Poesia

METAMORFOSE

Poema de João de Almeida Santos criado 
em diálogo com este quadro original - 
“Metamorfose” - de João de Almeida Santos.
Abril de 2018.

Jas_Camélia2904_FinalDomingo8_30jpg

"Não colhas uma flor, senão chorarás ao vê-la murchar" 
Provérbio chinês 
Podem cortar todas as flores, mas nunca impedirão a primavera" 
Pablo Neruda 
"Talvez deva às flores ter-me tornado pintor" 
Claude Monet 
"Há flores por todo o lado para quem é capaz de as ver" 
Henri Matisse
"Uma flor é um ser totalmente poético" 
Novalis 
"Quem não tem pão, mas compra flores, é um poeta"
Provérbio turco

Jas_Camélia2904_FinalDomingo8_30_cortejpg

POEMA


CAMINHAS 
Tão docemente,
o irreal,
Sobre as cores
Que eu te dei...

ÉS PLANTA DE JARDIM,
Bem sei!
Na alma
Tu tens flores
Que eu sempre
Cultivei,
Alimento 
Dos meus olhos,
Aroma
Desses poemas
Que para ti
Cantarei.

CAMÉLIA
É o teu nome.
Encontrei-te, 
Desta vez, 
Em profunda
Solidão.
A alvura luminosa
Era tão densa
Que eu quase 
A tomei
Na palma da minha
Mão.

QUIS TRAZER-TE
Para dentro do poema.
Disseste 
Logo que sim.
Ficarias mais serena,
Estando tão perto
De mim...

FALEI CONTIGO.
Dei-te palavras
E dei-te cor.
A solidão
É castigo,
Eu bem sei.
Ah, meu amor!
E tu, 
Brancura divina,
Não mereces
Essa dor.

CAMINHÁMOS
Numa ponte
P’rá outra margem
Da vida.
Eram passos 
De liberdade,
Não eram 
De despedida.

VI EM TI
Uma mulher.
Recriei-te
Com afeição.
Pintei-te 
Em movimento.
Quis-te livre
No meu chão
De onde te
Elevaste
Quando eu
Te dei a mão.

É ESTRANHO
O movimento
Que não te afasta 
De mim...
Tu vives 
Em quietude
Porque te ofereces
Assim!

ESSA PONTE
De papel
Que parece um
Arco-íris
Saído do meu 
Pincel
Vai devolver-te
Ao jardim
Onde a cor
É alimento,
É como favo 
De mel,
De meus olhos
O sustento.

PERDIDO, EU,
Nessa tua 
Melancolia,
Convoquei
Todas as cores
(Que sabia)
Com palavras
De um poema.
E dei largas
À evasão
Da flor 
Que foi
Mulher
Porque comigo
Cantou
Em palavras 
Coloridas
Essa sua
Solidão.

VÊS, MEU AMOR, 
Como a solidão
Em flor
Pode ser libertação
Se lhe dermos
Muita cor
Com a força da
Paixão?  
Jas_Camélia no meu jardim2 A IMAGEM ORIGINAL, de 21.03.2016. Camélia 
solitária em Cameleira. Na altura em que a publiquei, escrevi, 
no Facebook, o seguinte: "Surpreendente, a natureza! Camélia branca 
suspensa! A elegância sensual de uma fadada Cameleira. Encontrei-a 
no Jardim. Estava à minha espera. E logo a capturei, sem lhe tocar. 
Só para partilhar essa luminosa, fresca e solitária brancura! Estava 
ali como brilhante proposta estética da natureza: 'diz o que pensas 
desta estranha forma de surgir no teu Jardim. É provocação florida, 
não é? Sou tão branca e tão perfeita que e(n)levo a Cameleira’. 
Olho-a de baixo para cima e ponho-a numa sensual fronteira!". 
Respondo-lhe agora, dois anos depois. Ficaram-me a imagem e as 
palavras que escrevi. Cruzei-as com novas vivências e experiências 
estéticas... e deu nisto! A beleza fica registada na nossa memória 
para sempre... e alimenta-nos a alma quando um novo estímulo a 
reevoca e, às vezes, invoca!

