Poesia-Pintura

SONHEI-TE, NAQUELA NOITE

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Um Sonho”.
Original de minha autoria.
Fevereiro de 2020
JAS_Meteorito030918PublicadajpgTrab

“Um Sonho”. Jas. 02.2020

POEMA – “SONHEI-TE, NAQUELA NOITE”

SONHEI-TE, MEU AMOR.
Atravessava o deserto,
Há muito.
Nada via no horizonte.
Areia, só areia
No meu caminho
E uma neblina quente
Lá ao fundo...
Nem sabia se
Na longa caminhada
Encontraria
Um oásis
Onde molhar
Os lábios
Já gretados
De tanta aridez...

MAS HOJE SONHEI-TE.
Saí do deserto
E reencontrei o oásis
Nas pupilas dos teus
Olhos.

ANINHEI-ME EM TI,
Sereno como nunca
Estivera
Desde que te conheci.
Ofereci-te uma história
Em papel
Onde te conto,
Nos conto
À exaustão,
Até ao limiar 
Do impossível,
Mas com uma réstia
De esperança
De não ter de 
Regressar
À torreira 
Do deserto.

FALÁMOS DE ARTE,
Imagina,
Do seu poder
Curativo
E de como a vida
Se lê
E se resolve
Nela.

ABANDONEI-ME
Nos teus braços,
Perdido em quentes
Memórias,
E caminhámos
Nem sei bem por onde
Ou para onde.

SONHEI-TE
Esta noite,
Meu amor.
E, sabes?
Acordei de ti
Embriagado
De felicidade, 
Uma doce tontura...

AH, HABITUEI-ME
A estar contigo
Em sonho,
A dizer-te 
Em poemas,
A interpelar-te
De longe...

HABITUEI-ME
Ao teu silêncio,
A uma fronteira
Inultrapassável
A não ser
Pelo vento
Que te cicia os
Meus murmúrios...

TENHO-TE
Dentro de mim
E já nem sei
O que seria
Encontrar-te,
Olhar de perto
Esses teus olhos
Negros e profundos,
Sentir o teu perfume
E naufragar
No mistério
Insondável
Da tua vida.

TALVEZ TE PERDESSE,
Nesse instante,
Por excesso de ti.
Mas eu não quero
Perder-te,
Meu amor.
JAS_Meteorito030918PublicadajpgTrabRec

“Um Sonho”. Detalhe.

 

 

2 thoughts on “Poesia-Pintura

  1. A Prof.ra Maria Neves escreveu: “Ao revisitar, por motivos profissionais, a obra “L’Art Poétique”, de Boileau, deparei-me com dispositivos estético-formais que estão plasmados na poética de João de Almeida Santos (JAS), apesar do hiato temporal que separa os dois poetas. Se para Boileau, “le beau dérive du vrai”, creio que, na poesia de JAS, o belo deriva do verosímil, tal a convocação do imaginário e da idealização da matéria poética. Tal como Boileau, também JAS se apropria o mais possível da perfeição do verso e da subtileza para falar de/do Amor…. Tal como Boileau, também JAS exprime os estados de alma com uma linguagem simples e natural que falam da alma do Poeta à alma dos seus leitores…
    Pese embora a profusão de metáforas, a polissemia e a imagética (“os lábios gretados”, “a areia”, “o deserto”, “o oásis”…), o poema de JAS mantém uma estrutura narrativa que nos conta, de novo, um fragmento da vida amorosa (real ou efabulada). De Boileau aos nossos dias emergiram diversos enfoques teóricos (semiótica, estética da recepção, os estudos de Foucault, com “Les mots et les choses”…) que contaminam e permeiam a leitura de um texto literário, seja em prosa ou em verso. Assim, na poesia de JAS, a palavra ganha diversos sentidos dimensionando diferentes campos de subjetivação (“Atravessava o deserto (…), Encontraria / Um oásis” (…) Saí do deserto / E reencontrei o oásis / Nas pupilas dos teus / Olhos”). A antinomia do deserto – onde supostamente o Poeta se encontra tal o afastamento e o silêncio da mulher amada – e do oásis – lugar de encontro com a mulher amada – joga metaforicamente, nesta teia de relação amorosa. Nesta (ou para esta) relação há um elemento de união, a arte (“FALÁMOS DE ARTE, / Imagina, / Do seu poder / Curativo / E de como a vida / Se lê / E se resolve / Nela”). A cumplicidade do sujeito poético com a mulher amada está aqui visível pelo uso da 1ª pessoa do plural, a qual vai de novo contaminar, semanticamente, outros versos de rara sensibilidade e subtileza, como estes: “AH, HABITUEI-ME / A estar contigo / Em sonho, / A dizer-te / Em poemas, / A interpelar-te / De longe…”
    É esta interpelação, vazada em versos, que leva o Poeta a este gesto poético, repleto de ternura e de sinceridade: “Ofereci-te uma história / Em papel / Onde te conto, / Nos conto / À exaustão”.”

  2. Sim, Prof.ra Maria Neves, revejo-me na sua bela análise e nem sei o que poderei acrescentar. Que talvez esteja mais perto de Boileau do que parece, nessa ideia de verdade. A verdade de uma pulsão arrebatadora que nos leva a escrever com realismo. Sim, a poesia ficciona e produz fingimento sobre o que realmente a motivou, a inspirou e a transformou em acto. Mas no fundo há sempre uma verdade pintada a vermelho. Obrigado, Professora. Um abraço.

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