A PORTA
Poema, em cinco andamentos,
de João de Almeida Santos
Ilustração: “A Porta”. Original de
minha autoria. Junho de 2018.
¡Qué trabajo nos cuesta / traspasar los umbrales /
de todas las puertas! / Vemos dentro una lámpara /
ciega / o una niña que teme / las tormentas. / La puerta
es siempre la clave / de la leyenda. / Rosa de dos pétalos
/ que el viento abre / y cierra.
Federico García Lorca, 1921
O POEMA
I.
BATI LEVE,
Levemente
A esta Porta
Com as cores
De um jasmim.
Silêncio,
Foi o que ouvi
Sem espanto
Do princípio
Até ao fim!
UM BRILHO
Tímido,
Reflexo morno,
Insinuou-se
A meu incerto
Olhar
Como fronteira
Murada
Que não podia
Passar…
O IGNOTO
Inacessível
Agigantou-se,
Então,
A esta alma
Dorida
Que levo na minha
Mão
Ao oráculo
Do destino,
Esse meu porto
De abrigo
Que visito
Em oração!
II.
ILUMINADA
Por jasmim
Em generosa
Cascata,
Esta porta
É espessa
E reluz...
...............
Mas é opaca!
TALVEZ SEJA
De sacrário
Que guarde
Corpo
De deusa
Nesses remotos
Confins
De um tempo
Já passado
Ou parede
De templo
Inabitado
Sem assombros
Ou quimeras...
...............
Só silêncio
De catedral
Com seus ecos
Em surdina!
III.
Vês porque
A celebra,
Essa porta,
E a veste de cores
Luminosas
O imponente
Jasmim
Com a brilhante
Cascata
Donde brota
O meu jardim?
FOSSE ELA,
TRANSPARENTE...
Raios de sol,
Feixes de luz
Entrassem
Adentro dela,
Vítrea
Como janela,
E eu seria
Feliz!
VOARIA
Ao infinito
Até me perder
Deslumbrado
No seu imenso
Azul
Como cometa
Fugaz
Do nosso céu
Estrelado...
MAS HÁ SILÊNCIO
Frio
Do lado de lá
E eu tropeço
No vazio
Até cair
No verde
Esparso
E vago
Da esperança,
Exausto
De tanta
Opacidade
Sofrer...
.................
Sem um tempo
De bonança!
IV.
SABES, MEU AMOR,
Esta porta,
Afinal,
Não é
Entrada
P’ra ti,
Porque o nada
Fica do lado
De lá...
...............
Visto daqui!
SIM, VEJO-O,
Agora
Que te escrevo
Esta carta
Sob a forma
De poema,
Fingindo que
Sofro o que
Sinto
Como suave
Perfume de
Palavras que
Me faltam
Para um dia
Te dar.
ESSA PORTA
És tu,
Ombreira
Da minha
Inspiração,
Tímido e morno
Reflexo
(O dessa porta
Fechada)
Que ainda
Ilumina
O que me sobra
De nós
E me sabe
A oração.
V.
NO POEMA
Quero pintar
A tua soleira
Porque não ouso
Passar
Essa fronteira
E desvendar
O mistério
Que se vai
Insinuando
Do outro lado
De ti…
..............
Esse que eu
Sempre,
Tu bem sabes,
Desconheci!
QUE O MISTÉRIO
Permaneça,
Então,
Porque é esse
O meu encanto
E a força
Da minha
paixão!
VÊS, PORQUE
TE ENFEITEI
A antecâmara
Com cores,
Luz e palavras...
..................
Que nem tu
Entenderás?
Transcrevo aqui o comentário que a Prof.ra MARIA NEVES publicou no meu Facebook:
“Maria Neves Leal Gonçalves – O Poema intitulado Porta maravilha-nos seja pela musicalidade dos versos, curtos, breves e sincopados (“Silêncio / Foi o que ouvi”; “Como cometa/Fugaz”) seja pela morfologia do amar para poetar ou do poetar por amar. É esta bipolaridade transfiguradora do real ou do onírico que encanta nesta poesia: “NO POEMA/Quero pintar/A tua soleira/Porque não ouso/Passar/Essa fronteira/E desvendar/O mistério/Que se vai/Insinuando/Do outro lado/De ti…”.
