O BEIJO
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração original do autor – “O Beijo”. Dia Internacional do Beijo: 6 de Julho, o dia que celebro, com um poema, cada ano. Inspirado no Thomas Mann de “Lotte in Weimar” (1939), a obra que continuou "Werther” (1774), de Goethe (1749-1832).
“O Beijo”. JAS. 6 de Julho de 2018.
1. Thomas Mann: “Ist die Liebe das Beste im Leben, so in der Lieb das Beste der Kuss – Poesie der Liebe...”. “Kuss ist Glueck, Zeugung Wollust”. “O amor é o melhor na vida, assim, no amor, o melhor é o beijo – Poesia do amor...”. “Beijo é alegria, procriação é luxúria”. 2. Inspirado também em Kafka, Shakespeare e Bernhardt: “Geschriebene Küsse kommen nicht an ihren Ort, sondern werden von den Gespenstern auf dem Wege ausgetrunken” - Os beijos escritos não chegam ao destino, mas são bebidos pelos fantasmas ao longo do trajecto - Kafka “If I were to kiss you then go to hell, I would. So then I can brag with the devils that I saw heaven without even entering it” - Se para te beijar devesse, depois, ir para o inferno, fá-lo-ia. Assim, poderia vangloriar-me, com os diabos, de ter visto o paraíso sem nunca lá ter entrado - Shakespeare. - O primeiro beijo não é dado com a boca, mas com os olhos – O. K. Bernhardt.
O BEIJO
FOI O QUE NUNCA TE DEI A não ser com o olhar! O primeiro, esse beijo, Dei-to, pois, sem te tocar! E DEI-TE MAIS, COM PALAVRAS, Quando olhar já não podia... Foste embora, não estavas E eu, triste, não te via! FORAM BEIJOS QUE SONHEI Na rotina dos meus dias E desejos que enfrentei Quando tu mais me fugias... Mas dou-te beijos escritos Que se perdem no caminho... ............................ E se o poema me falta Fico ainda mais sozinho! É ALEGRIA D'AMOR É suave respirar, É encontrar-te no céu, É vontade de te amar, É desejo, é procura, É sinal e é mensagem É razão suficiente P’ra te ter... ................ Como paisagem! O BEIJO É EMOÇÃO, É razão descontrolada, Se não for dado a tempo Pouco mais será que nada! SEM BEIJO NÃO HÁ AMOR, Sem Amor perde-se o Beijo. Nada tem qualquer sentido Se me faltar o desejo Por te ter, assim, perdido! AQUI O LANÇO AO VENTO P’ra que atinja como brisa E suave melodia Esse rosto que precisa De afecto em poesia! ESTE BEIJO QUE ME FALTA De que nunca fui capaz Voa p’ra ti em palavras Põe-me sereno, em paz, E desejo que, no trajecto, Voe, voe em grande altura... ............................. Que fantasmas não o bebam E minha dor tenha cura! Mas sei dos escolhos da via, Dos perigos que ele corre... ............................. Capturado por fantasmas É mensagem que me morre! NO DIA DO BEIJO É HORA De te cantar em voz alta A poética do amor P’ra redimir essa falta E pôr fim à minha dor! E PORQUE O DIA É TEU Ganha força, intensidade, E mesmo que fantasmas O bebam É um Beijo de verdade! ESSE BEIJO QUE NÃO DEI Foi pecado original, Hei-de sofrê-lo p’ra sempre Como chaga corporal! Não há palavras que bastem P’ra repor o que não dei Elas voam, mas não chegam E mesmo assim eu tentei! É CERTO QUE SEMPRE O QUIS, Só que nunca to roubei, A culpa foi desse tempo, Dos dias em que te amei, Um tempo em diferido Sem presente nem futuro, Talvez beijo sem sentido Porque queria do mais puro, Tangendo eternidade Às portas do Paraíso, Um beijo de divindade... ......................... Mas simples... Como um sorriso! ESSE BEIJO IMPOSSÍVEL Que não é do foro humano Vou tentando construí-lo Cada dia, cada ano, Perdendo-me pelo caminho Como sagrado em profano!
