AZUL
Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Paraíso”. Original de minha autoria
para este Poema. Setembro de 2018.

“Paraíso”. Jas. 09-2018
POEMA – “AZUL”
TANTO AZUL,
Meu deus!
O teu céu,
Esse imenso mar,
É espelho
Dos teus sonhos,
Medida do teu
Olhar.
O MEU É BRANCO
E cintilante
Para te alumiar
Na noite escura
Onde brilham
Gotículas salgadas
Nos teus olhos,
A navegar...
OUVE-SE
O suave murmúrio
Das ondas
Que abriga,
Como véu
Translúcido,
O estranho silêncio
Que há muito
Ouço,
Insistente,
Com a alma
Dorida do
Poeta que me
Habita.
QUANDO, NOS
SONHOS,
Ao longe
Te entrevejo
Vestida de azul
Turquesa,
Entro numa porta
Branca
Que me leva
Directamente ao
Paraíso...
...................
E nele voo, voo,
A perder de vista,
Deixando para trás
O jardim
Inacabado,
Porta escancarada,
Bailéus desenhados
A rigor,
A preto e branco,
De onde
Um dia
Te vi
E cantei
No meu primeiro
Poema,
Num estranho
Enlace
Que não tem
Fim...
NOS SONHOS,
(Em todos eles)
Caio das nuvens
Brancas
Como Ícaro
Ou meteorito
Incandescente
E quase me afogo
Nesse frio azul
Até te encontrar
No coral
Luminoso
Onde vives
Vestida de todas
As cores
Que povoam
A cidade
Dos poetas...
MAS É ESSE
Teu azul
Profundo e
Denso,
Que respiro,
O que me sobra
De ti,
Nos sonhos
Escritos
E pintados
Com que te
Vou soletrando
Lentamente...
Até cair exausto
E adormecer
No regaço
Da tua alma.
Gosto muito dos poemas que todas as semanas pública. Não fazem rima, não faz mal, sente-se que é o que sente, que lhe vai na alma. É bom deixar-se assim transparecer! Obrigado por partilhar!
A profusão do Azul, com que abre este poema, contamina, semanticamente, todo o enunciado poético, ganhando essa cor expressividade quer pela ênfase do lexema tanto (“Tanto azul”) quer pelas tonalidades com que o sujeito poético vai pontuando o objecto amado (“Vestida de azul/Turquesa”; “ESSE/azul/Profundo e/Denso”).
Ao mesmo azul é atribuído, por metonímia, os sentimentos de um “tu” distante e silencioso – a hipálage e a hipérbole dos versos (“ E quase me afogo/Nesse frio azul”)traduzem a inexistência, dorida, da falta de comunicação entre um “tu” e um “eu” poético.
Curiosamente, ao azul, o Poeta contrapõe o branco para si (“ O MEU É BRANCO/E cintilante”) e para a PORTA (“ Entro numa porta/ Branca/Que me leva/Directamente ao/Paraíso…”), porta essa que remete para a belíssima ilustração deste poema. A polissemia da Porta, do Azul e do Branco, configuram um horizonte de leitura plurívoco a indiciar a consciencialização de um Poeta, que, através da POESIA, transcende o silêncio e os desencontros (reais ou imaginados) de um quotidiano cinzento. Alumiado pela autorealização da alquimia da emoção e da arte poética e pictórica, O Poeta/Pintor vai em busca (e com isso arrasta o leitor…) de um Paraíso, que, significativa e metaforicamente, dá título à ilustração do Poema…
“OUVE-SE
O suave murmúrio
Das ondas
Que abriga,
Como véu
Translúcido,
O estranho silêncio
Que há muito
Ouço,
Insistente,
Com a alma
Dorida do
Poeta que me
Habita.”
João de Almeida Santos. Cara Professora Maria Neves, sim, é isso: a porta, o branco e o azul. O início do poema é espanto, o que alguns colocam na origem do filosofar e que eu, aqui, coloco na origem do poetar. Mas, sim, espanto: tanto azul, meu deus! É assim. E hei-de continuar a espantar-me como reacção quase iniciática e motor dos meus cantos. Claro, espanto-me sempre com a origem da minha caminhada poética que já calcorreou cento e cinco veredas poéticas, o que não é pouco! E que, por isso mesmo, tanto me espanta. É este espanto que me anima e não me deixa deslizar para o “quotidiano cinzento” de que fala. Não que desdenhe o cinzento… mas que tema que ele ocupe sorrateiramente o meu quotidiano para enfraquecer os laços vivos que me prendem à vida e ao canto dionisíaco, mesmo que triste. O poeta que me habita… Nem sei como se chama. Se calhar nem tem nome, por ser uma silhueta que se esgueira nas esquinas mais agudas do dia-a-dia, como espectro ou até mesmo simulacro de uma simples ideia ou de um terno sentimento. Acho que o Bernardo Soares me anda a dar voltas à cabeça. O que vale é que lhe dou também eu a volta e transformo os seus pensamentos torturados em poesia (embora também ela muito torturada). Mas tenho a certeza: o poeta que me habita, sem pagar renda, e, bem pelo contrário, estando sempre a cochichar-me coisas ao ouvido, não tem nome e até julgo que nunca o vai ter. Poeta Sem Nome! Que belo nome, não é, Professora? Chamamos-lhe “O Inominado”? Mas, mesmo assim, poderá habitar-me, sem bilhete de identidade, um espectro, uma sombra que se esgueira nas esquinas da minha vida? Levo-o à loja do cidadão? Não gostaria… Aguardo, então, a sua opinião, Caríssima Professora, e fico-lhe mais grato ainda pela generosidade das suas análises dos meus poemas. Um abraço.