Poesia

“AGUARELA”

Poema de João de Almeida Santos,
inspirado no poema de Manuel Bandeira
“Tema e Variações”.
Ilustração: “O Retrato”. Original de minha
autoria para este poema. Agosto de 2019.
ORetrato1108Fimpsd

“O Retrato”. Jas. 08-2019

POEMA – “AGUARELA”

SONHASTE, MANEL,
Que havias sonhado
Estar à janela
Sonhando, a cores,
Qu’estavas com ela.

TAMBÉM EU SONHEI
Que tinha sonhado
E que no sonho
A tinha encontrado,
Passando por ela,
Ali, lado a lado,
Mas quando acordei
Do primeiro sonho,
Sonhando eu vi
O seu rosto belo
Numa aguarela
Pintada a cores
Que tinha guardado
Para uma tela...

SONHEI, OUTRA VEZ,
No segundo sonho,
Que era pintor
Mas que pintava
Sempre o seu rosto
A uma só cor.

DIZIA, SONHANDO,
Que não podia ser.
Seu rosto expressivo
Era arco-íris
Ao amanhecer
E era sorriso
Para o mundo ver!

MAS EU SÓ O VIA
Com a minha cor,
Esse rosto belo
De seda tecido
Que me seduzia
No sonho sonhado
Onde sempre a via
Ali, a meu lado.

NÃO QUERIA ACORDAR
Do sonho feliz
E nele fiquei
De olhos fechados.

JÁ NÃO ACORDEI
Do sonho sonhado
Porque nessa cor
Fiquei encerrado
Com todo o meu ser...
..................
Talvez por amor.

NO SONHO OLHEI
Para o meu espelho
E logo eu vi
Que essa minha cor
Era o vermelho.

E QUANDO ACORDEI
Do primeiro sonho
Voltei a sonhar
Que desvanecia
Nesse rosto amado 
E logo lhe disse,
No segundo sonho,
Que a tinha sonhado.

DISSE-ME QUE NÃO
Que nunca me vira
Sequer acordado
E logo acordei
Desse pesadelo.

FOI ASSIM QUE VI
Que tinha sonhado
E que ela
Já lá não estava
Ali, a meu lado.

QUIS ADORMECER
Para a encontrar
Mas não consegui
Sonhar que a via,
Pôr os olhos nela,
Chorar d’alegria
Porque descobri
Na minha parede
Aquela aguarela
Que do sonho
Passado
Eu já conhecia...
.....................
Era o rosto dela!
ORetrato1108_FinalpsdR

“O Retrato”. Detalhe

2 thoughts on “Poesia

  1. João De Almeida Santos. Transcrevo aqui, e agradeço, o Comentário da Professora Maria Neves ao Poema:
    “O leitor desta poesia de João de Almeida Santos (JAS) é, de imediato, capturado pela intensidade e intencionalidade emocionais do sonho. A opção estética de iniciar o poema com uma interpelação enfática ao poeta brasileiro Manuel Bandeira (traduzida pela apóstrofe, pela coloquialidade do “Manel” e pela forma pretérita da 2ª pessoa do singular) cria um tom familiar e confessional que contamina a leitura do texto.
    JAS regressa nesta poesia a uma determinada figura feminina (idealizada e ausente como na poesia petrarquista) e a determinadas palavras (janela, sonho, tela, pintor…) que constituem o território poético habitudinário de uma paisagem interior onde sobressai a dor, o vazio e a solidão…O sujeito poético desdobra-se numa dicotomia entre o sonho e a realidade (“DIZIA, SONHANDO,/Que não podia ser”), com uma insistente notação e desejo de perdurar no sonho, pois é o sonho o lugar de uma felicidade fugaz … (“NÃO QUERIA ACORDAR/Do sonho feliz/E nele fiquei/De olhos fechados”).
    JAS é Poeta e é Pintor e o poema regista esta condição tal a presentificação do jogo sinestésico e da jubilação cromática com enfoque no vermelho, cor quente e passional. Em JAS, como em tantos outros poetas, o amor é sempre um amor perdido e o fazer poesia emerge como uma procura do ser amado mesmo que se revele impossível de alcançar. Mas JAS sabe, como bem versejou a grande poetisa Florbela Espanca, que “Ser poeta é ser mais alto, é ser maior (…)” e “é ter cá dentro um astro que flameja”(1). É esse astro cintilante e vibrante de luz e de paixão que marca o estro poético flamejante de JAS:
    “MAS EU SÓ O VIA
    Com a minha cor,
    Esse rosto belo
    De seda tecido
    Que me seduzia
    No sonho sonhado
    Onde sempre a via
    Ali, a meu lado”.
    Esta estrofe é, só por si, paradigmática da harmonia ondulante e cantante (redondilha menor, encadeamento de versos, rimas toantes, consoantes e interpoladas) e da toada musical e sinestésica do poema (“de seda tecido/ que me seduzia/ ali, a meu lado”).
    (1) Espanca, F. (1977). “Charneca em Flor”, Poesia Completa. Lisboa: Editorial Estampa.”

    • João De Almeida Santos. Sim, este quadro foi pintado para o poema, nessa busca incessante de sinestesia, que me duplica o trabalho (e o prazer) no versejo. E, sim, outra vez, quando refere o Manel Bandeira, poeta que adoro e com quem gosto de cantar, às vezes à desgarrada. A sinestesia vai ao ponto da escolha de todas as cores, o vermelho (no sentido que refere), o verde e o amarelo (o Brasil) e, como diz o meu Amigo António Castro Guerra, até da Baiana. Nunca lá estive, mas gosto do nordeste brasileiro (e são muitas as razões) e da sua cultura. E tenho lá família muito chegada, desde há muito. Ah, a Florbela Espanca nesse poema tão eloquente que condensa o “animus” de todos os poetas! Eu creio que também o sonho seja irmão da poesia ou amigo íntimo ou fonte primacial. Sonho, silêncio, música – nestas três palavras se espraia o poeta na sua melancolia vital, na sua forma de dizer a vida de outro modo ou mesmo de inutilmente a interpelar, nada esperando dela que não seja devolver-lhe um eco mudo que o estimula a continuar sempre, nem que seja como desafio. Um astro que flameja… que bonita forma de traduzir a húbris poética! Como se a poesia elevasse ao plano dos deuses, desafiando a ordem divina e por consequência a ordem terrestre… Mais uma vez, o meu obrigado, Professora. Que tenha umas excelentes férias. Um abraço ☺️

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