Artigo

NOTAS DO PRIMEIRO DE MAIO

Por João de Almeida Santos

Sil&Temp2023

“Tempo”. JAS 2024

1.

DO 25 DE ABRIL AO 1.º DE MAIO, uma semana de liberdade, o valor central das nossas vidas. Simbolismo a conservar. Pelo meio, o dia mundial da dança, que simboliza a liberdade e a leveza das almas e dos corpos em festa. Uma feliz conjunção. Um registo que nunca devemos abandonar, mesmo ou sobretudo no meio das maiores dificuldades. O registo da liberdade, dos direitos e da responsabilidade.

2.

Neste dia também devemos olhar para a nossa história na perspectiva de quem olha interessado para o passado, esse tempo bem ou mal conduzido pelos nossos antepassados. Mas passado que passou neste tempo que agora, sim, é nosso. Neste caso, trata-se de um passado mais próximo, aquele em que um punhado de heróis meteu mãos à obra e derrubou um regime onde a liberdade estava sufocada com a delação e a violência. Mas também este já passou. E passa tanto mais quanto nós soubermos construir o presente para um futuro melhor. Os historiadores ajudarão a olhar para ele, o passado, com a necessária distância, mas também com a objectividade possível, a que respeita a temporalidade histórica. A diferença temporal. A do passado que não volta e que só assim é possível revisitar. Diferença que é também uma diferença ontológica, da esfera do ser, não do nossa subjectividade, pessoal ou colectiva. Mas não – isso é que não -, não devemos olhar para o passado como pecadores colectivos que haverão de se resgatar, fustigando-se, chicoteando-se pelas remotas maldades cometidas e pagando eternamente o preço de os nossos antepassados terem agido em sintonia com o tempo em que viveram e que é diferente do nosso. Aprender com a história também é aprender a viver o presente com as lições do passado: corrigir os erros para melhorar o futuro. Mas não pretender mudar o passado com os remédios da redenção, como se fôssemos portadores de uma culpa original. E isso significa respeitar o passado, ou seja, fazê-lo passar, sobretudo quando ele teima em não passar nalgumas mentes alucinadas. A dos que cantam os feitos e a dos que cantam os pecados. Aquelas que querem conduzir o veículo da história olhando somente pelo retrovisor. Sabe-se bem o que acontece a quem conduz assim. Em Portugal, parece que o revisionismo histórico de inspiração wokiana já chegou ao mais alto representante da nação portuguesa. Por isso, é preciso que alguém lhe explique o que parece não ter compreendido ao longo de tantos anos de carreira universitária e política. E nem sequer acredito que seja um problema subjectivo de culpa, própria ou familiar. Porque nem essa valeria. 

3.

Neste intervalo entre o 25 de Abril e o 1.º de Maio, li um interessante artigo do público (29.04.2024, de Sérgio Aníbal) sobre os impostos, que dizia coisas que é útil reter. Por exemplo, que os impostos indirectos (os que atingem todos por igual, ricos e pobres) atingem 41,9% da carga fiscal e que, em Portugal, estão 8,7 pontos acima da média europeia (que é de 33.2%). Mas é também conveniente dizer que quase metade dos agregados fiscais não paga IRS, sendo a carga fiscal relativa a este imposto (mais o IRC), em 2022, correspondente a 29,6%, quase 5 pontos abaixo da média europeia (que é de 34,3%). Percebe-se bem por que razão isto acontece: o valor total dos impostos indirectos é muito superior aos dos impostos directos, até porque todos os pagam (ao contrário do que acontece com o IRS): mais de 12 pontos. Apesar de a diferença em relação à União Europeia, relativamente aos impostos directos, ser de quase 5 pontos, a menos, é preciso fazer outras distinções. Aparentemente, Portugal faz boa figura nos impostos directos e na sua progressividade, a que é directa e individualmente mais fácil de verificar por cada contribuinte. Mas, olhando mais de perto a realidade fiscal, segundo a OCDE, e em relação ao imposto cobrado a partir do salário médio, Portugal está acima da média europeia (até nos que auferem 67% do salário médio: 0,7%). Por exemplo, quando o salário é “correspondente a 167% do salário médio” (que é de 1270 euros) a tributação em IRS é superior em 1,5% em relação à média da União Europeia. Globalmente, a carga fiscal é inferior em 4,2% à média da UE, de acordo com os dados apresentados, mas, pelo que se vê, algo não está bem em termos de justiça fiscal. Portugal penaliza mais os cidadãos com rendimento médio, em termos de tributação directa, e muito mais, em termos de tributação indirecta, do que a UE. O que é incompreensível. Por isso, considero que é necessário fazer uma reavaliação global da carga fiscal. E, todavia, para isso será necessário fazer também uma reavaliação do Estado Social e, sobretudo, das funções e fronteiras de intervenção do Estado, para que não se sobrecarregue os cidadãos, em geral, com os impostos indirectos, nem os cidadãos de rendimento médio ou superior com os impostos directos. Um cuidadoso trabalho de filosofia política que ilumine um pouco os que têm o poder de decidir politicamente sobre os custos de cidadania. Em Portugal, leis acrescentam-se a leis, sem que nunca haja (por parte de quem decide) uma avaliação global do sistema. E urge fazê-lo, agora que se completam 50 anos do 25 de Abril. O PS, agora na oposição, deveria, na minha modesta opinião, desde já, fazê-lo, ao mesmo tempo que deveria fazer uma avaliação da eficácia operativa de funcionamento do Estado (que não fosse somente no plano fiscal).

