ARLEQUIM
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Máscara”. Original de minha autoria. Reproposição com ajustamentos no poema e na pintura. Junho de 2019.

“Máscara”. Jas. 06-2019
POEMA – “ARLEQUIM”
COMPREI UMA MÁSCARA, Pu-la no rosto do Meu amado poeta E ele não a Enjeitou. Ainda por cima Me disse: “- Sou eu, sou, Como nas palavras Que digo Também meu rosto Mudou. NÃO ESPERAVAS Ver-me assim! Vá, confessa O teu espanto! Luzinhas na minha Cabeça, Rosto tão Desfigurado, Cor, tanta cor (A que apeteça) Pra sufocar Esta dor, Sempre que ela Apareça A pedir o meu Cuidado. ADOPTEI ESTA FIGURA, Apresento-me assim, As outras Nada te dizem, Com esta Olhas pra mim! PALHAÇO É O QUE SOU, Falo a Surdos e mudos Que não ouvem O que digo Nem me dizem O que quero Como se fosse Mendigo Do que, afinal, Nem espero. VALHA-ME POIS ESTA MÁSCARA! Assim rio Desta vida, Rio de ti E de mim, Da chegada E da partida, Dos abraços, Das palavras E também da Despedida! SOU PALHAÇO, É o que sou, Entretenho-me A cantar E se ouvires Este meu canto Arlequim É seu autor, Por isso tu Não t’importes O que diz É de certeza Pra espantar Sua dor!” A MÁSCARA É o seu rosto, Colou-se-lhe Logo à pele Com a cola Do desgosto E por isso Já nem sabe Se seu rosto É o dele. COMPREI UMA MÁSCARA Luminosa No mercado Da minha vida Ponho-lha sempre Que posso, À chegada E à partida. NUNCA LHA TIRO, Ao poeta, Que rasgo a sua Alma, Pois se o canto O liberta É a máscara Que o salva!

Máscara”. Detalhe.
Estamos perante um texto poético que irradia no mundo-texto uma cosmologia do imaginário, do jogo intratextual entre o Poeta consigo mesmo e com a mulher amada. O investimento lexical cria uma familiaridade com o leitor, seduzindo-o para compartilhar com ele, Poeta, o tom jocoso e subtilmente irónico, procurando, assim, uma contagiante energia semântica. JAS parece conceber o ato poético como uma (re)escrita de uma trama romanesca cujo protagonista se prefigura na polissemia de lexemas como palhaço, máscara, arlequim.
Atentemos na beleza desta estrofe:
SOU PALHAÇO,
É o que sou,
Entretenho-me
A cantar
E se ouvires
Este meu canto
Arlequim
É seu autor,
Por isso tu
Não t’importes
O que diz
É de certeza
Pra espantar
Sua dor!”
Este segmento textual transcrito – a par da musicalidade das aliterações das sibilantes, da anáfora de sou, da reiteração de possessivos na 1ªpessoa – é verdadeiramente estruturante da tensão entre a vontade do Poeta de se fazer ouvir, pelo poema, e a vontade de, pelo poema, espantar a dor. O tom coloquial e familiar “Por isso tu/Não t’importes” casa, harmoniosamente, com a atmosfera intimista que pretende evocar num chamamento constante à mulher amada, sempre ausente…
JAS cria e (re)cria aqui um universo em que poesia e o fingimento poético pessoano se cruzam na tessitura dos versos encadeados e do ritmo cadenciado, conseguido por uma notória variedade métrica que, se por um lado, empresta ao poema musicalidade e sonoridade, por outro, faz um apelo enfático à sua plurívoca descodificação semântica.