VOU CONTIGO P’RA PASÁRGADA
Poema de João de Almeida Santos.
Diálogo com o poeta brasileiro
e nordestino Manuel Bandeira - 1886/1968
(Poemas: “Vou-me embora p’ra Pasárgada”
e “Brisa”), pelo cinquentenário da sua partida.
Ilustração: “Pasárgada”. Original
de minha autoria para este Poema.
Novembro de 2018.

“Pasárgada”. Jas. 11-2018
POEMA – “VOU CONTIGO P’RA PASÁRGADA”
VOU CONTIGO P’ra Pasárgada, É outro mundo, Irmão, Eu não fico Por aqui, Falha-me A inspiração Porque a brisa Do nordeste Ficou lá No Maranhão! NÃO TENHAS, Manel, Saudades, Nostalgia do futuro... Temos passado Que baste E foi, sim, Foi muito duro! VOU CONTIGO P’ra Pasárgada Não quero Ficar aqui, Há tempestade No ar E a brisa do nordeste Não passou Do Piauí. P’RA PASÁRGADA Quero ir, Lá todos Falam verdade, Por aqui Ah, eu nem sei, Já me falta Liberdade... GOSTO DE TI, Ó poeta Do reino Da utopia, Sem passado Nem futuro, Onde se faz Poesia, Se pinta, Canta E dança Porque o ar É do mais puro E cheira A maresia! VOU CONTIGO P’ra Pasárgada, Por aqui Não fico bem, É escuro O horizonte E eu até Já me sinto Como se fosse... .................. Ninguém! NÃO GOSTO D’estar aqui, Há ruído Que é demais, Esta terra Não me serve, Eu espero-te No cais... .............. Vou contigo No teu barco, À procura De mar calmo, Céu sereno E tudo o mais, Navegando No azul, Peixes voando No mar, No horizonte Uma ilha, Mulheres lindas A acenar... EM PASÁRGADA Sou feliz Canto e Danço Na madrugada Até que o corpo Se canse Com alma Apaixonada E adormeça No regaço Da mulher Que for amada. POR AQUI OUÇO Ruído, Há armas A crepitar, Matam poemas Com gritos, Já não podemos Cantar... VOU CONTIGO P’ra Pasárgada Meu mestre De poesia, Cantarei os teus Poemas Seja de noite Ou de dia... VOU CONTIGO P’RA PASÁRGADA...
Estamos perante uma poesia “engagée”, conotada com a situação política brasileira. O poema está repleto de metáforas antitéticas a colocar, de um lado, a democracia e, do outro, a opressão e a falta de liberdade. Atentemos na subtileza fina destes versos:
“NÃO GOSTO
D’estar aqui,
Há ruído
Que é demais,
Esta terra
Não me serve,
Eu espero-te
No cais…”
A interpelação retórica ao poeta brasileiro – Manuel Bandeira – denota, por um lado, a admiração inequívoca do poeta João de Almeida Santos (JAS) pelo estro poético deste nordestino, e por outro, uma nostalgia pelos ares democráticos que, no passado recente, se respiravam no Brasil:
“Porque a brisa
Do nordeste
Ficou lá
No Maranhão!”.
A presentificação é dada pelos deícticos que situam o leitor em geografias tropicais, outrora suaves e calmas e hoje tempestuosas e opressoras.
“VOU CONTIGO
P’ra Pasárgada
Não quero
Ficar aqui,
Há tempestade
No ar”
Toda a carga semântica culmina, aliás, na estrofe que vale a pena reler: “É escuro/O horizonte/E eu até/Já me sinto/Como se fosse/…/Ninguém!”. Neste versos, o lexema “Ninguém” recupera segmentos frásicos intertextuais vicentinos e garretianos que, em textos dramáticos, ambos os autores utilizaram com idêntica semântica à do poeta JAS mas inseridos, naturalmente, em conjunturas epocais e socio-históricas diferenciadas.
Ninguém … não será a condição de todo o ser humano que fica privado de liberdade(s)?