CONFISSÃO
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Epifania”, JAS 2023 (79x82, em papel de algodão, 310gr, e verniz Hahnemuehle, Artglass AR70, mold. de madeira). Março de 2025
POEMA – “CONFISSÃO”
TARDO A encontrar-te Porque não sei Como procurar-te Levado Por um poema. NÃO É A minha vontade, Mas o destino A marcar Os passos Que darei Ou que nunca Ousarei, Nesta estreita, Mas sedutora, Vereda Da minha vida. E TU SABES Que não sei, Mas sabes Por onde andei A perder-me, À procura do que Não podia ter, Para preservar Afectos remotos Que um dia Eu pudesse Reviver. ÀS VEZES Encontrava-te, Encontros fugazes, Onde o teu brilho Cegava por fora Mas iluminava Por dentro. MAS NÃO SEI Se ainda te quero Para nunca Te ter, Sentir saudades Logo ao amanhecer Do perfume Da aurora, Quando te reencontro Na memória fresca Dos afectos Iluminados Pelo raiar Dos dias. MAS EU GOSTO Destes encontros, De viajar À procura Do que em mim Sobra de ti, Itinerâncias De um transeunte Que se observa Num espelho Onde se vê Por dentro A olhar-te Por fora, À espera Do próximo Estremecimento, Que nunca, Nunca demora. AH, COMO ME ENCANTA Esse véu Que te cobre Os cabelos negros Quando te pinto Com palavras E te vejo nua No meu espelho, Com a alma A tiritar, À mercê Dos imprevistos Que te marcam Como sulcos, Cicatrizes ásperas Da vida. MAS EU PROCURO-TE Com olhar Comprometido E acolhedor, Perscrutando-te A alma pura Que se aninha Em ti Para te proteger Do risco da beleza Exposta Como fractura, A que vi quando, Pela primeira vez, Eu te sorri. TALVEZ A PENUMBRA Do sonho Te sirva de véu E te cubra As cicatrizes da vida, Te amacie a pele Encrespada E te devolva Como mulher Desejada... ................ Para além do bem E do mal. MAS EU NÃO SEI, Tenho medo Dos sobressaltos, De ser atropelado Na esquina De um inocente Jogo sedutor Que me cative A alma já em fuga Para o infinito, Onde se cruzam, Intermitentes, Os nossos olhares. TARDO A ENCONTRAR-TE No bulício Dos nossos dias Reconstruídos Com a fantasia Até que no amanhecer De um poema Me cruze contigo E te diga Com olhar Submisso E melancólico: Continuarei A procurar-te Onde já não estás, Levado pelo destino E pelo vento Que passa.

