sociale.

Cioè, in Mannheim la vita sociale si presenta già configurata storicamente in delle totalità di senso, nelle quali sono impegnati gli intellettuali liberi da ogni vincolo sociale‑strutturale. Queste totalità rinviano alle configurazioni sociali‑sociologiche (gruppi sociali, classi) attraverso la mediazione socio‑ideale, cioè attraverso gli intellettuali. Questo vuol dire che i soggetti empirici, sociali, si possono riconoscere come soggetti storici solo se si richiamano a quelle totalità, così come gli intellettuali si inverano socialmente solo se si assumono come agenti attivi di queste concezioni del mondo. Sono queste il vero medium tra soggetto e essere sociale. Così, il processo di conoscenza teoretica non può essere attuato fuori da questa sfera mediatrice etico‑culturale che rappresenta a tutti gli effetti l’essere storico‑sociale dotato di senso [l’essere in sé, puramente naturale o positivo, non esiste o non è conoscibile, a meno che non sia in rapporto con l’uomo, quindi già dotato di senso]. Da qui il condizionamento del pensiero secondo la collocazione sociologica ‑ ma rispetto ad uno stile di pensiero o Weltanschauung ‑ e, quindi, la storicizzazione della validità, cioè il collegamento necessario tra essere e significato o validità.

La prospettiva relazionale si traduce, quindi, nella scoperta di quanto di finalistico (e quindi etico‑assiologico) c’è nella conoscenza teorica storico‑sociale, in quanto il soggetto teoretico sussiste anteriormente come partecipe della vita sociale e, quindi, di una determinata concezione del mondo. La determinazione sociologica è, per così dire, sovrastrutturale perché il residuo finalistico irriducibile che si innesca in ogni conoscenza, la intentio animi, ha un carattere etico‑assiologico istituzionale, cioè impulsivo‑volitivo (per l’orientamento nel mondo), ma già configurato come totalità di senso, come sistema etico‑culturale di valori.

In questo senso la conoscenza dell’oggetto storico‑spirituale non si limita alla determinazione dei meri nessi formali, ma vuole la totale comprensione (Verstehen) dei nessi di senso in esso insiti. Si trata, quindi, di svelare la complessità significativa che avvolge ogni atto cognitivo, ogni cognizione storico‑sociale (si veda il caso della politica).

Conclusione

A questo punto, come abbiamo detto, si torna a Weber e a Rickert, cioè, grosso modo, alla Wertbeziehung. Solo che in Mannheim le totalità di senso condizionano sociologicamente la validità: con la relativizza­zione essa perde il suo valore assoluto in quanto si rivela funzionale a un determinato ordine socio‑intellettuale. Mentre per Weber il valore, selezionando gli oggetti storico‑sociali, non interferiva nella validi­tà delle imputazioni e, per Rickert, i valori ultimi (in una ontologia assiologica) presentavano l’eventualità di una fondazione ultima del­la validità, con Mannheim il relativismo diventa più forte.

Paradossalmente, possiamo trovare in questo Mannheim una coincidenza teorica molto significativa con il Mannheim di Die Strukturanalyse der Erkenntnistheorie: nonostante egli affermi il carattere attivo del soggetto storico‑sociale, in realtà questo viene costituito dall’attività mediatrice delle totalità di senso, giacché la sua cosiddetta collocazione sociologica é in realtà una collocazione etico‑culturale e assiologica, non avendo vera consistenza empirica. Proprio come quel soggetto che diventava, nella tesi di dottorato, complemento delle oggettivazioni scientifiche, qui diventa complemento delle totalità di senso.

Ma, stando così le cose, sotto l’apparente storicismo sociologico si nasconde un neokantismo tanto più inconfessato quanto Mannheim, da un lato, si rivendica suo critico e, dall’altro, si ispira ad una teoria che ne é direttamente opposta, cioè un marxismo che può, sì, essere superato dalla sociologia della conoscenza a patto di non ricadere nel kantismo aprioristico o in un ontologismo assiologico neokantiano. Inoltre, la sociologia della conoscenza conserva esplicitamente come sottofondo un concetto irrazionalistico e organicista della totalità vitale, non articolato, e che, perciò, non può vagliare delle differenziazioni teoriche funzionali. Insomma, questa totalità si presenta come un immenso campo indifferenziato (inconscio collettivo) che bisogna svelare progressivamente, cioè al quale bisogna rinviare ogni determinazione teorica, per così fondare la sua validità storicistica. Questa totalità vitale si configura soltanto in delle totalità di senso in con­correnza tra loro (e tra i loro agenti specifici, gli intellettuali), non differenziate secondo criteri teorici e soggette alla selezione natu­rale della sintesi storica che deriva dalla concorrenza. Se è vero che l’altra condizione strutturale della vita sociale, accanto alla concorrenza, è il fenomeno delle generazioni (1970: 509-565), allora questa totali­tà sociale, nelle sue manifestazioni socio‑spirituali, esprime un libe­rismo organicisticamente fondato, cioè le sintesi storiche provengono dalla libera lotta‑concorrenza tra stili di pensiero che si collegano sostanzialmente col fenomeno storico‑biologico delle generazioni. Così si potrebbe identificare, storico‑sociologicamente, il metodo della stessa sociologia della conoscenza con il primo liberismo economico.

