O POEMA
Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Auto-Retrato
de um Poeta”.
Original de minha autoria.
Junho de 2021.

“Auto-Retrato de um Poeta”. Jas. 06-2021.
POEMA – “O POEMA”
PARA QUE SERVE
O poema
Se ela,
Do outro lado
Da rua,
Não o vê e
Não o ouve,
Não lhe sente
O perfume?
AH, MAS EU SINTO-A
A ela
Do lado de cá
Do poema
E pinto-a
Em aguarela
Pra que veja
A minha cor,
Olho-a, pois,
Com palavras
E falo-lhe
Como pintor.
PARA QUE SERVE
O poema?
Aquece
A minha alma,
Digo tudo
O que sinto
Mesmo quando
Nos meus versos
Até parece
Que minto.
MAS NÃO ESCREVO
Pra ela
Que não a vejo
À janela
A ver passar
O poema
Na rua do
Desencontro.
O POEMA
É de quem
O possa ler,
Fruir-lhe
A melodia,
É a festa
Dos sentidos,
Da alma
A sinfonia,
É prazer
E emoção,
Só o ouve
Quem o sente,
O poema
É fremente,
Não é coisa de
Razão.
É CANTO
Em harmonia,
É pulsão
Que o sentimento
Desperta,
É sopro que me
Liberta
Das amarras
Da paixão
Porque voo
Em palavras
Ao sabor
Da emoção.
E SE A CHAMO
Ao poema
É pra ter
De volta
O meu eco,
Ouvir o som
De uma dor,
Decantá-la
Em palavras,
Convertendo-a
Em canto
Libertador
Dessa prisão
Que enleia
A que chamamos
Amor.
POR ISSO
EU SOU POETA,
Canto pra quem
Me ouve,
Não aguardo
Reacção,
Porque quando
Alguém nos deixa
Dá vida
À poesia
E asas
À solidão.
EU CANTO-ME
Nestes poemas
Pra resgatar
Minha dor
E se a poesia
Não chega,
As palavras
Não me bastam,
Pois que seja,
Sou pintor.

“Auto-Retrato de um Poeta”. Detalhe.
Transcrevo, sensibilizado, o comentário do meu Amigo e conterrâneo Tó Zé Dias de Almeida: “Boa pergunta essa é! Mas, caro poeta, não saberás tu que, por definição, o texto poético é apragmático? Não serve para nada a não ser a estesia de quem usufrui pelo simples prazer de a usufruir! Quando é comunicação só faz de conta que o é! O/A receptor(a) pode intuir em que “rua do desencontro” será possível ver o amoroso sujeito poético que se lhe dirige, tocá – lo, e silenciosamente anuir aos seus desejos, às suas encobertas pretensões!!! Mas é cruel que falhe a sintonia… De outro modo, então o poema seria o precioso elo de ligação. Seria se… Se… Fiquemos por aqui. Excelente o ritmo dos versos, a cadência estrófica idem e o fim previsível é bem antecipado para o leitor perceber o desfecho. Voilà!
Um abraço amigo.”
Obrigado, Tó Zé, pelo teu interessante comentário. Sim, é verdade, a arte é valor em si. A pergunta é retórica, mas interpela. Ah, se interpela. O poeta precisa de se dirigir a alguém, precisa de interpelar, precisa de seduzir… como se estivesse a ser ouvido. Como se. O Kant chamava a isso “transcendental”. Mas é claro que esse alguém é um e é todos. Não, não serve para nada. E se serve é para libertar o poeta de uma dor que (transcendentalmente) o aflija, o dilacere, o magoe. E decanta-a. Depois, o poema cai em cima dos seus leitores e eles fazem dele o que quiserem, sendo certo que só serve para o sentirem (se for o caso) fazerem-no seu, eventualmente aninharem-se nele. Ah, sim, para isso ele pode servir. Mas é verdade que a sintonia falha sempre, porque se não falhase o poeta morria aí. É como o passarinho do Vinicius: “Some daqui”, não há poeta, sou feliz. Só há sintonia negativa, “desencontro”. Oh, no fim, essa do pintor que sobra do poeta é como um grito de libertação, esfumar-se nas cores, sentar-se em cima de um arco-íris, apontar dois traços ao ponto do infinito. Podem faltar-lhes as palavras, mas não vão também faltar-lhes as cores… e aí vai ele que nem um passaro de fogo (fátuo)… até que, qual Ícaro, queime as asas e volte a cair no poema, cheio de dores… Um abraço amigo. ☺