A MONTANHA
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Mulher”. Elaboração de minha autoria, apud Gustav Klimt (“Estudo de uma Jovem”, 1885). Julho de 2021.

“Mulher”. Jas. 07-2021.
“I live not in myself, but I become / Portion of that around me; and to me, / High mountains are a feeling....” LORD BYRON Childe Harold’s Pilgrimage (1812-18). Canto III, 72 (1816).
POEMA – “A MONTANHA”
ESTOU A PERDER-TE, Meu amor, O estro Esmorece, Vai perdendo Lentamente O seu fulgor, O poema Empalidece E eu, Em poética anemia, Já sinto Um suave E sonolento Torpor. SUBI A MONTANHA Contigo E, feliz De lá chegar, Com palavras Que me deste Eu aprendi A cantar. CANTEI A TUA PARTIDA Quando desceste O vale E eu, Triste, caminhei Por veredas Sem destino A que nunca Mais voltei. PERDIDO De ti, Vagueei À procura De eco Do meu canto Derramado, Som puro E cristalino Que pra ti Foi desenhado. MAS O ECO Era silêncio Profundo Vindo do azul Quase irreal Da abóbada Celeste Na montanha Seminal. NEM SEQUER O CLARÃO De um cometa Fugaz Me visitava, Pinhal abaixo, Rumo ao horizonte Do meu inquieto Olhar. O AR RAREFEITO Da montanha Tomara conta De mim, Desfalecia A emoção De te rever, Reinventar E cantar Em surdina Perante o Silêncio Cortante Que me negava, Impenitente, O eco da Minha canção. ERA POÉTICA Anemia, Nos sentidos Desmaiados Calava A melodia, O som Era murmúrio Inaudível, Sem ponta De comoção, Alma ferida Que já nem A dor sentia De tão gasta Nesse tempo Por excesso De paixão. AGORA DESÇO Também eu Ao vale Da minha vida E regresso À triste monotonia, Sem ti, Sem corpo Imaginado, Semente De poesia. O VALE ESPERA-ME, Já tem sabor A rotina Porque sei Que não te vejo E estremeço, Que já não Sobram sinais Da rua do Desencontro, Fugas Irreais Para os teus Infinitos Nem janelas De onde te veja Passar Ou sequer imaginar Na esquina Esquecida Do nosso Contentamento. ESTOU A PERDER-TE, Não há janela Nem cor, Não há tempo Nem lugar, Não há poema Nem mar Que suspendam O vazio De não te poder Encontrar... ............. Eu perdi-te, Meu amor.
Transcrevo, sensibilizado, o comentário do meu Amigo e conterrâneo Tó Zé Dias de Almeida: “Para o costume, já é um bocado tarde, mas só há pouco li o teu poema de hoje.
Junto ao mar, chuviscando na paisagem em redor, um poema conduz-me à montanha! Na proximidade de um vale aprazível, a montanha ergue-se, obstáculo intransponível, onde o ar rarefeito sufoca o sujeito poético que, desfalecendo, sente, ou melhor, pressente a perdição de um bem querer que, fugaz, se vai diluindo em monotonia, numa incurável anemia que entorpece a própria descida ao vale e nada, mesmo nada, consegue revigorar e dar alento ao infeliz “soupirant” cujo eco dos seus profundos e sentidos queixumes não se ouve porque o silêncio ensurdecedor impera.
Desconfortável, perdida a esperança, as cores esbatidas, também elas, contribuem para a aniquilação irrevogável. À boa maneira camiliana, o amor é de perdição e as tristes chorosas ressonâncias poéticas são de António Nobre… SÓ elas têm cabimento no poema. SÓ. Nada mais haverá a acrescentar. Perdição absoluta e total caminham para o desencontro fatal. Uma única coisa sobra. Uma única. O vazio.
Belo poema, João, diluído em nostalgia, tristeza e… perdição!”
Obrigado pelo teu comentário, Tó Zé. Com o poema levei-te do mar, onde te encontras, à nossa Montanha. O meu Parnaso. O sítio onde procuro o contacto com as musas, seja em que condição for. Até já o pintei. Lá acontecem venturas e desventuras poéticas, apesar do chão firme do meu Jardim Encantado, uma retaguarda, um oásis no vale da minha vida. SÓ. Mas o artista é sempre um solitário, na imensa felicidade da criação ou na expiação do afecto proibido ou perdido, na perdição do amor por intensidade ou por perda. O tempo é implacável e também é escultor, lapida os sentimentos e deixa-os à mercê do artista para que os cante, inundando-os de si. Da memória à arte vai um longo, mas intenso percurso. Às vezes, diria a maior parte das vezes, o que o tempo deixa é uma imensa melancolia e é sobre ela que cai uma cerrada neblina onde o poeta tem de navegar… Depois sai o que sai, embora quase sempre com dor. Aqui houve de forma muito nítida uma sensação de lenta, mas implacável perda da fisicidade que sempre acompanhou o poeta nas suas evocações e invocações. Como se a Musa tivesse mesmo deixado o Parnaso para nunca mais voltar. E foi este deslizar oblíquo que marcou o poeta quando escreveu o poema. Uma tristeza dura porque nada haveria a fazer. A inelutabilidade do tempo. Fica o que o tempo deixar ficar e façamos o que façamos para perdurar (a “durée”). Um abraço.