METAMORFOSE
Poema de João de Almeida Santos criado em diálogo com este quadro original - “Metamorfose” - de João de Almeida Santos. Abril de 2018.
"Não colhas uma flor, senão chorarás ao vê-la murchar" Provérbio chinês Podem cortar todas as flores, mas nunca impedirão a primavera" Pablo Neruda "Talvez deva às flores ter-me tornado pintor" Claude Monet "Há flores por todo o lado para quem é capaz de as ver" Henri Matisse "Uma flor é um ser totalmente poético" Novalis "Quem não tem pão, mas compra flores, é um poeta" Provérbio turco
POEMA
CAMINHAS Tão docemente, Tão irreal, Sobre as cores Que eu te dei... ÉS PLANTA DE JARDIM, Bem sei! Na alma Tu tens flores Que eu sempre Cultivei, Alimento Dos meus olhos, Aroma Desses poemas Que para ti Cantarei. CAMÉLIA É o teu nome. Encontrei-te, Desta vez, Em profunda Solidão. A alvura luminosa Era tão densa Que eu quase A tomei Na palma da minha Mão. QUIS TRAZER-TE Para dentro do poema. Disseste Logo que sim. Ficarias mais serena, Estando tão perto De mim... FALEI CONTIGO. Dei-te palavras E dei-te cor. A solidão É castigo, Eu bem sei. Ah, meu amor! E tu, Brancura divina, Não mereces Essa dor. CAMINHÁMOS Numa ponte P’rá outra margem Da vida. Eram passos De liberdade, Não eram De despedida. VI EM TI Uma mulher. Recriei-te Com afeição. Pintei-te Em movimento. Quis-te livre No meu chão De onde te Elevaste Quando eu Te dei a mão. É ESTRANHO O movimento Que não te afasta De mim... Tu vives Em quietude Porque te ofereces Assim! ESSA PONTE De papel Que parece um Arco-íris Saído do meu Pincel Vai devolver-te Ao jardim Onde a cor É alimento, É como favo De mel, De meus olhos O sustento. PERDIDO, EU, Nessa tua Melancolia, Convoquei Todas as cores (Que sabia) Com palavras De um poema. E dei largas À evasão Da flor Que foi Mulher Porque comigo Cantou Em palavras Coloridas Essa sua Solidão. VÊS, MEU AMOR, Como a solidão Em flor Pode ser libertação Se lhe dermos Muita cor Com a força da Paixão?
A IMAGEM ORIGINAL, de 21.03.2016. Camélia solitária em Cameleira. Na altura em que a publiquei, escrevi, no Facebook, o seguinte: "Surpreendente, a natureza! Camélia branca suspensa! A elegância sensual de uma fadada Cameleira. Encontrei-a no Jardim. Estava à minha espera. E logo a capturei, sem lhe tocar. Só para partilhar essa luminosa, fresca e solitária brancura! Estava ali como brilhante proposta estética da natureza: 'diz o que pensas desta estranha forma de surgir no teu Jardim. É provocação florida, não é? Sou tão branca e tão perfeita que e(n)levo a Cameleira’. Olho-a de baixo para cima e ponho-a numa sensual fronteira!". Respondo-lhe agora, dois anos depois. Ficaram-me a imagem e as palavras que escrevi. Cruzei-as com novas vivências e experiências estéticas... e deu nisto! A beleza fica registada na nossa memória para sempre... e alimenta-nos a alma quando um novo estímulo a reevoca e, às vezes, invoca!
Que bonito Poema, Professor!
Na Imagem, caminhos e caminhares entre flores no Jardim…onde contrasta a “brancura divina”… Por certo, uma Imagem linda, mas algo enigmática…
Adorei a partilha, Professor, muito obrigada!
1 beijinho com admiração, Fernanda
Obrigado, Fernanda. Sim, algum enigma se esconde por detrás da metáfora. A chave poderá estar na combinação de algumas frases da epígrafe. Um beijinho do JAS
Extraordinário!
Ou: de como o olhar do poeta se transmuda em pintor!
Não fora a “nota explicativa” do poeta, reflexão metapoética (?) e as epígrafes selecionadas, e só me ocorreria escrever, numa leitura muito imanentista (perdoe-se-me o modelo de leitura certamente tão estafado!), o seguinte:
Poema perfumado.
A cor; sempre a cor na poesia de JAS!
Feérico, ao mesmo tempo.
Mulher-flor; mulher-fascinação. Alimento «dos olhos» – alimento da alma.
«Camélia», flor de abril ou subtil jogo de palavras com o doce nome feminino «Amélia»? Que importa?
A «alvura luminosa/ (…) densa» lá está em lugar de destaque no quadro: em posição central. Protagonista!
O diálogo sempre apercebido.
A flor-mulher ou mulher-flor divinizada – «Brancura divina» -, a quem o poeta empresta «cor»; a quem procura “resgatar” da solidão, do abandono; poupá-la dessa «dor».
Belíssima metáfora, a da «ponte», a expressar o renascimento da (de uma nova, passo o pleonasmo) vida.
Afinal, a mulher é «recriação» apaixonada do poeta, é “pintura” viva («Em movimento»).
De condição livre a quer o poeta.
Expressão de uma “estranha” sensação (quiçá não!): pese embora o poeta/ pintor imprima dinamismo à sua representação pictórica (adivinhado no pé e no movimento da perna), ela permanece(rá) como que “imobilizada”, como oferenda ao poeta.
Ei-la, a “ponte arco-íris”, sob os pés daquela que parece querer “caminhar”, mas que estancou para o poeta.
Poema/pintura onde as “cores” são as palavras e as palavras são cores.
Enternecedora interpelação final ao objecto amado: a “solidão”, qual flor desbrochada, pode ser “libertadora”, desde que se imprima com a “cor” da “paixão”.
Muito belo.
Obrigado, OLGA, pela magnífica análise. É sempre muito estimulante, na óptica do criador, ler os seus comentários. Aprendo sempre.
Sou eu como leitora quem deve agradecer-lhe pelo prazer estético proporcionado.
Bem haja.
Transcrevo, para quem não tem Facebook, o comentário da Prof.ra Maria Neves, publicado no meu FB, hoje (01.05.2018):
“Ecoam neste colorido poema de João de Almeida Santos (JAS) notações do poeta Ovídio seja pelo título da poesia seja pela matéria lírica, onírica, sensorial e sinestésica. Mais um belo poema que marca a estilística e a estética de JAS: um saber-ser-poeta e um saber- fazer -poesia como espaço de evasão para o criador que metamorfoseia, num enlevo metafórico, a natureza (camélia) mas sobretudo o objecto amado, a quem empresta dotes celestiais como Petrarca ( “Brancura divina”, “alvura luminosa”). É um lindo poema que narra uma história de amor – quiçá inacabada – que busca na criação poética essa metamorfose do real para o onírico e o efabulatório. É um lindo poema que mescla o tom coloquial garrettiano (“eu bem sei”) com um sabor petrarquista que enleia o poeta nesta busca constante de(s) sentido(s) e contamina, emocionalmente, o leitor.
O universo onírico do poema dialoga, magistralmente, com a imagem… PARABÉNS ao Poeta-PINTOR!”.
Obrigado Professora.
Grata pela transcrição do comentário da Sra. Professora Maria Neves.
Simultaneamente belo e didático.
Bem haja, Professora Maria Neves.