TEMPO
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “La Peccatrice”, JAS 2023. Este poema integra um conjunto de sete que estão expostos, ao lado das pinturas que os ilustram, nas paredes das salas do Museu da Guarda que acolhem a minha Exposição individual “Luz no Vale”, de 51 pinturas, que está acessível ao público até 7 de Abril. Esta associação entre pinturas e poemas pretende ilustrar o processo sinestésico que adopto no meu trabalho criativo. Fevereiro de 2024.

“La Peccatrice”, 2023. JAS. 02-2024
POEMA – “TEMPO”
QUE FARIA Se te encontrasse, Olhos nos olhos, Numa margem Deserta Do nosso passado? QUE TE DIRIA Se te visse Caminhar, Airosa, Mas circunspecta, Ali mesmo A meu lado, Com esse rosto Tão belo, Tão brilhante, Acetinado? NÃO SEI, Porque não sei O que o tempo Fez de nós, Se petrificou Nas encostas Da memória A tua tão bela Imagem, Ficando Ainda mais sós Nesta já longa Viagem. TALVEZ ENCONTRO Impossível, Porque o tempo Transbordou E apagou As margens Do rio que Navegámos Entre escolhos Perigosos, Rápidos Sempre Imprevistos E como tu Revoltosos. MAS O RIO Já não tem água Nem murmúrios De corpos Por ela abaixo A vagar Até à foz Quente do mar, Melodia Do desejo A clamar Por um simples Lampejo Pra iluminar A viagem. E SE UMA FOZ Encontrasse Seria de um rio De palavras Em turbilhão A entrar Nesse teu mar Com a força Da paixão. MAS O NOSSO Já é um barco Fantasma Sem foz À vista E sem mar, Sem leito Pra navegar, Sem água Nem margens Para onde Transbordar. POR ISSO, Se te encontrasse Numa margem Deserta Desse tempo Já perdido Ou num porto De abrigo Do passado Que persigo Talvez eu Estremecesse, Mas seguiria Caminho, Com palavras E com contigo, Mesmo que fosse Sozinho.