7 thoughts on “Poesia

  1. Que bonito Poema, Professor!

    Na Imagem, caminhos e caminhares entre flores no Jardim…onde contrasta a “brancura divina”… Por certo, uma Imagem linda, mas algo enigmática…

    Adorei a partilha, Professor, muito obrigada!

    1 beijinho com admiração, Fernanda

  2. Extraordinário!
    Ou: de como o olhar do poeta se transmuda em pintor!
    Não fora a “nota explicativa” do poeta, reflexão metapoética (?) e as epígrafes selecionadas, e só me ocorreria escrever, numa leitura muito imanentista (perdoe-se-me o modelo de leitura certamente tão estafado!), o seguinte:

    Poema perfumado.
    A cor; sempre a cor na poesia de JAS!
    Feérico, ao mesmo tempo.
    Mulher-flor; mulher-fascinação. Alimento «dos olhos» – alimento da alma.

    «Camélia», flor de abril ou subtil jogo de palavras com o doce nome feminino «Amélia»? Que importa?

    A «alvura luminosa/ (…) densa» lá está em lugar de destaque no quadro: em posição central. Protagonista!

    O diálogo sempre apercebido.
    A flor-mulher ou mulher-flor divinizada – «Brancura divina» -, a quem o poeta empresta «cor»; a quem procura “resgatar” da solidão, do abandono; poupá-la dessa «dor».

    Belíssima metáfora, a da «ponte», a expressar o renascimento da (de uma nova, passo o pleonasmo) vida.

    Afinal, a mulher é «recriação» apaixonada do poeta, é “pintura” viva («Em movimento»).
    De condição livre a quer o poeta.

    Expressão de uma “estranha” sensação (quiçá não!): pese embora o poeta/ pintor imprima dinamismo à sua representação pictórica (adivinhado no pé e no movimento da perna), ela permanece(rá) como que “imobilizada”, como oferenda ao poeta.

    Ei-la, a “ponte arco-íris”, sob os pés daquela que parece querer “caminhar”, mas que estancou para o poeta.

    Poema/pintura onde as “cores” são as palavras e as palavras são cores.

    Enternecedora interpelação final ao objecto amado: a “solidão”, qual flor desbrochada, pode ser “libertadora”, desde que se imprima com a “cor” da “paixão”.

    Muito belo.

  3. Transcrevo, para quem não tem Facebook, o comentário da Prof.ra Maria Neves, publicado no meu FB, hoje (01.05.2018):

    “Ecoam neste colorido poema de João de Almeida Santos (JAS) notações do poeta Ovídio seja pelo título da poesia seja pela matéria lírica, onírica, sensorial e sinestésica. Mais um belo poema que marca a estilística e a estética de JAS: um saber-ser-poeta e um saber- fazer -poesia como espaço de evasão para o criador que metamorfoseia, num enlevo metafórico, a natureza (camélia) mas sobretudo o objecto amado, a quem empresta dotes celestiais como Petrarca ( “Brancura divina”, “alvura luminosa”). É um lindo poema que narra uma história de amor – quiçá inacabada – que busca na criação poética essa metamorfose do real para o onírico e o efabulatório. É um lindo poema que mescla o tom coloquial garrettiano (“eu bem sei”) com um sabor petrarquista que enleia o poeta nesta busca constante de(s) sentido(s) e contamina, emocionalmente, o leitor.
    O universo onírico do poema dialoga, magistralmente, com a imagem… PARABÉNS ao Poeta-PINTOR!”.

    Obrigado Professora.

    • Grata pela transcrição do comentário da Sra. Professora Maria Neves.
      Simultaneamente belo e didático.
      Bem haja, Professora Maria Neves.

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