4.

São já inúmeras as instituições e as personalidades que se interrogam sobre a operação “Influencer”, que levou à queda do governo. O Presidente da AR pediu explicações, a dar na AR. A Provedora da Justiça também, considerando ter havido, pelo que já se sabe, “erro grosseiro” do Ministério Público, sublinhando que não poderes ilimitados e que ninguém está isento de prestar contas ao país. Dois tribunais consideraram pouco ou nada consistentes as provas invocadas que, supõe-se, estiveram na base do famoso parágrafo que levou à saída do PM e à convocação de eleições. O silêncio da Procuradora-Geral da República já está a fazer um ruído ensurdecedor. A não audição em tempo razoável do ex-primeiro-ministro (já lá vão cerca de seis meses) está a tornar-se escandalosa. O PS, pela voz do seu Secretário-Geral, a manifestar, finalmente, perplexidade perante o que já é conhecido e a pedir explicações, “dadas as suas consequências gravosas”. Tudo isto requere uma urgente explicação cabal sobre o que aconteceu. E, imagine-se, até na vizinha Espanha alguém vaticinava a influência do “Influencer” na decisão de Sánchez ponderar demitir-se por causa de um processo levantado contra a sua esposa Begoña Gómez, desencadeado por uma denúncia da organização de extrema-direita “Manos Limpias”, baseada em informações surgidas em “cabeceras digitales” também de extrema-direita e, entretanto, cavalgadas pela direita institucional, PP e VOX. Tal não viria a acontecer, como noticiado na passada segunda-feira, depois de cinco dias de reflexão, tendo Pedro Sánchez decidido manter-se no cargo, “com mais força”, dizendo, sobre a campanha de descrédito contra a mulher, “podemos com ela”. Também aqui o assunto tem toda a aparência de um processo de “lawfare”, o uso do direito como instrumento político para derrubar governos. Como teria gostado de ter visto, aqui, entre nós, António Costa dizer o mesmo, defendendo o robusto mandato que os portugueses lhe confiaram e sendo leal à sua máxima “à política o que é da política e à justiça o que é da justiça”. Assim, deixou que o que é da política passasse a ser também (ou sobretudo) da justiça, num ambiente onde o que é da justiça continua a ser totalmente independente (ou seja, mais do que autónomo) da política – a separação dos poderes a funcionar somente num sentido. O resultado está à vista.

5.