Transcrevo aqui o comentário que a Prof.ra Maria Neves publicou no meu Bacebook:
“Maria Neves Leal Gonçalves – Este arranjo poético, em torno do Beijo, traz, justamente em epígrafe, autores consagrados da literatura universal convocados pelo poeta João de Almeida Santos (JAS) e que fazem jus ao título deste poema (ilustrado por JAS) e que são um desafio intertextual para o leitor.
O sujeito poético incorporou no arranjo semântico-formal desta poesia ecos desses autores num jogo dialógico e intertextual – que Bakhtin teorizou – com o leitor e com o objecto amado, inspirador deste poema. A simbiose – do profano e do sagrado, do divino e do terreno, do carnal e do etéreo – já aflorada noutros poemas de JAS assume nesta composição poética uma mestria apurada da versatilidade e da versificação do Poeta JAS.
É um belo poema com marcas poético-narrativas em rimas consoantes e interpoladas num precioso jogo rimático e musical. A expressividade sentimental e a intencionalidade da efemeridade são, curiosamente, evocadas pelo próprio sujeito poético:
“NO DIA DO BEIJO É HORA
De te cantar em voz alta
A poética do amor
P’ra redimir essa falta
E pôr fim à minha dor!”.
Emerge neste poema o leitmotiv da poética de JAS: a tristeza, a fuga do ente amado, o vazio e a solidão, mas também a superação através da arte poética, da busca da perfeição formal, da procura do lexema certo, da pontuação expressiva, da familiaridade enfática com o leitor e, supostamente, com o objecto amado.
A singeleza desta composição, expressa ao longo do poema, culmina nestes versos de pura verve poética a que o deíctico e as metáforas incutem uma carga semântica expressiva, emocional e subjectivada:
“AQUI O LANÇO AO VENTO
P’ra que atinja como brisa
E suave melodia
Esse rosto que precisa
De afecto em poesia!” “
Cara Prof.ra Maria Neves, mais uma vez o meu obrigado pela sua análise. Sim, a dor, a solidão, o vazio, o sentimento de perda têm o seu contraponto na arte, na procura do sublime, da beleza e na sua máxima formalização. Mas é a poesia que melhor funciona como contraponto por causa do seu poder performativo, sobretudo se ela for assumida como diálogo vivo, sentido como exigência interior. Ganha, assim, a forma de uma acção, de um acto existencial que revitaliza (sublimando, “cristalizando”, elevando e estilizando) o que parece já ter perecido. Neste caso, o contexto ajuda – o dia internacional do beijo – e protege um diálogo circunstancial, mas efectivo, do poeta com alguém que não se sabe se está presente, embora do lado de lá (como interlocutor/a). Só que o poeta assume que esteja e dirige-se directamente a ela, a propósito de um dia com uma carga simbólica reforçada (“E porque o dia é teu…”). O que sempre tento é não me deixar capturar pelo artificialismo, pelo mero jogo de palavras, pelo virtuosismo linguístico. A isso ajuda-me sempre o recurso à memória afectiva, a invocação do ausente, a dor cuidadosamente guardada na caixinha dos afectos, o registo sempre dialógico dos meus poemas – é verdade! -, a procura de uma melodia que sintonize com a semântica do poema e, agora cada vez mais, a convergência cromática e a semântica de uma pintura cada vez mais força alusiva. Sim, a intertextualidade também me ajuda, sobretudo com os autores que atingiram a essência do ser humano e dos chamados existenciais, os nexos vitais da existência. Também aqui tenho os meus amigos com quem gosto de conversar em poesia. Citei alguns deles. E até acho que, como dizia o Winckelmann (para a arte e para o papel que os gregos nela desempenharam), com a ajuda deles conseguimos chegar mais facilmente ao belo e ao centro da existência, através da arte. Mais uma vez, obrigado, Professora. E um abraço.