Poesia

ENCONTRO

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Dame mit Ohrring”. Original
de minha autoria para este poema. 
Dezembro, 2018.
Exactamente há um ano, publiquei o poema “Teus Olhos”, agora 
recriado sob a mesma inspiração, mas ilustrado, não com “Dame 
mit Muff”, de Gustav Klimt, que aqui evoco e invoco, mas por este  
quadro de minha autoria. O percurso de um ano, aqui plasmado, 
quarenta e cinco desenhos depois, de um atrevido aprendiz de pintor 
que, em grave estado de necessidade poética, se lançou na ousada 
aventura de ilustrador da sua própria poesia!
JAS_Dame mit Ohrring231218Final

“Dame mit Ohrring”. Jas. 12-2018

POEMA – “ENCONTRO”

CHEGASTE SÓ,
Rápida,
Deusa
No jardim,
Asas nos olhos,
Um horizonte
Sem fim...

A LUZ MORNA
Do entardecer
Deu brilho
Ao macio
Do teu rosto
Para o embelecer
Na penumbra
Que descia
Nesse cair
De sol-posto.

TUDO É BELO
Em ti, 
Quando te deixas
Ir,
E vais, livre,
Por aí,
Serena
E distante
Da fria rotina,
Seduzida pela cor
Que sempre
Te cativou
E há muito
Te destina...

 “ – ESTÁS MODERNO,
Meu amigo!”
Disseste, com
Malicioso sorriso,
Suave porto
De abrigo
De que tanto
Eu preciso...

VI-TE LEVE
Como traço
De pintor
Em aguarela,
Livre como
Pagã divindade,
Suave e doce
Como mulher
Sedutora
Em terna
E já madura
Idade...

VIMOS MIL
Quadros
Luminosos
E vi teu rosto
Em contraluz,
Esse perfil
Que há muito
Me seduz,
Traços finos em
Deslumbrante
Harmonia...
................
Era assim
Que nesse
Entardecer
Eu já te via!

SENTI-ME SUBIR
Ao céu,
Privilégio
Inesperado
Esse dom
Imerecido...
............
Ver-te ali
A meu lado
E sentir-me
Tão docemente
Perdido...

VEJO-TE, SIM,
Às vezes,
De semblante
Carregado,
Sulcos marcados
No rosto,
Recolhida
Num silêncio
Ecoado,
Dias cinzentos
Quando a luz
Te põe órfã
Por momentos,
Em sofrida
Melancolia!

CHEGASTE SÓ,
Nesse dia,
Mas cintilante,
A transbordar
De luz
E alegria.

LI-TE NA ALMA
Com o olhar,
Respirei contigo
O mesmo ar,
Dei vida
Ao que eu já
Pressentia...
................
Nesse morno
Entardecer!

QUANDO TE VEJO,
Assim,
Em sonho,
Nestes dias
De leveza,
Posso dizer
Que te amo,
Que te toco,
Ao olhar,
Que te beijo
Na alma
P’ra melhor
Te abraçar,
Que te digo
O que não ouso,
Ao sabor
Do vento
Em cada
Amanhecer
E que acordo
Sempre
Ao relento
Sob o céu
A descoberto
Para logo,
Bem cedo,
Ao lusco-fusco,
Eu te ter...

NO REGRESSO,
Parei a teu lado,
Por uns momentos,
Olhei-te
Sete vezes,
Um movimento
Sem fim,
Repeti
O teu nome,
Olhaste p’ra mim,
Perdi-me
Do mundo,
Levei-te ao jardim,
Colhi duas rosas,
Respirei
Bem fundo,
Um acre aroma
Me inebriou,
Beijei-te no rosto,
Meu peito parou...

MAS LOGO PARTISTE
Sozinha a voar
Ainda mais bela,
Comigo a sonhar,
Teus olhos
De mel
Em rosto sereno
E sempre feliz,
De alma bem cheia,
Um perfil de deusa
Como eu te quis...
....................
Até que o teu nome
Comigo partisse
P’ra este poema
Onde te recebi
Com estas palavras
Que nunca te disse
Mas que te ofereço
No que agora
Eu (já) escrevi!