Ma, a mio parere, la difficoltà fondamentale di Mannheim sta nel fatto di aver sublimato neokantianamente il contributo marxista e lo stesso concetto di collocazione sociologica, riconvertendolo in collocazione etico‑culturale e assiologica (impegno), cioè nel fatto di ridurre la dimensione naturalistica dell’elemento sociologico alla mera dimensione etico‑culturale, al doppio livello delle formazioni spirituali e degli intellettuali sociologicamente svincolati.

Siamo qui davanti ad un tipico procedimento riduttivo che procede con un concetto negativo di una empiria che bisogna sublimare convertendola eticamente, di un atto che diventa norma o dell’essere che diventa dover‑essere, tralasciando, quindi, l’autonomia e la positività dell’empiria e cioè compiendo, in questo caso, um ritorno alle posizioni pre‑weberiane. Un Weber a cui dobbiamo senz’altro l’attribuzione (non totale, vincolata al concetto, di matrice kantiana, ma anche hegeliana, dell’empiria come generalità indifferenziata) di dignità specifica al materiale empirico, separato metodologicamente, nel processo di imputazione, dai valori. E, così, Mannheim ha dovuto ridurre gli istituti storico‑sociali dotati di senso alle sole configurazioni etico‑culturali senza poter prendere in considerazione, proprio per questo pregiudizio, gli altri istituti storico‑sociali che, essendo dotati di senso, possono integrare positivamente quell’empiria, configurando istituzionalmente determinati elementi specificamente naturalistici. Cioè se gli impulsi‑volizioni si configurano come valori, anche la forza‑energia naturale si può configurare istituzionalmente e tecnicamente come apparato o strumento di esercizio sociale della violenza (naturale): le macchine, ma anche lo Stato (esercito‑polizia) e il diritto (tribunale‑prigione), in senso meramente strumentale.

Solo la considerazione di questi istituti ‑ ma anche di altri a carattere civile‑privato ‑ avrebbe potuto portare Mannheim ad una corretta determinazione non sublimata del carattere storico‑sociale del pensiero (in quanto questo costituisce, al pari dell’elemento naturale, un istituto storico‑sociale compiuto) che non eliminasse il contenuto socio­logico delle formazioni spirituali e che gli impedisse di concepire la determi­nazione sociale solo in termini allusivi e, perciò, come mero esempio o mero principio cognitivamente vuoto.

È proprio questa l’operazione che egli conduce rispetto al marxismo, il quale – nonostante determini la problematica della sociologia della conoscenza e costituisca il suo riferimento costante – viene, per così dire, indige­rito da questa disciplina per la presenza della tematica del senso, riduttrice abusiva di ogni materiale empirico a carattere naturalistico.

Mannheim dimentica, però, che non soltanto la dimensione volitiva della vita sociale si configura significativamente, o meglio, si configura istituzionalmente, ma che anche la natura si configura socialmente, organizzandosi e integrandosi negli istituti storico‑sociali. L’essere sociale è dotato di senso non solo in quanto si esprime come formazione spirituale, ma anche in quanto si esprime negli istituti storico‑materiali, accanto alla natura socialmente configurata.

Mannheim rifiuta il concetto di un mondo puramente naturale ‑ come rifiuta il concetto di formazione puramente ideale ‑, e in questo si avvicina a Gramsci, ma è condotto ad un radicalismo pressoché totale quando riduce e quasi annulla quel mondo naturale nella sfera etico‑volitiva assiologicamente configurata, non prendendo in considerazione il mondo più specificamente e ampiamente sociale – non solo psichico‑morale – della vita sociale‑collettiva e naturale, cioè la costituzione formale-materiale o materiale‑istituzionale dei valori stessi e delle forze naturali come forme o istituti formali materialmente configurati e, quindi, dotati di autonomia specificamente sociale rispetto sia al mondo ideale che al mondo naturale.

Solo attraverso questa mediazione storico‑istituzionale determinata e ambivalente sarebbe possibile funzionalizzare efficacemente il binomio pensiero‑essere, senza sussumere involontariamente a vicenda l’uno nell’altro operando acriticamente una tautologia.

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