MAGIA
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração – “Magia”. Original de minha autoria, para este Poema. Agosto de 2018.

“Magia”. Jas. 08-2018
POEMA - "MAGIA"
OLHO A MONTANHA De uma porta De granito Amarelo (O de sempre, Muito belo, Com cristais) Sobre o ocre De um telhado Como se fosse janela Do meu palácio Encantado (Que do sonho É o cais). CONTEMPLO A SERRA De sempre, Mas é diferente A visão, Antes, eu via futuro, Agora, vejo passado, Essa bela ilusão De te ter sempre A meu lado. ENTRE PASSADO E FUTURO Sempre foi Identidade, Ficou quieta À minha espera Quando dela Eu parti Ao encontro Da Cidade. SUA FRONTEIRA É o céu, Abóbada sideral, Sinto-a Dentro de mim Como fonte Seminal, Espelho da minha Infância, Um horizonte sem fim, Forte raiz Comovida Que eu tive De deixar No duro jogo Da vida. ELA É PORTO De abrigo E é lugar de Partida. É, pois, mais Do que janela... ................. É fronteira Que passamos Quando a vida Se revela. É UM ETERNO RETORNO, Um regresso Renovado Onde posso Renascer Quando recrio A memória Do que não Quero perder Sem ter ficado A teu lado. ESTA PORTA É MAGIA, Viajo através dela, Dou asas à fantasia Como se fosse Janela De onde voo Com o vento Nos versos destes Poemas Que, sem ti, Me dão alento. DELA VOEI Para o mundo E o mundo veio Até mim... ...................... Quando passei Esta porta Já era um mundo Sem fim... POR ISSO REGRESSO A ela, Esse pilar Do meu ser... .............. Quando chego, Amanhece, E, se parto, Nem sinto A despedida Porque dela vejo O mundo Como a montanha Da vida.
É um belo poema, enquadrado num ambiente rústico e montanhoso, sinestésico (“granito amarelo, ocre”…) e efabulatório (“Do meu palácio/Encantado/ É o céu,/Abóbada sideral”).
O poema, construído numa mise em abîme, entrelaça dois campos semânticos, um, de feição amorosa (com a ausência da mulher amada e a consequente nostalgia e saudade que cria no sujeito poético) e outro, de feição vivencial, memorialística, evocativo da infância, repleto de magia, de criação poética e pictórica.
O poema despoleta no leitor uma comovente e tocante gama de sentimentos bem como uma torrente estética de momentos mágicos (de resto a fazer jus ao título).
A re(criação) da atmosfera de rêverie do poema contagia o estado de alma do leitor. Não será esta uma das funções primordiais da poesia?
Parabéns, Professor!
João de Almeida Santos – Obrigado, Cara Prof.ra Maria Neves. Sim, o sonho, a fabulação. Mas é um sonho que nos faz planar, com leveza, sobre o real. Ou o fantástico, ancorado na vida através de fios tão subtis que se podem romper ao mínimo balanço. Magia e rêverie fundem-se no desenho e ganham alguma densidade no poema. Gravitas. “La beauté est quelque chose de grave”, diria a Marguerite Yourcenar, em “Le temps, ce grand sculpteur”. Procurei, sim, a sinestesia, colocando-me no centro para dar sentido a tudo isto, num movimento de “mise en abîme” (o poema que fala de si). Ou seja, trabalhando nesse intervalo (espaço intermédio) – de certo modo uma dimensão especular – que me/nos separa do real. Nesse lugar é possível vermo-nos, como num espelho onde se reflecte também o real. Mas também procuro aludir à delicadeza da arte, que precisa de liberdade porque é tecida por mil filamentos sempre em risco de curto-circuito. O da sensibilidade. Por outro lado, também procurei trabalhar com a categoria da leveza, da fuga ao insustentável peso da rotina e das “idées reçues”. Regressar à raiz, através da poesia, ajuda a ver melhor o sentido da existência. E a pôr alguma ordem nela. A poesia liberta e deixa-nos dizer o que de outro modo só o silêncio poderia dizer, aludindo. Mais uma vez fico-lhe grato pelo seu comentário e pelo belo incentivo que ele representa para mim. Sigo em frente como se a minha vida estivesse suspensa deste exercício. E, de certo modo, está. Obrigado, Professora. Um abraço e continuação de boas férias.