O POETA E A MÁSCARA
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Transfiguração”. Original de minha autoria para este poema. Maio de 2021.

“Transfiguração”. Jas. 05-2021.
POEMA – “O POETA E A MÁSCARA”
COMPREI UMA MÁSCARA, Pu-la no rosto do Meu amado poeta E ele não a Enjeitou. Ainda por cima Me disse: “Sou eu, sou, Como nas palavras Que digo Também meu corpo Mudou”. “NÃO ESPERAVAS Ver-me assim, É grande o teu Espanto, Vá, confessa, Ganhei um corpo De rosa, Tanta cor (A que apeteça), Um rosto Dissimulado Pra me curar Desta dor Sempre que ela Apareça A pedir o meu Cuidado”. “ADOPTEI ESTA FIGURA, Apresento-me assim, As outras Nada te dizem, Com esta Olhas pra mim”. “PALHAÇO É O QUE SOU, Falo a Surdos e mudos Que não ouvem O que digo Nem me dizem O que quero Como se fosse Mendigo Do que, afinal, Nem espero”. “VALHA-ME POIS ESTA MÁSCARA. Assim,rio Desta vida, Rio de ti E de mim, Da chegada E da partida, Dos abraços, Das palavras E, enfim, Da despedida”. “SOU PALHAÇO, É o que sou, Entretenho-me A cantar E se ouvires Este meu canto Um poeta É seu autor, Por isso tu Tu não t’importes, O que diz É de certeza Para espantar Sua dor”. A MÁSCARA É o seu rosto, Colou-se-lhe Logo à pele Com a cola Do desgosto E por isso Já nem sabe Se seu rosto É o dele. COMPREI UMA MÁSCARA Vermelha No mercado Da minha vida, Ponho-lha sempre Que posso, À chegada E à partida, E se puder Não lha tiro Pra não lhe rasgar A alma Pois se o canto O liberta É a máscara Que o salva.

“Transfiguração”. Detalhe.
Transcrevo aqui, sensibilizado, o comentário do meu Amigo e conterrâneo Tó Zé Dias de Almeida: “Concreta e objectivamente vi janelas abertas na tua casa…
Ontem vi-te, desmascarado, com a tua pose perfeita no teu Jardim Encantado (aspas) e gostei, muito bem enquadrado te mostravas.
Se compraste uma máscara, é lá contigo e com o Poeta que te habita. Mas, João, não te esqueças: a pessoa (persona, ae) mais não é que isso mesmo… uma máscara!
Escusado comprá – la…
Afivelavas a que usas e… Mas o Poeta preferiu agir de forma diferente, até porque alguém (?) não esperava vê-lo (ao poeta) assim. E espantou – se!!! Pudera! Um corpo/rosa e… Rosa com espinhos, rosas que picam, causam dor.
Queixa – se o Poeta porque fala a surdos e mudos e não o ouvem! Meu caro João! A tantos, tantos poetas que isso aconteceu, acontece e acontecerá.
E não te sintas palhaço, embora seja confortável (?) sê-lo em situações incómodas: ri-se por fora e a alma triste continua e sofre. Porém o poeta remata muito bem “Pois se o canto/o liberta/É a máscara /Que o salva”. Belo epílogo para tão hipotética metamorfose!
Um abraço daqui do meu quintal de Famalicão.
Metamorfose ou transfiguração, sim. O poeta teve mesmo de se transfigurar para rir de si, mas na transfiguração levou consigo a beleza da rosa e os seus espinhos, os que lhe provocam dor e o espicaçam para que cante. Poeta com máscara florida e espinhos na alma. Digamos que saiu de si, fez-se pintor e voltou a si transfigurado. E poetou. Foi ao mercado da sua vida (onde também há riscos e cores… para pintores) e trouxe de lá esta máscara. A sua, afinal. Ah, mas eu gosto de me sentir palhaço, porque me empresta ironia. Bolas, não podia ser só dor e melancolia, e porque alguns se tapam os ouvidos com temor da sedução (a máscara serve para desempenhar infinitos papéis ou personagens). E também porque não quero que me levem demasiado a sério. Gosto de viver a ironia por dentro. Enrobustece-me. Sabes, afinal, temos sempre medo de sermos ridículos, mesmo quando não se trata propriamente de cartas de amor. Ah, ontem desmascarei-me, pus-me de fora, ao lado de um quadro do irmão gémeo do poeta, o que lhe alegra um pouco a existência com riscos e cores. Bom, confesso que tinha de ser, ir lá ao berço, o sítio onde aconteceu o espanto poético (espantar-se não é só prerrogativa dos filósofos…) perante o enlace entre uma videira e um loureiro, em tempo de uvas abundantes. Tinha que pôr a máscara social (persona) e celebrar esse lugar seminal. Ainda por cima ali a dois metros da magnólia e um andar abaixo do ponto de observação da luz na montanha. Ainda quis ir lá com a máscara do palhaço, mas ele não aceitou e obrigou-me a pôr um casaco. Estes gajos não gostam lá muito de rituais sociais. Mas tinha mesmo de ser.
Oh, e viste bem as janelas abertas, Tó Zé… comprovadamente abertas para deixarem entrar a luz que acende a alma do poeta. De quintal para quintal, passando pelo mundo (digital), um enorme abraço e o meu obrigado por tão interessante comentário.