SONHEI-TE, NAQUELA NOITE
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Um Sonho”. Original de minha autoria. Fevereiro de 2020

“Um Sonho”. Jas. 02.2020
POEMA – “SONHEI-TE, NAQUELA NOITE”
SONHEI-TE, MEU AMOR. Atravessava o deserto, Há muito. Nada via no horizonte. Areia, só areia No meu caminho E uma neblina quente Lá ao fundo... Nem sabia se Na longa caminhada Encontraria Um oásis Onde molhar Os lábios Já gretados De tanta aridez... MAS HOJE SONHEI-TE. Saí do deserto E reencontrei o oásis Nas pupilas dos teus Olhos. ANINHEI-ME EM TI, Sereno como nunca Estivera Desde que te conheci. Ofereci-te uma história Em papel Onde te conto, Nos conto À exaustão, Até ao limiar Do impossível, Mas com uma réstia De esperança De não ter de Regressar À torreira Do deserto. FALÁMOS DE ARTE, Imagina, Do seu poder Curativo E de como a vida Se lê E se resolve Nela. ABANDONEI-ME Nos teus braços, Perdido em quentes Memórias, E caminhámos Nem sei bem por onde Ou para onde. SONHEI-TE Esta noite, Meu amor. E, sabes? Acordei de ti Embriagado De felicidade, Uma doce tontura... AH, HABITUEI-ME A estar contigo Em sonho, A dizer-te Em poemas, A interpelar-te De longe... HABITUEI-ME Ao teu silêncio, A uma fronteira Inultrapassável A não ser Pelo vento Que te cicia os Meus murmúrios... TENHO-TE Dentro de mim E já nem sei O que seria Encontrar-te, Olhar de perto Esses teus olhos Negros e profundos, Sentir o teu perfume E naufragar No mistério Insondável Da tua vida. TALVEZ TE PERDESSE, Nesse instante, Por excesso de ti. Mas eu não quero Perder-te, Meu amor.

“Um Sonho”. Detalhe.
A Prof.ra Maria Neves escreveu: “Ao revisitar, por motivos profissionais, a obra “L’Art Poétique”, de Boileau, deparei-me com dispositivos estético-formais que estão plasmados na poética de João de Almeida Santos (JAS), apesar do hiato temporal que separa os dois poetas. Se para Boileau, “le beau dérive du vrai”, creio que, na poesia de JAS, o belo deriva do verosímil, tal a convocação do imaginário e da idealização da matéria poética. Tal como Boileau, também JAS se apropria o mais possível da perfeição do verso e da subtileza para falar de/do Amor…. Tal como Boileau, também JAS exprime os estados de alma com uma linguagem simples e natural que falam da alma do Poeta à alma dos seus leitores…
Pese embora a profusão de metáforas, a polissemia e a imagética (“os lábios gretados”, “a areia”, “o deserto”, “o oásis”…), o poema de JAS mantém uma estrutura narrativa que nos conta, de novo, um fragmento da vida amorosa (real ou efabulada). De Boileau aos nossos dias emergiram diversos enfoques teóricos (semiótica, estética da recepção, os estudos de Foucault, com “Les mots et les choses”…) que contaminam e permeiam a leitura de um texto literário, seja em prosa ou em verso. Assim, na poesia de JAS, a palavra ganha diversos sentidos dimensionando diferentes campos de subjetivação (“Atravessava o deserto (…), Encontraria / Um oásis” (…) Saí do deserto / E reencontrei o oásis / Nas pupilas dos teus / Olhos”). A antinomia do deserto – onde supostamente o Poeta se encontra tal o afastamento e o silêncio da mulher amada – e do oásis – lugar de encontro com a mulher amada – joga metaforicamente, nesta teia de relação amorosa. Nesta (ou para esta) relação há um elemento de união, a arte (“FALÁMOS DE ARTE, / Imagina, / Do seu poder / Curativo / E de como a vida / Se lê / E se resolve / Nela”). A cumplicidade do sujeito poético com a mulher amada está aqui visível pelo uso da 1ª pessoa do plural, a qual vai de novo contaminar, semanticamente, outros versos de rara sensibilidade e subtileza, como estes: “AH, HABITUEI-ME / A estar contigo / Em sonho, / A dizer-te / Em poemas, / A interpelar-te / De longe…”
É esta interpelação, vazada em versos, que leva o Poeta a este gesto poético, repleto de ternura e de sinceridade: “Ofereci-te uma história / Em papel / Onde te conto, / Nos conto / À exaustão”.”
Sim, Prof.ra Maria Neves, revejo-me na sua bela análise e nem sei o que poderei acrescentar. Que talvez esteja mais perto de Boileau do que parece, nessa ideia de verdade. A verdade de uma pulsão arrebatadora que nos leva a escrever com realismo. Sim, a poesia ficciona e produz fingimento sobre o que realmente a motivou, a inspirou e a transformou em acto. Mas no fundo há sempre uma verdade pintada a vermelho. Obrigado, Professora. Um abraço.