PALAVRAS
Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Geometria de um Poema”.
Original de minha autoria.
Setembro de 2019.

“Geometria de um Poema”. Jas. 09-2019
POEMA – “PALAVRAS”
PRA QUE SERVE
Este poema,
Meu amor?
“- Para nada!”,
Dizes tu,
“- São palavras
Que usas
Pra te sentires
Menos nu”.
PALAVRAS
São como vento,
Vão,
Voltam
E mudam
D’intensidade,
Sopram forte
Ou de mansinho,
São volúveis,
Ilusão,
Vão pra sul
Ou vão pra norte
Mas cruzam
O teu destino
Mesmo que digas
Que não.
SÃO INTANGÍVEIS,
São sinais,
Podem ferir
Como espada,
Às vezes
Como silêncio,
Outras,
Pior,
Como nada...
DIZEM SEMPRE
O que sinto,
Parecendo
Não o dizer,
Às vezes
É proibido
E outras
É por não
Querer.
E se escrevo
E te minto
É por ser forte
O desejo
De um dia
Eu te ter.
ESTE POEMA
Que te envio
Escrevi-o
Com o vento,
Mas nele
Eu também minto...
..............
E o vermelho
É cinzento!
MAS É CONFISSÃO
Inocente
Que chega
Ao seu destino
Como o Sol
Vai a poente
Num poema
Cristalino.
SÃO PALAVRAS,
Meu amor,
Murmúrios
De quem te quer,
São o sonho
Do poeta
Quando a vida
Adormece
No rosto
De uma mulher.

“Geometria de um Poema”. Detalhe.
Ao ler esta poesia de João de Almeida Santos (JAS) ocorre, de imediato, ao leitor – seja pelo título seja pela tessitura semântica do texto – o belo poema de Eugénio de Andrade (1) intitulado “As Palavras” com o qual a poesia de JAS estabelece, indubitavelmente, um diálogo intertextual. Pese embora a dissimilitude de estilo e de semântica entre ambos os poetas, há, inequivocamente, similitudes em ambos os poemas intitulados de igual forma (Eugénio de Andrade optou por colocar o definido “As Palavas”, JAS optou por não colocar nenhum artigo definido, o que confere desde logo ao poema uma conotação mais abstrata e genérica). É sempre um desafio intelectual para o leitor esta descodificação. Ambos os poetas optam, discursivamente, por atribuir ao lexema palavras uma amplitude polissémica, multifacetada e intemporal, pois as palavras, no devir histórico e diacrónico, carregam, através dos tempos, histórias e segredos dos homens. No poema de JAS, que agora nos ocupa, as palavras recebem epítetos curiosos e metafóricos (“PALAVRAS / São como vento”; “SÃO INTANGÍVEIS, / São sinais, / Podem ferir / Como espada”; DIZEM/SEMPRE/O que sinto,/Parecendo/Não o dizer,” “SÃO PALAVRAS ,/ Meu amor, / Murmúrios / De quem te quer,”).
Há um tom de inquietude e de nostalgia – se entendermos nostalgia na feliz aceção de Pedro Mexia (2), “como bondade do irrecuperável” – que atravessa esta poesia (“ESTE POEMA/Que te envio/Escrevi-o/Com o vento”).
Parafraseando Eduardo Lourenço (3) sobre a poesia das “Odes Modernas”, de Antero, direi que JAS vaza de igual modo na sua poesia “todas as flores da ilusão, todas as esperanças que o nascer do dia oferece à alma humana”. É disto que se trata, como os versos seguintes o espelham: “São o sonho / Do poeta / Quando a vida / Adormece / No rosto / De uma mulher”).
Direi, para concluir, que o acto criativo de JAS – em sintonia com o texto e a imagem – é uma celebração da cor, uma celebração dos sentidos e uma forma de aprofundamento do mistério de existir (para o criador e para o leitor).
(1). Andrade, E. (2014). Poesia. Lisboa: Assírio & Alvim.
(2) Mexia, P. (2019). Ensaio. Segunda Juventude, Revista Expresso, nº 24444, 31 de Agosto, p. 62.
(3) Lourenço, E. (2019). Antero, Portugal como Tragédia, Lisboa. Fundação Calouste Gulbenkian.