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2 thoughts on “Poesia

  1. A Celebração do encontro amoroso – mesmo que sonhado e efabulado – parece-me ser o mote deste poema de João de Almeida Santos (JAS) construído de novo numa mise en abîme. As notações espácio-temporais ( “A LUZ MORNA/Do entardecer”) acentuam e enobrecem o romantismo harmonioso e as reminiscências saudosas de fragmento de passados que o sujeito poética evoca ou recria reinventando:

    “VIMOS MIL
    Quadros
    Luminosos
    E vi teu rosto
    Em contraluz,
    Esse perfil
    Que há muito
    Me seduz,
    Traços finos em
    Deslumbrante
    Harmonia…”

    Nesta estrofe, a par de uma fugaz e etérea descrição do objecto amado – à maneia petrarquista e camoniana na fase renascentista -, o Poeta convoca a arte pictórica (isotopia cada vez mais omnipresente) numa linha sinestésica onde confluem diversas sensações desde as visuais às auditivas.
    A aposta por um intratexto interpelando directamente o objecto amado (“ – ESTÁS MODERNO/,Meu amigo!”/Disseste, com/Malicioso sorriso”), incutem ao poema uma vivacidade e graciosidade peculiares trazendo esse objecto amado para a tessitura interna discursiva e envolvendo-o na trama poética. É um grito de alma que ressoa em todo o poema…
    A originalidade do Poeta-Pintor continua a surpreender-nos pela perenidade da palavra poética e por um estilo próprio com que tece poemas e os ilustra com mestria de traço e de cor.

    • Mais uma vez o meu obrigado, Cara Professora Maria Neves. Sim, um encontro sonhado sobre um quadro que o outro lado do poeta-pintor desenhou para o sonho sonhado. Agora até me lembrei do meu colega ☺️ Manel Bandeira. Este poema tem uma circularidade que não aconteceu noutros – um quadro inédito para um poema que é recriado para o novo quadro: “um perfil de deusa como eu te quis”. Mise-en-abîme, sim. Esta circularidade também se verifica na própria pintura ao evocar Klimt no novo desenho, celebrando como tributo a sua dádiva, invocando (também), em delírio onírico, uma deusa que veio em seu (do poeta) auxílio quando ficou só na floresta de palavras com que vinha enredando a sua vida (poética). Sinestesia, sim, exercício que cada vez mais me ocupa chegando eu a temer que, nesta composição harmónica entre a poesia e a pintura, acabe por subalternizar o discurso poético, como se tivesse de provar que também lá chego na pintura, tornando-me, sim, melancólico, mas auto-suficiente. Mas não, o que me está a acontecer é uma nova experiência poética, deslocando para a pintura o que pode fugir-me no real (poético), aumentando a intensidade da efabulação. E até penso que a poesia poderá ganhar com isso, desde que conserve activa na memória a fonte remota de inspiração que alimenta o rio (ou o riacho) onde se banham as palavras e a pintura com que me vou tecendo nestas artes. Há sempre o perigo de uma seca extrema e de a fonte também secar, bem sei, mas o lençol de água que alimenta o rio permanecerá sempre, enquanto viver, e, por isso, talvez não haja, em qualquer caso, perigo. Até porque é no Monte Parnaso, assente num inesgotável lençol de água pura, que nascem todos os rios onde se banham as palavras… Poderá não acreditar, mas os seus comentários adensam sempre a minha responsabilidade, a “gravitas” poética, a exigência de profissionalismo no que faço, ajudando-me a melhorar a minha performance poética, onde inscrevo cada vez mais, como práxis, a minha própria vida. Só falta mesmo retirar-me para a minha Torre (como a do Montaigne) para, daí, reconstruir o mundo (pelo menos o dos afectos), à minha medida. E quando eles, os afectos, são genuínos isso até é possível. Claro, através da poesia… que aspira à universalidade. Desejo-lhe um feliz Natal e um fantástico 2019.

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