BIANCO&NERO
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração – “Bianco&Nero”. Original do Autor para este poema. Julho de 2018.
Bianco&Nero. JAS, 2018.
ENTRE O BRANCO E O NEGRO Quis desenhar A tua alma Na flor que, Num acaso, Encontrei, perdida, No jardim Da minha vida... ATRÁS DE TI, Ou em fuga, Já nem sei, Gastara Todas as cores do Arco-íris Que tinha Dentro de mim. SOBRARA-ME Uma marmórea Nébula negra De travertino Onde me revia Como espelho Oracular, Curvado sobre mim, Escuro na alma, Por falta Das cores exuberantes Que me protegiam Do frio glacial Do teu silêncio. SOPREI FORTE Com a alma Desnuda E a flor branca Foi pousar suavemente Nesse mármore Liso e brilhante Da catedral Onde te celebrava. E FICASTE ASSIM, A branco e negro, Em tinta-da-china Esparsa, Derramada Sob a alvura Do sol brilhante Em que te via... ................. Como uma flor! ESCULPI-TE Como filigrana De ouro preto Sobre branco-pérola, Aurífice da tua Alma sedutora No coração Alvoraçado Dessa flor Que guardei Com o teu nome Gravado Em letras invisíveis... CRIEI PARA TI Alvas incrustações Sobre filigrana Negra Como marcas Indeléveis Da arte Que um dia Me visitou Na celebração Da tua beleza. E AGORA, A olhar para O branco e o negro Deste cântico Desenhado, Ofereço-te Este poema Sobre pintura Imaculada Onde te celebro Com beleza Minimal, Na cor E na forma, Sem fronteiras, E onde Te reinvento, Em fuga, Como esse subtil Fio branco Que esvoaça, Livre, No marmóreo céu Do teu altar... A ÂNCORA, ESSA, A sul, Desliza Suavemente Sobre ti E dilui-se na Negra vastidão... EVOCO-TE, ASSIM, A branco e negro E canto-te Como alma em Filigrana De ouro preto Em repouso sobre O branco-pérola Dessa flor Que, um dia, Encontrei No jardim Da minha vida...
Publico o comentário da Prof.ra Maria Neves ao meu Poema “Bianco&Nero”.
“Estamos perante um poema com uma riquíssima expressividade emocional conseguida através de lexemas cuidadosamente bem selecionados e uma opção estética-discursiva primorosamente bem cuidada. Atente-se, por exemplo, na singularidade destes versos:
“SOBRARA-ME/Uma marmórea/Nébula negra/De travertino/Onde me revia/Como espelho/Oracular,/Curvado sobre mim,/Escuro na alma,/Por falta/Das cores exuberantes/Que me protegiam/Do frio glacial/Do teu silêncio”.
Descodifiquemos: a leveza das redondilhas, a par de aliterações nasais ( “nébula negra”), das metáforas e das imagens (“como espelho/ oracular” ), dos oxímoros e das hipálages (“Do frio glacial/Do teu silêncio”), das rimas interiores (“frio glacial”; “oracular/curvado sobre mim”), do ritmo breve e sincopado, evidenciam a mestria da arte poética de João de Almeida Santos (JAS).
A diversidade cromática – patente em inúmeras poesias de JAS- dá lugar, neste poema, à polaridade do branco e do negro, de cuja simbiótica ressoa uma pluralidade simbólica e semântica, claramente assumida pelo sujeito poético: “Gastara/Todas as cores do/Arco-íris/Que tinha/Dentro de mim”.
Todo este claro/escuro se repercute num entrelaçar entre o viver e o poetar, entre a iluminação da criação poética e a opacidade do silêncio e do vazio existenciais…Mas não será a opacidade da alquimia do poetar/viver que, no fluir dos dias e no devir temporal, tem animado e inspirado os POETAS? JAS confidencia, empaticamente, ao leitor:
“Dessa flor
Que, um dia,
Encontrei
No jardim
Da minha vida…”
Que essa flor continue a brotar poemas…”
João De Almeida Santos.
Obrigado, Prof.ra Maria Neves. Sim, a poesia radica na vida, com as suas transparências e o seu lado obscuro. A pintura está a ajudar-me a desvelar o que se processa em mim como poeta nesse mundo que revisito como se se tratasse de um jardim. Ajuda e complica, porque os jardins também têm o outro lado, quando as flores murcham e declinam. Têm o lado luminoso, mas também o lado nostálgico e despido, quando no inverno os visitamos. Mas mesmo aí são belos… e ficamos a aguardar o reflorescimento, as explosões de cor, os aromas… A vida também é assim, se for assim que a virmos… A poesia para mim é uma porta de entrada para uma certa visão do mundo, da vida. A sua ductilidade permite-nos captar dimensões que o olhar normal não capta. Mas, claro, para isso não bastam os recursos estilísticos, é preciso ter sensores e estímulos que os interpelem, os desafiem… De certo modo. é preciso deixar-se ir um pouco ao sabor da correnteza e do fascínio natural da realidade, reinventando-a, sobretudo quando ela parece ser mais fugidia… Mais uma vez o meu obrigado, Caríssima Professora. Prometo seguir em frente com redobrada energia…
… Por certo apenas em “Bianco” “&” “Nero”, mas sempre refletindo a riqueza de “Todas as cores do Arco-íris”. Estas, mesmo gastas, como que continuando a completar a sonoridade do Poema…porque sempre imaginadas pelo leitor. Onde cabe também o “branco-pérola”…
Professor, que bonito!!
Um Poema, que além de fantástico, é delicado e glamoroso… Afinal, assim é a filigrana. Um trabalho onde nenhumas mãos alguma vez de atreveram a pousar ou, sequer, tocar!
Já nem sei o que dizer para não me repetir. Porque todos os Poemas são obras de arte reais verdadeiramente extraordinárias! E os jogos entre palavras, cores e formas, ainda mais extraordinários!! Meticulosamente escolhidos… Porque se sente tal… E invadem o leitor de profundo encantamento…
Com muita (e muita) admiração, fp