DEUSA NO MEU JARDIM ENCANTADO
Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Sonhei-te assim,
no Poema”.
Original de minha autoria
para este poema. Julho de 2020.

“Sonhei-te assim, no Poema”. Jas. 07-2020.
POEMA – “DEUSA NO MEU JARDIM ENCANTADO”
SONHEI-TE ASSIM,
Meu amor:
Uma deusa no Jardim.
Não te vendo,
Recrio-te
Com fantasia,
Olhar
Deslumbrado,
Alma
Devotada
Que persiste
Fascinada
Como quando
No passado
Eu te via.
QUE SAUDADES!
Não nos gastámos
Porque partiste
Cedo demais.
Sobrou-me
De ti o melhor,
Quando, ao ver-te,
Estremecia,
Olhos negros,
Inquietos,
Mistério
Que seduzia.
FICOU-ME A VONTADE
De te desvelar
Lentamente
À medida
Do desejo,
De um forte
Encantamento,
Renovada
Inspiração,
Oráculo e
Devoção
E silente
Chamamento.
ESTA NOITE
Sonhei-te assim,
Amanhã
Eu já não sei,
Os sonhos vão
Lá pra longe
Ou vêm pra muito
Perto,
Noites longas e
Profundas,
Quando o amanhecer
É incerto.
POR ISSO SONHEI-TE
Hoje,
Pra te contar
O meu sonho
Amanhã,
No dia em que
Mais sinto
Esta minha solidão,
A ausência
E o silêncio
A que respondo
Com poética
Evasão.
PROCURO-TE
Na fantasia,
Nos poemas,
Na pintura,
Nos sonhos
Ou no Jardim
Onde te vejo
Altiva
Aqui bem perto
De mim.
E QUANDO TE OLHO
Vejo o mundo
A partir desse teu
Rosto,
Mais belo
E misterioso,
Mais quente,
Silencioso...
CRESCE A VONTADE,
O estro,
A poesia,
Vejo o futuro
Risonho,
Há uma certa acalmia
Neste mundo
Tão rugoso.
SONHEI-TE
Um dia antes
Do beijo
Que celebro
Com a minha poesia,
Ano após ano,
Ao encontro da raiz
Onde o poeta
Nasceu
Para o canto
Que a dor
Lhe prometeu
Como pura catarsia.

“Sonhei-te assim, no Poema”. Detalhe.
Transcrevo, com o meu profundo reconhecimento, o comentário da Professora Maria Neves a este Poema: “Começo esta breve incursão crítica do poema de JAS pelas palavras que acabei de ler, hoje, de Edmond Boudoin. Diz este notável escritor, desenhador e artista francês contemporâneo: “Alguém que procura a palavra certa para um texto, a sonoridade adequada para uma música, o traço justo para um desenho, o tempo é parado pela presença, pela nossa presença e por aquilo que colocamos no que estamos a fazer. É a essência da criação, esse instante. Todos procuramos isso. Se o encontro, o leitor também o vai ler e levá-lo para o seu próprio espaço. É isso a humanidade” (1).
Naturalmente que a convocação deste autor não é gratuita pela similaridade com JAS, seja pelo uso que ambos fazem das diversas linguagens seja pelo seu idêntico labor artístico. Um dos aspetos mais impressionantes e admiráveis da poesia de JAS é o modo como o poeta se posiciona na paisagem interior e intersubjetiva e como essa paisagem se reflete na tessitura estrófica e na urdidura poética. A idealização e a divinização da mulher amada (“Uma deusa no Jardim”) – tão ao gosto dos poetas renascentistas como Petrarca e Dante – tem aqui uma expressão literária quer pela reiteração da ideia quer pelo espaço sonhado que ocupa logo no início do poema. É, alias, uma poesia que convoca uma miríade de sons, de cheiros, de cores e de sensações táteis a remeter para o onírico, a fantasia, o mistério e o encantamento. A riqueza sinestésica expressa-se deste modo:
“Sobrou-me
De ti o melhor
Quando, ao ver-te,
Estremecia,
Olhos negros,
Inquietos,
Mistério
Que seduzia”.
Neste poema, como em muitos outros de JAS, a matéria poética conta uma narrativa de amor com interpelações à mulher amada. Pouco importa ao leitor se essa narrativa é uma mimesis do real – vivida e experienciada – ou se é um devaneio literário sonhado ou efabulado. O que importa ao leitor e ao Poeta é a fruição estética que advém – segundo a fraseologia de Edmond Baudoin – da “ essência da criação” e como esta “trava o tempo”:
“CRESCE A VONTADE,
O estro,
A poesia,
Vejo o futuro
Risonho,
Há uma certa acalmia
Neste mundo
Tão rugoso.
SONHEI-TE
Um dia antes
Do beijo
Que celebro
Com a minha poesia,
Ano após ano,
Ao encontro da raiz
Onde o poeta
Nasceu
Para o canto
Que a dor
Lhe prometeu
Como pura catarsia”.
(1). Entrevista de Sara Figueiredo Costa a Edmond Baudoin. A Revista do Expresso, nº 2488, 4 de Julho de 2020, p. 18.”
João De Almeida Santos
Obrigado, Professora. Sim, sim, procuro a exactidão (um dos conceitos, na literatura, para este Milénio, segundo Italo Calvino, nas “Lições Americanas”) nas palavras e nos traços, também porque talvez tenha um espírito “more geometrico” e icástico. Diz ele, falando de Leopardi: “il poeta del vago può essere solo il poeta della precisione”, para depois dizer que o seu (de Calvino) grande modelo de perfeição na sua construção estética é o cristal, a exactidão das suas faces… Isto, todavia, não é o mesmo que virtuosismo. Bem pelo contrário, é a exactidão ao serviço de uma sensação que é, por natureza, vaga … e lá onde a exactidão não anula a sua indeterminação ou a sua natureza vaga. Antes procura reconstruí-la com rigor, sem a trair. Como Paul Valéry (que vê a poesia como uma “tensão orientada para a exactidão”): combate “o sofrimento físico através de um exercício de abstracção geométrica” (Calvino). Eu creio mesmo que este é o desafio da poesia: que a forma exalte ao máximo o sentido, conservando-o sob outra forma. É para isso que se recorre aos mais diversificados recursos estilísticos e à própria sinestesia – para dar vigor expressivo à forma, aproximando-a o mais possível da sensação originária. Para o leitor não importa se a proposta tem correspondência no real ou se é devaneio literário, ainda que o mesmo possa não acontecer com o poeta. Depois, é interessante essa ideia de que a criação “trava o tempo”, fixa o tempo para o elevar e também porque o eleva. Travar o tempo, “cristalizando-o” (Stendhal e Calvino). Até o tempo é submetido à prova da lapidação dos cristais, na poesia. Na poesia como no amor, a imaginação fixa o objecto de interesse, lapida-o, procura a perfeição das suas faces. Para isso é preciso travar o tempo e criar distância, que funcione como ausência (Yourcenar). Esta proximidade entre o amor, a poesia e o poeta é muito interessante. O poeta funciona como o amante, na lógica de Stendhal… Bom, aqui não se pode ir mais longe, o formato do FB pede mensagens curtas e por isso por aqui me fico, não sem antes agradecer, reconhecido, este seu comentário, Cara professora Maria Neves, com um abraço amigo.