“AGUARELA”
Poema de João de Almeida Santos, inspirado no poema de Manuel Bandeira “Tema e Variações”. Ilustração: “O Retrato”. Original de minha autoria para este poema. Agosto de 2019.

“O Retrato”. Jas. 08-2019
POEMA – “AGUARELA”
SONHASTE, MANEL, Que havias sonhado Estar à janela Sonhando, a cores, Qu’estavas com ela. TAMBÉM EU SONHEI Que tinha sonhado E que no sonho A tinha encontrado, Passando por ela, Ali, lado a lado, Mas quando acordei Do primeiro sonho, Sonhando eu vi O seu rosto belo Numa aguarela Pintada a cores Que tinha guardado Para uma tela... SONHEI, OUTRA VEZ, No segundo sonho, Que era pintor Mas que pintava Sempre o seu rosto A uma só cor. DIZIA, SONHANDO, Que não podia ser. Seu rosto expressivo Era arco-íris Ao amanhecer E era sorriso Para o mundo ver! MAS EU SÓ O VIA Com a minha cor, Esse rosto belo De seda tecido Que me seduzia No sonho sonhado Onde sempre a via Ali, a meu lado. NÃO QUERIA ACORDAR Do sonho feliz E nele fiquei De olhos fechados. JÁ NÃO ACORDEI Do sonho sonhado Porque nessa cor Fiquei encerrado Com todo o meu ser... .................. Talvez por amor. NO SONHO OLHEI Para o meu espelho E logo eu vi Que essa minha cor Era o vermelho. E QUANDO ACORDEI Do primeiro sonho Voltei a sonhar Que desvanecia Nesse rosto amado E logo lhe disse, No segundo sonho, Que a tinha sonhado. DISSE-ME QUE NÃO Que nunca me vira Sequer acordado E logo acordei Desse pesadelo. FOI ASSIM QUE VI Que tinha sonhado E que ela Já lá não estava Ali, a meu lado. QUIS ADORMECER Para a encontrar Mas não consegui Sonhar que a via, Pôr os olhos nela, Chorar d’alegria Porque descobri Na minha parede Aquela aguarela Que do sonho Passado Eu já conhecia... ..................... Era o rosto dela!

“O Retrato”. Detalhe
João De Almeida Santos. Transcrevo aqui, e agradeço, o Comentário da Professora Maria Neves ao Poema:
“O leitor desta poesia de João de Almeida Santos (JAS) é, de imediato, capturado pela intensidade e intencionalidade emocionais do sonho. A opção estética de iniciar o poema com uma interpelação enfática ao poeta brasileiro Manuel Bandeira (traduzida pela apóstrofe, pela coloquialidade do “Manel” e pela forma pretérita da 2ª pessoa do singular) cria um tom familiar e confessional que contamina a leitura do texto.
JAS regressa nesta poesia a uma determinada figura feminina (idealizada e ausente como na poesia petrarquista) e a determinadas palavras (janela, sonho, tela, pintor…) que constituem o território poético habitudinário de uma paisagem interior onde sobressai a dor, o vazio e a solidão…O sujeito poético desdobra-se numa dicotomia entre o sonho e a realidade (“DIZIA, SONHANDO,/Que não podia ser”), com uma insistente notação e desejo de perdurar no sonho, pois é o sonho o lugar de uma felicidade fugaz … (“NÃO QUERIA ACORDAR/Do sonho feliz/E nele fiquei/De olhos fechados”).
JAS é Poeta e é Pintor e o poema regista esta condição tal a presentificação do jogo sinestésico e da jubilação cromática com enfoque no vermelho, cor quente e passional. Em JAS, como em tantos outros poetas, o amor é sempre um amor perdido e o fazer poesia emerge como uma procura do ser amado mesmo que se revele impossível de alcançar. Mas JAS sabe, como bem versejou a grande poetisa Florbela Espanca, que “Ser poeta é ser mais alto, é ser maior (…)” e “é ter cá dentro um astro que flameja”(1). É esse astro cintilante e vibrante de luz e de paixão que marca o estro poético flamejante de JAS:
“MAS EU SÓ O VIA
Com a minha cor,
Esse rosto belo
De seda tecido
Que me seduzia
No sonho sonhado
Onde sempre a via
Ali, a meu lado”.
Esta estrofe é, só por si, paradigmática da harmonia ondulante e cantante (redondilha menor, encadeamento de versos, rimas toantes, consoantes e interpoladas) e da toada musical e sinestésica do poema (“de seda tecido/ que me seduzia/ ali, a meu lado”).
(1) Espanca, F. (1977). “Charneca em Flor”, Poesia Completa. Lisboa: Editorial Estampa.”
João De Almeida Santos. Sim, este quadro foi pintado para o poema, nessa busca incessante de sinestesia, que me duplica o trabalho (e o prazer) no versejo. E, sim, outra vez, quando refere o Manel Bandeira, poeta que adoro e com quem gosto de cantar, às vezes à desgarrada. A sinestesia vai ao ponto da escolha de todas as cores, o vermelho (no sentido que refere), o verde e o amarelo (o Brasil) e, como diz o meu Amigo António Castro Guerra, até da Baiana. Nunca lá estive, mas gosto do nordeste brasileiro (e são muitas as razões) e da sua cultura. E tenho lá família muito chegada, desde há muito. Ah, a Florbela Espanca nesse poema tão eloquente que condensa o “animus” de todos os poetas! Eu creio que também o sonho seja irmão da poesia ou amigo íntimo ou fonte primacial. Sonho, silêncio, música – nestas três palavras se espraia o poeta na sua melancolia vital, na sua forma de dizer a vida de outro modo ou mesmo de inutilmente a interpelar, nada esperando dela que não seja devolver-lhe um eco mudo que o estimula a continuar sempre, nem que seja como desafio. Um astro que flameja… que bonita forma de traduzir a húbris poética! Como se a poesia elevasse ao plano dos deuses, desafiando a ordem divina e por consequência a ordem terrestre… Mais uma vez, o meu obrigado, Professora. Que tenha umas excelentes férias. Um abraço ☺️