Toda a orquestração rimática, rítmica, estrófica está conectada com a plurissignificação do título Porta, lexema que, isolado, tem uma dimensão prosaica mas que o Poeta ressignifica dando-lhe uma singular carga simbólica autoreferencial (“ESSA PORTA/És tu,/Ombreira/Da minha/Inspiração”). João de Almeida Santos (JAS) reinventa o fingimento poético pessoano (“Esta carta/Sob a forma/De poema,/Fingindo que/Sofro o que/Sinto”) alinhando a sua poética com o ecossistema literário modernista e pós-modernista ao interligar, neste poema, uma balada sentimental com a dimensão narrativa de estados de alma (o vazio , a tristeza, a solidão poetizada,..). Porém, o sujeito poético vislumbra a esperança (“eu tropeço/No vazio/Até cair/No verde/Esparso/E vago/Da esperança”). “A esperança” – que, no dizer de José Tolentino Mendonça – “é a arte de acolher pacientemente a vida” pois “a nossa existência, do princípio ao fim, é o resultado de uma aprendizagem da esperança, e só ela é capaz de dialogar com o futuro e de o aproximar“ (Mendonça, 2018, p. 86).
Referência
Mendonça, J.T. (2018). O pouco que sabemos da esperança. A Revista do Expresso, n. 2379, 2 de Junho, p. 86)”.
A minha resposta, também publicada no meu Facebook:
“João De Almeida Santos Obrigado pelas suas palavras, Prof.ra Maria Neves. Depois da janela, a porta. Poderosas estas duas palavras pelo que transportam consigo. Da janela vejo o mundo e, dela, o mundo espreita-me. Da porta saio para ele, mas ele também me entra em casa. Mas a porta é mais física, obriga-me mais, compromete-me. Da janela posso só admirar, observar o mundo, sem me comprometer. E posso até fechar as persianas para que não me espreitem, apesar de também isso ter uma leitura. A porta é mais fronteira, limiar que me compromete. Esta porta existe realmente (vê-se, não é?) e simbolicamente (o que só se pode imaginar). Parti dela para o poema… sob o intenso perfume – que quase embriaga – do fabuloso jasmim, ali ao lado de um loureiro. Gosto da ideia de cair no solo verde da esperança, tropeçar e cair. Porque é uma queda que não magoa. Neste caso o poeta caiu exausto numa esperança difusa, sem forma, esparsa… nesse chão que é a vida. Sim, é verdade que a esperança sustenta o futuro e deixa-nos conviver com ele, mesmo quando ele parece estar cada vez mais longe. E, sim, é o próprio poeta que se deixa levar pela dinâmica do poema ao ponto de perder o sentido do que o levou aí e de até desvitalizar a pulsão que o gerou. De certo modo, o fingimento é isso. Os filósofos dizem que uma coisa é a génese e outra é a validade. São plano distintos, tal como o poema é distinto da pulsão. Mas na verdade não se anulam. Coexistem em planos diferentes e com estatuto diferente. Mas quando o poema é intenso e conseguido (a sua dimensão performativa é total) pode funcionar como eficaz conversão (não substituto) do real. É esta a força da poesia: o seu poder performativo. Que, às vezes, até assusta! Mais uma vez lhe agradeço. E também porque os seus comentários me motivam sempre estas reflexões”.
Lindo, soberbo este Poema, Professor!
Para lá da Porta, está o mistério. Um mistério que é, ao mesmo tempo, o derradeiro encanto e inspiração do Poeta…cuja fronteira não ousa passar. Fica, pois, o desafio para tal aventura um dia…!
A Ilustração é misteriosa de verdade… Sofisticada, plenamente preenchida de cores e aromas… Porém impressionantemente opaca. Fabulosa!
Renovados Parabéns ao Ilustre Poeta…
Um grande beijinho, Fernanda
Obrigado, Fernanda. Sim, o mistério. Foi isso que sempre me encantou. Este poema é sobre isso. Um beijinho.