ALMA
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração – “S/Título”. Original de minha autoria para este poema. Abril de 2020.

“S/Título”. Jas. 04-2020
POEMA – “ALMA”
SE QUISESSE A tua alma Como anjo Do pecado, Que farias Do teu corpo Que eu sonho Imaculado? SE O TEU CORPO Pedisse O poeta Apaixonado Não lhe darias A alma, Tributo do teu Secreto Pecado? MAS EU QUERO A tua alma Mais do que quero O teu corpo, Do que de ti Eu mais gosto, Porque é ela Que me fala No brilho Desses teus Olhos, No veludo Do teu rosto. ÀS VEZES (Eu pressinto) Abandonas-te Ao ritmo Encantatório Das palavras Que te lanço, Da melodia que Embala, Da beleza Do meu pranto No poema Que te fala. É DIFERENTE O meu encontro Com teu rosto Tão macio, O brilho do teu Olhar... ................. Ou com sulcos Tão crispados, Espelho Da tua alma, Quando roubam O encanto Desse sorriso Esboçado De quem constrói O futuro Nas ruínas Do passado. O QUE EU Procuro em ti, É o lado Desta minha Perdição, A beleza Dos teus olhos Onde te fala A alma, Onde cresce Cada dia Uma incontida Paixão. TALVEZ O TEU SILÊNCIO, Linguagem Em forma pura, Me seduza E me cative Na fronteira De uma dor... ............... Que com poesia Se cura.

“S/Título”. Detalhe.
Transcrevo o comentário, que agradeço, da Professora Maria Neves a este Poema: “O poeta e ensaísta, Nuno Júdice, num significativo ensaio, pontua o papel da crítica, que “só existe porque existe a obra” e do crítico, que “tem de vencer a resistência que lhe é posta pelos seus afetos e entrar na obra liberto das impressões subjetivas, para que a possa ler inteligentemente.” (Júdice, 2010, p.12). Assim, o meu horizonte de leitura pressupõe que entre, criticamente e sem vislumbres de subjetividade, na tessitura poética de João de Almeida Santos (JAS). O poema em análise intitulado “Alma” é uma miríade dual de alma/corpo, profano/sagrado, imaculado/pecado, pureza/paixão… Dir-se-ia uma intelectualidade do sentir, uma poesia pensada e trabalhada, bem urdida quer na propriedade lexical quer nos paradoxos estilísticos utilizados (“Como anjo/Do pecado”). Mas é também uma poesia que retoma as isotopias da poética de JAS: a solidão, a angústia do existir, a melancolia. A superação da dor, pela criação poética, é, aqui e agora, bem explícita (“Na fronteira/De uma dor…/……………/Que com poesia/Se cura). Nestes últimos segmentos textuais, o efeito da pontuação expressiva (reticências) e de uma pausa longa, induz um ritmo encantantório, em jus, aliás, com o “ritmo/Encantatório/Das palavras”. Em termos estéticos, é uma poesia que convoca campos semânticos do sagrado em harmonia com o próprio título ALMA…cujas vogais abertas rimam, de forma toante e consoante, com diversos lexemas como embala, fala…, criando uma harmonia musical, propícia ao canto…
Referência: Júdice, N. (2010). ABC da crítica. Lisboa: Dom Quixote.
João De Almeida Santos. Obrigado pelo seu comentário, Cara Professora Maria Neves. Bem entendo essa sua referência ao Nuno Júdice, por tantas vezes notar em mim alguma perplexidade sobre o meu ser poético. Mas acho que já estou convencido desta minha faceta. Essa perplexidade já uma vez a manifestara, no meu livro “Os Intelectuais e o Poder” (Lisboa, Fenda, 1999), quando me referia aos filósofos e ao dever de algum comedimento no uso da auto-designação “sou filósofo”. Tal como “sou poeta”. Diferentes de todas as outras auto-designações. Menos exigentes ou mais livres para quem as usa. Da condição de filósofo e de poeta só os outros podem falar. E também sei que a Professora faz a crítica a partir de um ponto de observação exterior à nossa amizade. E é verdade que na poesia eu gosto do contraponto e dos paradoxos estilísticos. São marcas essenciais da liberdade poética, da fuga à norma. E também é verdade que o meu sagrado é o da teogonia grega e o “Parnasós” e o “Ólympos” são traduzidos por Monte ou por Montanha na minha poesia. E o vale onde nasci, por vida. E lá vou eu voando, montado num pássaro de fogo ou com as sandálias aladas de Perseu (se houver ameaça de um mago Katchey ou das Górgones), entre a Montanha e o Vale, tonificando a alma, com a ajuda da fantasia e alguma cor. É verdade, cada vez mais ouço música, associando a palavra ao som e à forma como ela é dita e sentida. Gosto do Leonard Cohen, na sua fase de maior maturidade, por isso mesmo, com o tempo, já muito denso, a esculpir-lhe cada palavra que diz. As reticências, na minha poesia, têm sobretudo uma função musical, de intervalo musical e de momentânea suspensão da palavra a favor do silêncio. Silêncio melódico que intensifica o dito. Bom fim-de-semana e saúde, Professora. 😔