O ESPELHO
Poema de João de Almeida Santos Ilustração: “Perfil de Mulher”. Original de minha autoria. Maio de 2022.

“Perfil de Mulher”. Jas. 05-2022
POEMA – O ESPELHO
“Tu prima m’inviasti verso Parnaso a ber ne le sue grotte, e prima appresso Dio m’alluminasti”. Dante Alighieri. Purgatorio. Canto XXII.
ENCONTREI-TE No Parnaso, Lá em cima, Intangível, Sem te poder Tocar A não ser com As palavras De um poema Sensível às cores Da tua alma.
E VESTI-ME Com elas, As palavras, E senti-me Quente, Afagado No meu canto Porque tu as Escutavas.
SIM, ENCONTREI-TE Lá em cima No Monte. Em ti Eu via a costa E via o mar No horizonte Com nitidez E via O meu mundo Interior Em sonhos De azul, A tua cor, Em toda a sua Nudez.
A NEBLINA Cobria-te O corpo, Como Graça de Botticelli, Pra te refrescar A alma, Morrinha Lenta e fina De palavras Húmidas Caídas Lá do alto Do meu céu De nuvens brancas... ......... Sobre ti.
EU ERA Espelho Que te devolvia Fantasia Contra a Petrificação Fatal Que espreitava Nos olhares Indiscretos Do teu círculo Vital.
MAS TU Não sabias.
SUBITAMENTE, Decidiste declinar O espelho Porque, Dizias, Começava A embaciar-te A alma.
E NÃO ERA DA NEBLINA Que te envolvia, Mas dos desenhos Que tuas mãos Esboçavam Timidamente Nesse espelho Já tão húmido De ti.
E DEIXASTE O Monte. Desceste Apressadamente, Sob os olhares Das mil górgones Que sempre Ameaçam Petrificar Os que vivem No vale. E sucumbiste. Ou talvez não...
NO MONTE, Disse De mim Para mim: De tanto te reveres No espelho, Ficou-me, de ti, O cintilante Reflexo. E sabes o que se Vê Na minha superfície Plana? Beleza. Toda a que me sobrou Quando, Em tristeza, Desceste o Monte.
MAS ESTA NÃO PETRIFICARÁ Porque ficou Guardada No meu corpo Vítreo Onde todos Se revêem Sem saber Que no reflexo Levam, gravada Em transparência, A tua imagem... ................... Embaciada.
E POR CÁ FIQUEI, Espelho do mundo, A olhar para O escuro espaço Sideral À espera que um Cometa Me alumie O caminho Para te devolver O teu reflexo Original E prosseguir A caminhada Solitária A que me votaste.