NA BRUMA DA MEMÓRIA
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Magia”. Original de minha autoria. Junho de 2021.

“Magia”. Jas. 06-2021.
POEMA – “NA BRUMA DA MEMÓRIA”
QUERIA LEVAR-TE Uma rosa Branca Aos sete céus Do meu afecto, Desci fundo Na memória Onde ainda te Guardava Como se fosse Teu tecto. PROCUREI-TE Na bruma Espessa Que caía Sobre mim E quase não te Encontrei, O tempo gastara O passado, Ficou uma saudade Sem fim. PERDERA-TE O rasto E o perfil, Até teu nome Perdeu cor, Teu olhar Luzia Intermitente Numa neblina De dor. NO MEIO DA NEBLINA Esfumava-se O teu rosto De tanto eu Te perder, Era incerto O cintilar De teus olhos Na vontade De te ver. ERAS BRUMA Indefinida Nos céus onde Te quis encontrar, Mas sobraste Como imagem... .............. A que eu soube Desenhar. PERDI-TE A VOZ E a tua Melodia, Quase tudo, Meu amor... ............... Ah, mas, no fim, Não te perdia... Ficou-me de ti O sabor. PORQUE JÁ ERAS Imagem Que me sobrou Desse afecto Que por ti Sempre senti, Construção De arquitecto Para nunca Te perder Desde o dia Em que te vi. E VOLTEI. (Eu volto sempre). É desejo De te ver, Dar-te corpo Nas palavras Com que te quero Dizer Ainda que Do poema E dos céus Do meu afecto Acabe por Te perder. AGORA, DESENHO-TE Com palavras e Com cores, Com paisagens Que tenho dentro De mim, Com rostos, Com aromas E flores Deste bendito Jardim, Um passeio Com pavões, Uma delicada Utopia, Gritos de alma, Emoções... ................ Pra te recriar Com magia E contigo Caminhar No alto Da fantasia, Onde vive Essa imagem Que desejo Encontrar. VOO, POIS, Com uma rosa, Vestido como Arcanjo, Pra te ver Ali ao perto, Olhos negros, Cintilantes, Mas um pouco fugidios Ao jogo da sedução Numa noite De luar... ............ Ou talvez De perdição. É UMA ROSA De brancura Transparente Pra que sintas Lá bem alto O aroma Desta minha fantasia. Talvez assim Te encontre Envolta na neblina Que nunca se dissipou (Mas agora cristalina) Desde aquele Incerto dia Em que o nosso Olhar se cruzou.

“Magia”. Detalhe.
Transcrevo, sensibilizado, o comentário do meu Amigo e conterrâneo Tó Zó Dias de Almeida: “Quando os olhares se cruzam, seja quando for, ou quando foi… não há remédio, nem poção mágica, que cure essa preciosa troca permitida pela sensação mais profunda e mais nítida, às vezes maliciosa : a visual!
Se aconteceu em tempos idos, já longínquos, tens à tua disposição, Poeta, um recurso, também ele precioso e eficiente. Recurso que permite atravessar anos, anos e anos, sítios e lugares inesquecíveis que a bruma deixa um pouco esfumados, mas um pequeno/grande esforço ou esforçozito é capaz de lhe conferir a necessária e indestrutível nitidez.
E esse recurso é inexcedível. Esse recurso é poderosíssimo: A MEMÓRIA. Com maiúsculas, como convém. É ela que nos guia. É com ela que atravessamos montes e vales, desertos e oceanos e é ela que, de facto, nos conduzirá ao mais recôndito do nosso ser, aí onde um doce olhar e um perpétuo amor se escondem. Aí refulgem e daí continuamente nos seduzem. É isso! É a MAGIA (belo quadro) da sedução! Voilà!!! Belo momento poético, João. Parabéns. Um abraço muito amigo”.
Sim, sim, Tó Zé. Esse lugar que habitamos e que nos habita é o lugar da nossa humanidade mais profunda. E não é só um lugar de passado, também é lugar de futuro porque quando o revisitamos é com o olhar do presente e talvez ainda mais com o olhar do futuro, o nosso, o que desejamos e imaginamos. Presentificamos o passado inscrito na memória porque queremos que ele seja futuro. Um futuro que se quer reapropriar desse passado para o acarinhar e torná-lo mais nosso, dando mais profundidade temporal à nossa existência. E tudo isto é a memória que no-lo dá. Esse passado tem um veículo muito especial para chegar até nós: a poesia. Um veículo leve, ágil, veloz e consistente, para usar quatro dos seis “memos” da arte (literatura) deste milénio como o Calvino das “Lezioni Americane” a via. Parece-me que a bruma é própria da memória e só por isso a podemos reviver com categorias do presente ou do futuro. Navegamos nessa bruma. A poesia vai lá a essa neblina e fá-la brilhar com a sua luminosidade. E mostra-a, cristalina, e partilha-a como que a dizer que esse passado também poderia ter sido do leitor. A memória e a poesia, dois recursos extraordinários que nos tornam infinitamente mais humanos. Obrigado, Tó Zé, pelo teu comentário. Um grande e antigo abraço que vem lá dos confins da memória desses tempos de neve e da sua brilhante e fascinante neblina.