COMO TE QUERO...
POEMA de João de Almeida Santos.
Ilustração: “SEDUÇÃO”.
Composição de minha autoria a partir
de um estudo de Gustav Klimt.
- "Dois estudos de uma jovem mulher", 1885.

“Sedução”. Jas. 10-2019
POEMA – “COMO TE QUERO…”
PEDI EMPRESTADO Ao pintor Este rosto De onde vejo A cor Velada Da tua alma... ENIGMÁTICO OLHAR Que me perscruta E fascina, Beleza etérea, Divina! OS TRAÇOS DELICADOS Que o desenham E a leveza Das vestes Que velam E desvelam O corpo De pele macia Que me cativa O desejo... .............. Seduzem-me! E FICA-ME ESTE ROSTO Solitário Na galeria poética Da minha vida Onde te versejo Mil vezes À procura De um amanhecer Que nunca chega... PARA TI DIRIGI O meu olhar Através de um espelho, A obra de arte, Vi leveza, Beleza intangível E ouvi silêncio Profundo Envolto Por uma densa Neblina Que nunca se dissipa! E ENTÃO RECRIEI-TE, Com a ajuda Do pintor, Tal como Te desejo, Na fronteira, Sempre no limiar Do impossível, Na distância Que o destino Nos traçou E nos compassos Do silêncio A que a deusa Nos votou. SE TE ENCONTRAR De novo Só saberei ver-te A partir Deste fino rosto, Memória de ti, Numa tela Cantada por mim. E ENTÃO REGRESSO Às tuas cores Para com elas Te desenhar De novo Com o pincel mágico Do pintor Que eu amo Em ti.

“Sedução”. Detalhe.
João de Almeida Santos.Transcrevo o comentário da Professora Maria Neves a este Poema: “Num significativo e intemporal ensaioQu’est-ce que c’est la littérature, publicadoem meados do século XX na revista “Les Temps Modernes”, Sartre coloca, como umdos pontos capitais da sua reflexão, a distinção entre prosa e poesia. DizSarte: «La prose se sert des mots, la poésie sert les mots». Sim, bela esta distinção, mas o poeta,para expressar o seu estro poético, também se serve da palavra como um material, talcomo o pintor com a cor e o músico com os sons. No poema em análise, o sujeitopoético, em linha com este pensamento sartriano, convoca efeitos linguísticos e cromáticos e faz um diálogo entre apoesia e a pintura: “PEDI EMPRESTADO/Ao pintor/Este rosto/De onde vejo/A cor/Velada/Datua alma…”. Estes e outros versos indiciam um tom confessional, pessoal ememorável, com as isotopias do silêncio e da ausência que vêm povoando a poética deJoão de Almeida Santos (JAS): “FICA-ME ESTE ROSTO/ Solitário/ Na galeria poética da minha vida/ Onde te versejo”. A simbiose entre a pintura e a poesia está plasmadanos versos transcritos bem como na sinalização dos campos semânticos (poético epictórico) que permeiam a tessitura do corpo do poema (pintor, cor, traços,desenham, tela, pincel,…). Estes levantamentos lexicais criam uma atmosfera propícia à descrição da mulher amada, caracterizada, à maneira petrarquista ecamoniana, como uma deusa inacessível e etérea. “E vi leveza,/Belezaintangível…” Se a beleza é intangível, a poesia serve, quiçá paradoxalmente,para expressar, de forma tangível, os sentimentos que perpassam a alma do poeta,num pacto de leitura com o leito”.
João De Almeida Santos Sim, Professora, a poesia tem algo tangível. É por isso que eu a considero uma linguagem com força performativa, com capacidade de replicar emocionalmente a realidade. A beleza é intangível porque não se deixa capturar, nem sequer numa primeira leitura. Eu diria que a poesia serve as palavras quando as palavras são o último recurso do real. Até pela proximidade do poético à emoção. E, sim, é certo que a prosa se serve das palavras para recriar o real, num movimento que é oposto ao movimento da linguagem poética, cuja vocação é de se fundir com o real sem se deixar aprisionar por ele. Algo parecido com a simbiose. Obrigado pela sua análise. Fico-lhe, como sempre grato, pela atenção que sempre me dispensa. Um abraço.