MUDAM OS VENTOS E MUDAM AS PALAVRAS
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Encruzilhada”. Original de minha autoria para este poema. Setembro, 2020.

“Encruzilhada”. Jas. 09-2020.
POEMA – “MUDAM OS VENTOS E MUDAM AS PALAVRAS”
“MUDAM OS VENTOS E mudam as palavras”, Assim falava o poeta. De sinais Tudo sabia, Mas de ventos, Isso não, Sobre Éolo Nada podia. MUDAM AS VONTADES E também mudam As cores, Fortalece O desejo À procura De alimento, Tudo muda, Tudo gira E também muda O vento. O QUE CONTA São os ciclos Desta vida, Os que o tempo Desenhar Pra cada nova Partida Num eterno Movimento Como as ondas Do mar. HÁ ENCRUZILHADAS E é preciso Escolher Para logo decidir Ainda que seja Do mesmo Se não pudermos Fugir. E EU ÀS VEZES DECIDO E volto a decidir, Mas encontro Sempre o mesmo E logo volto A cair... TAMBÉM NÃO HÁ Muito a fazer Porque o vento Sopra sempre Numa certa direcção Para levar As palavras... .............. Quando sopra De feição. MUDAM OS TEMPOS Muda a vontade, Muda o vento De direcção (É verdade), Mas as cores Do arco-íris Viajam sempre Comigo Mesmo que digas Que não.

“Encruzilhada”. Detalhe.
Transcrevo aqui o comentário da Professora Maria Neves, que agradeço, sensibilizado pelas suas generosas palavras:
“1. “Tudo começa pela poesia, nada se faz sem a técnica”, escrevia Gaston Berger[1], sinalizando a relevância da substância poética, do imaginário, da utopia e do sonho para a materialização da obra, da técnica. Belíssimo poema, este, de João de Almeida Santos (JAS) a convidar os leitores a uma viagem pelo sonho e pela(s) palavra(s). Intitulado “Mudam os ventos e mudam as palavras” é construído em diálogo intertextual com o soneto camoniano – cujo título “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” se tornou um cliché no registo da linguagem quotidiana – mas dele diferindo pela convocação de lexemas como ventos (Éolo), palavras, cores, ondas, mar…
2. Subjaz neste poema a poética de JAS com as isotopias da ausência, do desejo, e da(s) partida(s), aqui, do “eu” e do “tu”. Neste texto poético, emerge, também, a transitoriedade – e quiçá a circularidade – dos ciclos de vida que têm um início e um fim. Mas a vida, no seu fluir, são eternos retornos, prefigurados neste poema em análise (“Num eterno/ Movimento/Como as ondas/Do mar”). E JAS volta a convocar para o interior da tessitura do texto um paradoxo sentimental (“Pra cada nova partida”, permanece o apego sentimental vazado em arte – poesia e pintura), aqui metaforizado nos versos: (“Mas as cores/ Do arco-íris/ viajam sempre/Comigo”).
3. A focagem no presente (“Tudo muda/Tudo gira”…), a repetição da adversativa “mas” (3 vezes) e do advérbio temporal “sempre” (também repetido 3 vezes) induzem a intenção de contrapor, a uma partida recente, um presente acompanhado de palavras e de cores (“Mas as cores/ Do arco-íris/ Viajam sempre/Comigo”), por antonomásia a pintura e a poesia.
4. Há uma partida sinalizada no poema, mas permanece, indelevelmente, a verve criativa do autor.
[1] Cit. por Frei Bento Domingues no jornal “Público” (13.9.2020)”.
João De Almeida Santos.
Obrigado, Professora Maria Neves. Aprendo, como autor, com as suas análises. O olhar culto e profissional sobre o exercício poético ajuda muito no percurso. Não só dá confiança, como, muitas vezes, traz à consciência processos e mecanismos que se desenvolvem sem a plena consciência de que estão a ser usados num plano que já se tornou sistémico. Dou-lhe o exemplo da sinestesia. Ou da “mise-en-abîme”. O que é natural, pois o autor deve, num só fôlego, mover-se entre a estratégia temática, a semântica, a musicalidade ou a toada e, em geral, a harmonia. Desta dialéctica pode ou não resultar uma poética. E isso é decisivo. Muitas vezes a Professora me diz que cheguei a uma poética claramente identificável e isso significa para mim um extraordinário estímulo a aperfeiçoar o meu estilo. A empenhar-me para melhorar, também do ponto de vista técnico. É claro que há aqui, neste poema, uma intertextualidade evidente e facilmente reconhecível, mas, como diz, procurei acrescentar algo diferente, honrando e celebrando a memória do nosso Poeta maior. Sei bem que a Professora tem altas responsabilidades e um trabalho infindável e por isso mais grato lhe fico por me honrar com o tempo e a sabedoria que dedica aos meus poemas. Um abraço amigo.