TEMPO
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Amanhã...”. Original de minha autoria para este poema. Janeiro de 2020.

“Amanhã…”. Jas. 01-2020
É TEMPO DE RECOMEÇO? O que ontem Eu já era É o que hoje eu sou, As festas Quiseram tempo Intenso, Mas o tempo resistiu Ao que a vontade Tentou... ................. É tempo De recomeço Quando o tempo Não passou? EM CADA MOMENTO Procuro O tempo Que, no passado, Eu, poeta, Não vivi Porque sempre Reinvento Tudo aquilo Que perdi, Num poema Ou em pintura Para saber Quem eu sou Antes de lá Me perder... ............ Nos lugares Pra onde vou... ENTRE HOJE E ONTEM Há algo Que já mudou? Acaso me libertei? A esperança regressou? Fui ao baú Das memórias E vi logo O que tu és: A imagem bem certeira Desse tempo Que passou... TUDO MUDA Amanhã, Quando, tenso, Eu passar Na curva Do teu caminho? Encontro o que antes Nunca vi? Mulher com futuro No olhar, Sempre a sorrir Para ti, A repetir com carinho Um terno E tão antigo “Olá!”, Cabelos negros Ao vento, Corpo esguio Em movimento, Removendo um passado Que nunca mais Voltará? NÃO, O SEU TEMPO É o silêncio, Já não o tenho Nas mãos, Ele corre Sem destino, É ritmo sem melodia, Caminho Da minha vida Que percorro dia-a-dia Na vertigem Do passado, Mais tristeza Que alegria Como este peso Do fado Só liberto em Poesia. TEM TEMPO, A POESIA? Talvez tenha, Eu não sei, Com ela voo No céu Sem limites Nem fronteiras, Um tempo que é Só meu. AH, SIM, O tempo da poesia É a minha salvação, Perdi-te, mas eu não queria Passado de negação. É TEMPO DE RECOMEÇO, Sopra vento de feição? Sou feliz em poesia. Não é o tempo Que salva, Mas as palavras Que digo Enquanto fores Alimento Desta minha inspiração Porque é assim Que te canto: Da dor sai alegria Que me cura Da paixão.

“Amanhã”. Detalhe.
Transcrevo aqui, com sentida gratidão, o comentário da Professora Maria Neves ao poema: “João de Almeida Santos (JAS) retoma neste poema uma dimensão de meta-análise sobre a Poesia, enquanto ato criador (“TEM TEMPO A POESIA?/Talvez tenha, /Eu não sei”) e sobre os seus efeitos na intersubjetividade do Poeta e, em certa medida, do leitor. O vigor poético e sentimental mantém-se com recurso iterativo quer a interrogações retóricas e enfáticas, voltadas para a interioridade do sujeito poético, quer a constantes interpelações paradoxais sobre o tempo: (“É tempo/De recomeço/Quando o tempo/Não passou?”)
Se é o Tempo que norteia toda a divagação poética, personificada e anímica (“Ele corre/Sem destino,/É ritmo sem melodia,/Caminho /Da minha vida”), permanecem, contudo, características da poética de JAS em anotações autobiográficas e na presença da mulher amada de que se vislumbram esparsos elementos figurativos (“Cabelos negros /Ao vento,/Corpo esguio /Em movimento,/Removendo um passado/Que nunca mais/Voltará?”). Curiosamente, esta última interrogação, em final de estrofe, mantém uma fugaz esperança de reencontro com a mulher amada. À mudez e ao silêncio da mulher amada, o Poeta contrapõe o seu canto, animado pelo seu estro poético, uma poesia/pintura motivo de felicidade e de realização: (“Sou feliz em poesia,/Não é o tempo/ Que salva,/Mas as palavras/Que digo/Enquanto fores /Alimento/Desta minha inspiração/Porque é assim/Que te canto:/Da dor sai alegria/Que cura esta/Paixão.”). A Poesia inebria a alma. E diremos como o poeta Fernando Guerreiro (1): “só os poetas/acreditam que a poesia/ pelo som, se pode substituir/ ao ruído do mundo”.”
(1)Guerreiro, F. (2019). Ventos Borrascosos. Lisboa: 100 Cabeças /Homem do Saco.