INVOCAÇÃO
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Casas no meu Jardim Encantado”. Original de minha autoria para este poema. Março de 2020. Veja a nota no final do poema.

“Casas no meu Jardim Encantado”. Jas. 03-2020
POEMA – “INVOCAÇÃO”
QUE SINTAS O pulsar Do poema No teu peito Para te ter No silêncio De uma casa Iluminada Pelo brilho Das magnólias E da luz Da primavera Ao lusco-fusco De um entardecer ................... É o que mais Eu desejo de ti. SE CAÍRES EM SILÊNCIO Profundo Para melhor Ouvir O meu canto E sentir o aroma Das cores Com que pinto Para te encher A alma De Primavera... ................... Ah, que feliz Eu me sinto. SE SENTIRES Dentro de ti O chamamento Ao poema E o ritmo do meu Pulsar Continuarei A visitar O oráculo E a subir À montanha Onde a deusa Espera Notícias de ti. SE O TEU SILÊNCIO For o eco da Minha voz, A dança da melodia Cantada Em surdina Saberei que Abraçaste o tempo À medida de um Sonho Revelado Onde constróis O futuro... ............... Reinventando o Passado. E SE EU SENTIR Uma suave Tristeza De tanta ausência Sofrida E uma doce Nostalgia Da luz Desses teus olhos Que m'incendeia O olhar Então isso Quer dizer Que te amo... ........... Com a alma A transbordar... MAS NÃO SEI... ................ Não sei se Tudo será Uma cálida Fabulação Pr’alimentar A sede Insaciável De teu corpo Imaginado Num poema Em que sonhei Ter-te, assim, Tão intensamente Amado...

“Casas no meu Jardim Encantado”. Detalhe.
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TALVEZ MOVIDO POR ESTE POEMA, tenho, nestes dias, frequentado, mais do que o habitual, as obras de Nietzsche. Transcrevo, pois, aqui dois aforismos (161 e 175) tirados de “Para além do bem e do mal", de 1886: 1. “os poetas não têm pudor das suas aventuras; exploram-nas” – os poetas vivem as suas experiências íntimas como alimento da sua fantasia; 2. “cada um ama o seu desejo e não o objecto desse desejo” – o que subsiste é o desejo, tudo reside nele e é ele que move montanhas. Este poema remeteu-me para a necessidade de ter estes aforismos sempre presentes, tal como o aforismo 153: “o que se faz por amor está sempre para além do bem e do mal”. E não fosse a conversão interior e o desenho estético das suas pulsões naturais, para além do bem e do mal, a dor do poeta seria irremediável e talvez insuportável. Assim, escreve, pinta e segue em frente, alheio ao (silencioso) ruído exterior que ameaça perturbá-lo. O Nietzsche está mais perto da arte do que da filosofia. Sinto isso na minha própria pele. Eu, que não sou Zarathustra: “Die Liebe ist die Gefahr des Einsamsten” – “O amor é o perigo do mais solitário” (“Assim falou Zarathustra”, 1883-85, III, Der Wanderer). JAS#03-2020
Transcrevo o comentário da Doutora Virgínia Pacheco Graça, que, muito sensibilizado, agradeço: “Já não preciso de dizer que é um poema que revela a sensibilidade extrema do sujeito poético: são todos.
O título chama logo a atenção: uma invocação é um chamamento, invocam-se os deuses, invoca-se Deus, invoca-se aquilo de que temos urgência.
Começo, então, por dizer que as referências a Nietzsche não são por acaso: “Para além do bem e do mal” remete-nos logo para um lugar que não é ocupado pela moral convencional, por assim dizer. É nessa base que devemos ler este poema.
Assim, se não fosse a citação do aforismo “cada um ama o seu desejo e não o objecto do seu desejo”, tudo seria mais banal. Mas não é. Não sei se é subliminar ou, antes, transcendente, mas considero que é uma declaração de amor elevado e inefável (“MAS NÃO SEI……..Não sei se/tudo será/uma cálida/fabulação), onde os símbolos da “casa” (que vai “corporizar” o poema) e das “magnólias” (a pureza, a nobreza, a dignidade…) contribuem para a dimensão quase divina que é dada ao que é transmitido.
Haveria muito mais a dizer… Mas, sim, o que não é dito é mais do que o que está escrito. Talvez seja isso o sublime”.
Obrigado, Professora Virgínia, por este belíssimo comentário. Inspira-me Nietzsche, sim. Não tanto na filosofia quanto na arte. Invocação ou chamamento ao poema é o que o poeta quer para se realizar performativamente. E age como se o chamamento funcionasse, tivesse resposta, silenciosa, mas resposta. E urgente, sim, porque a poesia é uma urgência da alma. E se houver amor na urgência, então, também há perigo, porque o poeta é um ser solitário: “O amor é o perigo do mais solitário”. Solidão, silêncio, amor, perigo. Tudo isto está tão longe do “banáusico”, de que falava a Hannah Arendt, e tão perto do philokalein, do amor pelo belo. O que sobra, nem sequer é o poeta ou o pintor (os executores, ou a techné), mas a poesia e a pintura. Como se quem executa e quem frui se abandonassem na contemplação do belo, como partilha, cada um realizando-se, no fim, à sua maneira, esgotando-se o encontro na própria obra de arte. E tem razão: na minha poesia há mais não dito do que dito, porque só assim é possível aludir, sem ficar prisioneiro do dito. É esta a beleza e a força da poesia. As minhas melhores saudações e o meu obrigado, cara Professora.