NA BRUMA DA MEMÓRIA
Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Luar”. Original de minha
autoria para este poema. Dezembro de 2018.

“Luar”. Jas. 12-2018
POEMA – “NA BRUMA DA MEMÓRIA”
FUI LEVAR-TE Uma rosa Aos confins Do meu afecto. Desci fundo Na memória Onde ainda te Guardava Como se fosse Teu tecto. PROCUREI-TE Na bruma Espessa Que caía Sobre mim E quase não te Encontrei, De tão longa Despedida... ............... Uma saudade Sem fim! PERDI-TE O rasto E o perfil, Até teu nome Perdeu cor, Teus olhos Luziam, Incertos, Nesta neblina Da dor... PERDI-TE A VOZ E a tua Melodia, Quase tudo... ................ Mas, no fim, Não te perdia! PORQUE ERAS Uma ideia Que me sobrou Do afecto Que por ti Sempre senti, Construção De arquitecto Para nunca Te perder Desde o dia Em que te vi. NO MEIO DA NEBLINA Esfumava-se O teu rosto De tanto eu Te perder, Incerto O cintilar De teus olhos Que eram negros Nessa ideia De te ver. ERA BRUMA Indefinida Este meu Esquecimento, Mas sobraste Como ideia Nesse preciso Momento. E VOLTEI! Eu volto sempre! É desejo De te ver, Dar-te corpo Nas palavras Com que te quero Dizer Em cada dia, Depois de, no fim, Te perder (Eu bem sabia). AGORA, DESENHO-TE Com palavras e Com cores, Com paisagens Que tenho dentro De mim, Com rostos E com flores, Aromas, Um passeio Com pavões, Utopias, Gritos d’alma, Emoções... .................. P’ra te recriar Com magia E contigo Caminhar Lá mais no alto, Na fantasia, Onde vive Essa ideia Que procuro Quando te quero Encontrar! VOO COM UMA Rosa, Disfarçado de Insecto, P'ra te ver Ali de perto, Olhos negros, Cintilantes, Fugidios Ao fascínio Do jogo da sedução Numa noite De luar... ............ E talvez De perdição! MAS TEUS Olhos Apagam-se Na fria penumbra Da memória E, então, Pinto-os Com as cores Do arco-íris P’ra melhor Te inventar Banhada Pelo sol Nas mil gotículas Que brilham Dentro de mim, Ponte luminosa Donde sempre Te alcanço P’ra me resgatar Com flores Do teu quimérico Jardim. TOMA ESTA ROSA, P'ra que sintas O aroma Do meu estro E como, ausente, Eu te guardo Tão perto de mim!![]()
“MARIA NEVES:
– Habita, neste texto poético, uma profusão de cores, de movimento, de flores, odores, aromas, brumas e neblina… a relevar uma mensagem poética aliada ao êxtase da criação e do “ofício” primoroso e prazeroso – como dizia Florbela Espanca – de Fazer Poesia e Ser Poeta. Assim, o leitor está perante um poema que evoca uma miríade de sentimentos, desde a nostalgia e a saudade, à incessante procura de um ser (in)atingível, etéreo e idealizado. É nesta dimensão onírica – bem pessoana – que o poeta tanto se metaforiza em arquiteto (“ PORQUE ERAS/Uma ideia/Que me sobrou/Do afecto/Que por ti/Sempre senti,/Construção/De arquitecto/Para nunca/Te perder/Desde o dia/Em que te vi”) como se metamorfoseia em insecto (“ VOO COM UMA/Rosa,/Disfarçado de/Insecto,/P’ra te ver”).
Aliada à “Construção/De arquitecto”, emerge no poema uma verdadeira arquitetura poética feita com palavras, com desenhos, com sentimentos e com emoções exteriorizadas. Emerge na discursividade do poema, uma bela orquestração formal, semântica, lexical, fantasmagórica e ilusória… E emerge também a simbiose entre a palavra e o desenho, simbiose essa que contamina, semanticamente, o poema ao narrar, num tom lírico, sinestésico e cinético, uma paixão sentida ou efabulada.
Atente-se na graciosidade desta estrofe com o deítico (Agora) a comandar o sentido do verso, com as anáforas assindéticas e ritmadas (“com cores/com paisagens (…) com rostos”…), com rimas toantes e versos brancos e com apóstrofes enfáticas. Todos estes dispositivos criam efeitos literários e estéticos que originam no leitor – sensível à criação poética – um efeito de deslumbramento…
“AGORA, DESENHO-TE
Com palavras e
Com cores,
Com paisagens
Que tenho dentro
De mim,
Com rostos
E com flores,
Aromas,
Um passeio
Com pavões,
Utopias,
Gritos d’alma,
Emoções…”
João De Almeida Santos – Já tinha saudades dos seus comentários analíticos e tecnicamente construídos de forma muito profissional. Ajudam-me sempre a tomar consciência do que muitas vezes resulta da pura intuição. Mas sei bem das múltiplas tarefas que a ocupam. Sim, está cá o Pessoa. Mas também a Yourcenar. É deles que parto. E por isso foi difícil construir o poema – a partir de uma ideia: a ausência como condição da criação. E é verdade que tenho vindo progressivamente a procurar a sinestesia entre a palavra, o risco e a cor. E, claro, a música, porque sem ela a poesia perde força propulsora. Arquitecto e insecto, sim, a poesia permite tudo, quase até nos sentirmos como o personagem de Kafka. De algum modo, é um processo de transfiguração, do autor em poeta, do poeta em sujeito poético, do sujeito poético nas metamorfoses a que todos estão condenados num só poema, arrastados pela necessidade vital de comunicar, como se disso dependesse a própria vida. Transfiguração para dizer o que sente como se de uma experiência existencial se tratasse. A tal performatividade da palavra poética. Mais uma vez obrigado, Professora, pelo seu belo e elucidativo comentário. O poema, com ele, sai enriquecido, pois acrescenta-lhe sentido. Um abraço.