O SILÊNCIO E A MEMÓRIA
Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Levitação”. Original de
minha autoria. Maio 2018.
"Para que tú me oigas / mis palabras / se adelgazan a veces / como las huellas de las gaviotas en las playas" Pablo Neruda
POEMA
NO SILÊNCIO
Eu vejo-te
Com palavras
Sufocadas.
A preto
E branco.
A linguagem
Do tempo
Que passa
Inexorável
E erode
Os ângulos
Suaves
E coloridos
Com que nos
Fomos
Desenhando...
........
Nos dias
De festa!
E, AGORA, VIVO
Oblíquo,
Neste intervalo
Sofrido
De onde
Te vislumbro
A silhueta
Ao crepúsculo
Do fugaz
Encontro,
Lá no Monte,
Que ora
Declina...
“VOU-ME EMBORA
P’ra Pasárgada”,
Diria o saudoso
Poeta,
“Porque aqui
Anoiteceu”!
MAS, NÃO!
Eu não parto,
Porque na memória
Te vejo a cores.
Aquelas com que
Nos fomos
Pintando
Em caminhada
Cúmplice,
À procura
De formas
Para oferecer
Em troca
De nada.
NA MEMÓRIA
Acaricio-te
Com as mãos
Invisíveis
Da minha alma
E o azul
Do céu
Que ainda
Nos sobra
Como manto
Transparente
E frio.
PRESSINTO-TE,
Assim.
Adivinho-te
Em riscos que
Deslizam
Dos teus dedos,
Dádivas
Da beleza
Inscrita
No teu rosto
Que me chegam
Com a brisa
Do amanhecer
Nesse pátio
Secular
Dos nossos
Antepassados.
E ESTREMEÇO
Quando
Te reencontro
Nestas veredas
Estreitas
Mas profundas
Da imaginação
Com que
Nos reinventamos.
VISTO-ME, ENTÃO,
De vermelho.
Por dentro.
A rigor.
Solene.
Pinto-me
A alma
Ao sabor do vento.
Cubro de rosas
Vermelhas
O chão etéreo
Que piso
Suavemente
Com o olhar.
Dou mais sabor
À liberdade
Voando com
Uma rosa
P'ra te poder
Alcançar.
AH! SIM,
Duplico-me
Nesta vida
Íntima
E oblíqua,
Neste intervalo
Onde te sonho
Com palavras
Que te chegam
Desfiguradas
Pelo siroco,
Vento do sul
Que lhes sopra
Forte,
No caminho,
A áspera areia
Do deserto...
.............
Que habitamos.
SIM, MAS SE
O VENTO
Ainda sopra
Ao amanhecer
Que me importam
A areia e o
O deserto?
A criação poética de João de Almeida Santos (JAS) despoletou-me o ensejo de ensaiar hoje uma análise comparativa entre o poema A Aguarela e O Silêncio e a Memória. Ambos os textos poéticos apontam para territórios íntimos, metaforizados e dicotómicos em torno das isotopias claro/escuto, sonho/real, presentificação/memória. Sobressaem em ambos os poemas os mesmos elementos telúricos – a lembrar a urze e as serras torguianas – o mesmo bucolismo – a dialogar intertextualmente com o poeta Rodrigues Lobo (injustamente bastante esquecido…) – o mesmo tom coloquial e enfático que cativa o leitor – a evocar o romântico Almeida Garrett. Porém, no poema A Aguarela, a estruturação opera-se por uma interpelação retórica e sentida ao poeta Manuel Bandeira, apostrofado significativa e carinhosamente de Manel (“SONHASTE, MANEL” ) enquanto que no poema O Silêncio e a Memória emerge, expressivamente, em sintonia aliás com a ilustração, o “vestir/de vermelho”, as “rosas vermelhas” a conotar a paixão sensorial do sujeito poético, matizada, contudo pelo etéreo e pelo sublime.
Obrigado, Prof.ra Maria Neves. Já tinha saudades das suas análises. E da evocação intertextual de poetas admiráveis. Eu invoco, a Prof.ra evoca. E assim crescemos com eles.
Sim gosto muito do Manel Bandeira. Há nele poemas que me encantam. Por isso não me canso de o interpelar afectuosamente.
Sim, o difícil é conseguir o equilíbrio e a harmonia entre a paixão sensível e o universal, o sublime, o indeterminado.
Magnífico também o Rodrigues Lobo. Tem poemas muito bonitos e eternos (“Fermosos olhos”, por exemplo).
O poema “Aguarela” foi um exercício (pretensamente virtuoso) de homenagem ao Manuel Bandeira, com a semântica de que me tenho vindo a ocupar.
Mais uma vez, o meu obrigado. E um abraço. JAS
Estou de volta, Professor! Agora sim, com a atenção e concentração merecidas.
Este Poema é, também ele, realmente magnífico. São muitas as emoções que suscita…pelo teor e pela cor. Ambos plenamente envolventes dos leitores bem no âmago das emoções do Poeta…
E a Ilustração, verdadeiramente fabulosa. Quente, mas ao mesmo tempo, agreste…de formas contrastantes e vincadas.
Lindos!!
Uma vez mais, Muito Obrigada.
Com estima, Fernanda