Poesia-Pintura

VOAR

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Pássaro de Fogo”.
Original de minha autoria
sobre desenho de Vera Sousa.
Abril de 2020.
Uccello12

“Pássaro de Fogo”. Jas. 04-2020.

POEMA – “VOAR”

APETECE-ME VOAR
Sobre o teu silêncio,
Confinado que estou
Entre paredes
De um subtil
E incerto afecto
Que me vai capturando
Pela sedução
De uma ausência
Insinuada...

AH, MAS EU SEI
Que estas paredes
São do tamanho
Da minha fantasia
E que o voo,
Livre como é,
Não terminará
Até que te sinta
Pulsar finalmente
Dentro de mim...

E SEI TAMBÉM
Que as minhas asas
Terão sempre
As cores
Do arco-íris
Para com elas
Voar
Sobre o vale da
Tua vida,
Montado num
Pássaro de Fogo.

VER-TE-EI 
Lá de cima
Caminhar distraída,
Perdida
Nas encruzilhadas
Que vais criando
No sendeiro inóspito
Da tua vida
E lançar-te-ei
Âncoras coloridas
Que dêem mais luz
À incerteza
Que te vai na alma.

E AGORA,
Que o pintei,
Já tenho um
Mensageiro
Que te levará,
Com o vento
(Ou num
Inesperado
E feliz reencontro
De palavras),
As cores
Com que, docemente,
Te vou pintando
E as deixará
No parapeito
Da tua janela.

MAS NÃO PRECISARÁS
De abri-la
De par em par
Porque ele não
Entrará...
.............
Poderia
Incendiar-te
A fantasia e
Engravidar-te
A alma
Com o fogo
Que levará
Consigo...
Uccello12Rec

“Pássaro de Fogo”. Detalhe.

 

1 thought on “Poesia-Pintura

  1. Nestes tempos de confinamento, voltei a Roland Barthes que revisito amiúdas vezes. E hoje, agora mesmo, li o poema de João de Almeida Santos (JAS) intitulado VOAR. Voltemos por ora a Barthes: “une œuvre est ‘éternelle’, non parce qu’elle impose un sens unique à des hommes différents, mais parce qu’elle suggère des sens différents à un homme unique, qui parle toujours la même langue symbolique à travers des temps multiples: l’œuvre propose, l’homme dispose (Barthes, 2002, pp. 51-52). A premissa barthiana coloca, pois, a centralidade no leitor sendo este o que produz sentidos sobre o universo textual. É com este dispositivo que me apraz ler o poema de JAS. Não se trata, portanto, de descobrir o sentido ou a(s) verdade(s) no enunciado discursivo mas, antes, revelar as potencialidades de interpretação do próprio texto, neste caso poético. Assim, voltemos à poesia de hoje. É toda uma orquestral sinestesia com uma profusão de cores e de sensações tácteis conotadas com uma subtileza erótica (“Até que te sinta/Pulsar finalmente/Dentro de mim….”). Desfrutemos também destes versos em redondilha menor e maior, em cadência, quase uma balada: “E SEI TAMBÉM/Que as minhas asas/Terão sempre/As cores/Do arco-íris/Para com elas Voar/Sobre o vale da/Tua vida,/Montado num/Pássaro de Fogo”. O sujeito poético parece estar capturado e confinado física e psicologicamente por um afeto com dupla adjetivação “subtil e incerto”, por uma ausência com um epíteto de “insinuada” e por uma amada “distraída,/Perdida”. As metáforas e a hiperbolização são constantes no poema a adensar o tom fantasioso e lírico, numa aposta num “Inesperado/E feliz reencontro/De palavras)/ As cores/Com que, docemente,/Te vou pintando”). Emerge, de novo, a sinergia da arte (seja poética seja pictórica) como sublimação do amor vazado, metaforicamente, em versos e em pintura. Não será a arte que dá sentido a vida? Parafraseando Barthes, diremos que a poesia “fait le sens, le sens fait la vie” (Barthes, 1973, p.51).
    Referências
    Barthes, R. (2002). Œuvres complètes. Edição de Éric Marty. Paris: Seuil.
    Barthes, R. (1973). Le plaisir du texte: Paris : Editions du Seuil.

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