ESTA NOITE EU SONHEI-TE…
Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Regresso a Pasárgada”. Original
de minha autoria para este poema. Dezembro de 2018

“Regresso a Pasárgada”. Jas. 12-2018
POEMA – “ESTA NOITE EU SONHEI-TE…”
ESTA NOITE EU
SONHEI-TE...
....................
Já passara
Tanto tempo
Que parti
Do meu nordeste,
Do jardim do
Paraíso!
COMO SE NA
VASTIDÃO
Do espaço
Entre o sonho
E tua vida
Não houvesse
Essa tristeza
De tão longa
Despedida...
QUE ESTRANHO
ESTE SONHO,
Pois julgava-te
Perdida
Lá no fundo
Da memória,
Onde a imagem
De teu rosto
Não me fosse
Devolvida!
AH, QUE BOM
SONHAR-TE,
Recriar
O que perdi,
Virar tudo
Do avesso,
Reviver
O teu sorriso
E ficar-me
Por aqui!
ESTA NOITE
EU SONHEI-TE
E gosto
De o dizer,
É como ter-te
A meu lado
Para não mais
Te perder
Porque nasci
P’ra te amar...
...................
Esse dom
Que faz sofrer!
AH, QUE SONHO!
Ficou-me colado
Ao corpo
Mesmo quando
Acordei,
Foi um prazer
Infinito,
Pois tinha
O doce sabor
De alguém
Que eu amei.
SONHEI-TE,
Senti-te
Dentro de mim...
.................
Mas eu não sei
Por onde andas,
Se te ganhas
Ou te perdes...
..............
E esta dor
Não tem fim...
PERDI-TE
De modo diferente,
Bem sei,
Porque nunca
Te encontrei
Na ponte
Desse teu rio
Que eu nunca
Atravessei.
ESTA NOITE EU
SONHEI-TE...
...........
Voltaste
De longa ausência,
Voltas sempre,
Sim, eu sei,
Porque de mim
Não saíste,
Do dia em que
Te encontrei.
MAS PARECE
Que te esfumas
No poço fundo
Do tempo,
Tua imagem
S'esbate
Nesta retina
Já gasta,
Tua voz é
O silêncio
Deste som
Que me consome,
Teu olhar
Fica cerrado
Para nunca mais
Me ver,
Braços caídos
No corpo
Para não me
Abraçares
Nem que seja
Na memória
Do que nos sobra
Da vida!
É ASSIM QUE
EU TE SONHO,
Vendo-te um pouco
Perdida,
Comigo sozinho
No cais
Com a alma
Adormecida,
Porque daqui,
Deste meu
Sonho,
Tu já não sais,
No resto da
Minha vida!
ESTA NOITE EU
SONHEI-TE
Porque estás
Longe de mim,
Não foi por
Vontade minha,
Foi a vida,
Foi assim...
Maria Neves. A poética de João de Almeida Santos (JAS) tem estado ancorada, semanticamente, entre uma deambulação onírica e real, entre a tristeza da ausência e a alegria da presença, entre a saudade de um passado feliz e um vazio do momento presente. Estes leitmotivs são (re)criados e (re)inventados – à maneira do fingimento poético verbalizado por Fernando Pessoa – numa imagética narrativa bem arquitectada e num misterioso pulsar do “coração” e do amor. A poesia para JAS parece ser uma forma de se conectar com o sentido da Vida e dar sentido à efemeridade da existência. Todos estes dispositivos semânticos são vazados numa mestria formal (cadência dos versos, rimas toantes e consoantes, métricas diversificadas) que sublinham uma tensão inaudita entre real e o efabulado. Exemplifiquemos. No verso “ESTA NOITE EU/SONHEI-TE…”, a opção estilística (repetitiva) pela forma “sonhei-te” releva o pronome pessoal reflexo indiciando uma presentificação reiterada do sonho que vai estar acasalado com a antítese ( “Perdi-te”). Esta ligação antitética funciona como uma arqueologia perfeita do desenlace triste duma aventura amorosa efabulada (“Não houvesse/Essa tristeza/De tão longa/Despedida….”). Nestes segmentos textuais transcritos, regista-se a carga negativa do advérbio a comandar o sentido do verso, a metáfora da tristeza e o sentido vocálico e consonântico dos fonemas -t- , – d- , -s- que emprestam aos versos uma rara musicalidade conseguida pela aliteração. O jogo poético aqui ensaiado e criado parece ser um antídoto para um quotidiano entediante do sujeito poético (“E esta dor/Não tem fim…” ) e para uma aceitação do FATUM (destino):
“ESTA NOITE EU
SONHEI-TE
Porque estás
Longe de mim,
Não foi por minha
Vontade,
Foi a vida,
Foi assim…”
João de Almeida Santos. Obrigado, mais uma vez, Professora Maria Neves, pelo seu excelente comentário. Que belo, ver assim valorizados os meus poemas! Os seus comentários já fazem parte do meu próprio percurso poético. Como combinam tão bem sonho e poesia! Se a poesia já é sonho, maior é a elevação quando ela é sonho de um sonho! Um sonho de olhos entreabertos! Talvez a vida sonhada (em poesia) dê mais vida à vida, a preserve e a projecte. O que aqui pretendi foi uma tripla efabulação: um jardim encantado pela exuberância cromática e pelo seu poder como fonte seminal de inspiração, um sonho sonhado e a poética do sonho. Gosto disto, Professora! E gosto dos seus comentários. Desejo-lhe um fantástico 2019, para si e para os seus.