As eleições europeias vêm aí. Mais eleições. E repito o que disse acerca das legislativas: espero que os partidos não se ponham a escrever livros sobre a União Europeia, mas digam o fundamental, o que é preciso dizer sobre a União Europeia e sobre os candidatos, tratando-se de listas fechadas e da exclusiva responsabilidade das direcções dos partidos (com excepção do Livre, que viu eleger como cabeça de lista um candidato não indicado pela direcção do partido). Mas há algo que sinto dever dizer: três candidatos do PS (Marta Temido, Francisco Assis e Ana Catarina Mendes) foram eleitos, em 10 de Março, para a AR, preparando-se para trocar o mandato de deputado pelo de eurodeputado. No mínimo, isto representa falta de respeito pelos eleitores e pelo mandato. Tiveram a possibilidade de não se candidatar à AR se queriam ser candidatos ao PE e não o fizeram, sendo legítimo pensar que só o fizeram por uma questão de segurança pessoal (não fosse o diabo tecê-las). Até parece que um grande partido como o PS não tem outras pessoas tão, ou mais, competentes para candidatar ao PE. Um vício antigo do PS: esse de ter sempre os mesmos a passarem pelas portas giratórias do poder. Exemplos não faltariam, mas não vale mesmo a pena. Depois, as próprias escolhas também não me parecem muito justificadas. Uma candidata fará 73 anos este ano e tem um ano e meio de mandato autárquico para cumprir (teria 74, em 2025, data das eleições autárquicas) e não se lhe conhece curriculum nesta área. É um mero exemplo (nada de pessoal, bem pelo contrário) e nem sequer digo que todos tenham a mesma idade, a mesma leveza e rapidez que o inefável Sebastião Bugalho. Não entendo mesmo, as razões da constituição desta lista, caro Secretário-Geral. Talvez seja mesmo uma injustificada desvalorização da importância do Parlamento Europeu no sistema institucional da União Europeia. Gostei da renovação, mas, no fim, até preferia que continuassem os que já lá estavam. Sinceramente.

6.

A NATO, segundo Nuno Melo, está regulada por um Tratado do Atlético Norte. Fosse a primeira vez e poderia desculpar-se-lhe o mimo. Mas o indivíduo começa a ser demasiado frequente em calinadas. Ou será que a NATO é forte porque é atlética? Ou é atlética porque é forte? E, ainda, a vingarem as doutrinas de Melo, não se tornaria ainda mais atlética, logo, mais forte, se os condenados fossem cumprir as penas servindo, armados, como soldados? A doutrina parece ser governativa, a crer nas palavras da senhora Ministra da Administração Interna, que parece, também ela, ver a proposta com bons olhos.  Melo não é um qualquer, pois conseguiu, com o ventilador do PSD, ressuscitar um CDS moribundo, não só no plano nacional, mas também no plano europeu. Perfilhou a doutrina do PCP e passou a ser como os verdes (verdes por fora, vermelhos por dentro): azuis por fora e cor-de-laranja por dentro. Quanto a mim, nunca mais se atreverão a ir sozinhos a votos. O CHEGA tratará do assunto e, se não for suficiente, lá estará a Iniciativa Liberal para completar a obra. 

7.

Finalmente, a política em Portugal não conhece grandes dias. E ninguém ajuda. Nem sequer o PS, que tinha obrigação de o fazer. Estas opções sobre os candidatos ao PE podem não ajudar a fazer o que é preciso: derrotar um PSD (na forma tentada de AD) que já está a dar, e cada vez mais, provas de arrogância governativa e de pressa em tomar nas mãos o aparelho de Estado, confirmando e tornando ainda mais claro, com um bom resultado eleitoral, que o PS é o maior partido português e que a dialéctica política terá de tomar na devida conta esse facto. A situação política que deu origem ao governo do PSD (porque é disso que se trata, governo do PSD) é tudo menos clara e límpida, a começar logo pelo facto que deu origem à queda do governo e à convocação de eleições e a terminar na própria configuração política do Parlamento. Na verdade, o PSD está a virar, aparentemente, as costas ao CHEGA, mas, na prática, é com ele que conta para sobreviver, o que, aliás, foi visível logo na própria investidura. Se assim não for, este governo não passará do próximo orçamento. E, pelo que se está a ver, não merecerá sequer passar daí. Mas as europeias também poderão servir para dar uma lição a esse arremedo de partido que integra AD, esse simulacro que, ao abrigo de uma risível sigla, sobreviveu: o CDS (PP?). Isto para não falar do PPM, que também por lá tem um candidato em lugar absolutamente inelegível. AD oblige. Talvez haja neste processo demasiados personagens à procura de autor. Que não encontram, porque eles escasseiam cada vez mais. Mas a comédia segue em frente mesmo assim… JAS@05-2024

Sil&Temp2023REC

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