MARÇO
POEMA de João de Almeida Santos.
Ilustração: PÁN - Original
de João de Almeida Santos.
Em exposição na minha Galeria Poética,
de Março de 2018 até... Sempre!
"Marzo: nu poco chiove / e n’ato ppoco stracqua: / torna a chiovere, schiove, / ride ’o sole cu ll’acqua./ Mo nu cielo celeste, / mo n’aria cupa e nera: / mo d’ ’o vierno ’e tempeste, / mo n’aria ’e primmavera. / N’auciello freddigliuso / aspetta ch’esce ’o sole: / ncopp’ ’o tturreno nfuso / suspireno ’e vviole... / Catarì!… Che buo’ cchiù? / Ntienneme, core mio! / Marzo, tu ’o ssaie, si’ tu, /e st’auciello songo io". "Março: um pouco chove / e logo deixa de chover: / volta a chover, pára, / ri o sol com a água. / Ora um céu celeste, / ora um ar escuro e negro: / ora tempestades d’inverno, / ora um ar de primavera. / Um pássaro com frio / Espera que espreite o sol: / na terra ensopada suspiram as violetas... / Catarina! Que queres mais? / Entende-me, meu amor! / Março, sabes, és tu, / e aquele pássaro sou eu". NOTA - “Arietta” (1898) do poeta napolitano Salvatore di Giacomo, 1860-1934,em dialecto napolitano. Ouça MILVA em: https://www.youtube.com/watch?v=lMKDSnJEadc).
GOSTO DE MARÇO, Entre a neve E a primavera, O branco e As flores. Na fronteira, Como te vejo? Talvez quimera! GOSTO DO BOTTICELLI, Dos rostos E dos corpos Feminis. Volúpia de Transparências Sensuais. Da pele, a Cor. Dos traços Que desenham Alvura nas Três Graças... ......... E no Amor! GOSTO DO BRANCO, Cá de perto ou Lá longe No alto da Montanha. E das cores intensas Que brotam Insinuantes Ao meu olhar Deslumbrado, Cá em baixo, Por ti Iluminado! GOSTO DE MARÇO. Entrei nele Contigo. Ombro a ombro. No signo do Desencontro. Que se repete Em silêncio Fatal, Marcado Contraponto Do tempo Imprevisível Deste “triste Destino”... Quase irreal. QUE O DIGAM Os astros Desalinhados! Para ti colhia Flores luminosas E a inspiração Crescia Nas estrofes Arrebatadas Com que fingia Sentir O que dizer Não podia, Fosse por Uma hora Ou por um dia. NO SIGNO DO Desencontro Marcado como selo, Lá vou eu Por aí, Nem sei porquê (Ou por falta de ti), De braço dado Com Botticelli, Lá em cima, na Galleria, Onde, um dia, Eu quase morei. Procuro-te Em oração À tua deusa, Atena, Que trazes (Eu bem sei) No coração. SINTO-TE PERTO, Depuro A tua imagem, Bissetriz de mil Rostos, Até se tornar Ideia De corpo ausente! DEPOIS REINVENTO-A A cada instante, Abraço-a Com alma De amante, Pinto-a com Palavras E silêncio De catedral. E sonho-te... AO ACORDAR, No amanhecer De cada poema, Verei que continuas Em mim, De olhos fechados, Como se fosses Memória do que Nunca aconteceu. ANDAREMOS Por aí (Os astros o dirão), Vagando No pólen Da beleza sensível Onde pousamos O nosso inquieto Olhar À procura De alimento Para pintar O poema... ................... Talvez o impossível! LÁ NO ALTO Te encontrarei, Fio do horizonte, Simulacro do teu Olhar A construir infinito, Onde, num adeus Sem fronteiras Nem cais de partida, Hás-de desenhar, Com a alma, As mil silhuetas Ainda inacabadas... ............. Ou talvez não! MEU DEUS, Como gosto de ti... ........ Em Março!
Professor, soberbo, lindo o Poema!!!
Gosto particularmente do Signo do Desencontro… Próprio do Poeta. Mas que a todos nós pertence alguma(s) vez(es) na vida…
E a Ilustração, de imenso bom gosto. Completamente projectiva! Um contraste de cores muito bonito, numa combinação que aprecio particularmente.
Muito Obrigada, Professor, por nos proporcionar um tão magnífico momento de concentração e reflexão…
1 grande beijinho, Fernanda
Obrigado, Fernanda! JAS
Este poema, expressivamente intitulado “Março”, com ilustração original de João de Almeida Santos (JAS), é um desafio intelectual ao leitor na descodificação do jogo sinestésico, intertextual e metafórico que abre este mês a poética de JAS. O tom verde, que se destaca no preto carregado da ilustração, tem, metoniamente, correspondência com a semântica interna do poema. O “sonho”, “o amanhecer”, o “depurar “ e o “reinventar” a imagem da Mulher Amada conotam a esperança que reaviva, ilumina e inspira a alma do sujeito poético. Já o tom negro conota a sua desesperança, acentuada pelo “silêncio/fatal/de catedral”, os “olhos fechados”, a “ideia/ de corpo ausente!” e por um “adeus/sem fronteiras”. É nesta última linha semântica que emerge o leitmotiv da poética de JAS – e de tanto outros poetas portugueses – leitmotiv esse adestrado num “triste destino” (4ª estrofe) com os “astros/ Desalinhados!” (5ª estrofe) que levam o Poeta – bem no âmago do ser português e da idiossincrasia poética lusa – a expressar, na esteira de Fernando Pessoa Ortónimo, o fingimento poético. Este fingimento poético está entrelaçado – quiçá numa ambiguidade dicotómica – com uma vivência fugaz (ancorada num mero cotidiano real) e com uma vivência irreal (tecida, poeticamente, com palavras e signos perenes…). As sinalizações lexicais, referenciadas neste breve comentário crítico, evidenciam um Poeta que alimenta e nutre a sua poesia com reinvenções constantes na busca incessante, como Cesário Verde, da forma ideal… A recriação e recreação da poética de JAS radicam também na selecção vocabular – Março inicia e finaliza esta composição poética – e na opção singular do 1º verso, de cada uma das estrofes, ser grafado em letra maiúscula… Aliás, a arquitectura textual do poema é cuidadosamente orquestrada quer na amálgama sinestésica de cores e sensações quer nos jogos intertextuais e nas notações intelectuais que desafiam o leitor na busca de sentidos para os signos polissémicos e plurívocos que emergem na Poética de JAS. O gracioso segmento textual do poeta napolitano Salvatore di Giacomo, dedicado a Março, evidencia a magistral capacidade de JAS em procurar em outras geografias ou em outros tempos o mote certo para o seu poema, mostrando, assim, o pulsar eterno do amor e a poesia como espelho literário que abre para (ou reflete) universo(s) de leitura.
Maria Neves Gonçalves