A TEIA
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Pas de Deux”. Original de minha autoria para este poema (sobre um “Pas de Deux” na Royal Opera House - Londres). Outubro de 2018.

“Pas de Deux”. Jas. 10-2018
POEMA – “A TEIA”
JÁ GASTEI Todos os poemas Cantando O que não ousas Ouvir. Já me fogem As palavras E fico mais Pobre de ti! JÁ NEM SEI Se é silêncio Ou são notas Dissonantes Com que me cobres A suave Melodia. NEM PALAVRAS Nem cores Nem notas (Desenhadas) Na pauta Do silêncio Com que me falas... ................... Nada! AH! NEM EU Já saberei Nomear-te Na hora Da despedida, No encontro Que nunca Marcaremos Nessa baça Encruzilhada Onde sempre Te perdi! PARA QUE SERVE A poesia Se não a Sentes... Por dentro? Para que serve A pintura Se não desenhas Com a alma? Para que serve Gritar Se não ouves... Com o peito? Para que sirvo eu, Poeta, Se não te vejo... Por fora, Mesmo que te desenhe E cante... Por dentro? PARA NADA, A não ser Para celebrar O futuro De um passado Que esmoreceu Para nunca lá chegar, Perder-me Na rotina Dos ecos Silenciosos Da alma, Enganar-me Em desencontros Inventados, Ir por aí Sem saber Para onde vou, Desaparecendo Na montra Dos meus inúteis Passeios Pela arte Que desenterrei Das vísceras! AO MENOS DANÇO Em Pas de Deux Com meus Poemas Desenhados, Enredado Nos mil fios Da fértil Imaginação Do poeta pintor Que levita Sobre escombros De uma casa (Ou de um palco) Que nunca construiu... É A DANÇA Da solidão, Contigo Suspensa Nos fios Da teia Em que vou Enredando A minha vida, Até tombar exausto, Ao cair do pano... .................. Que tarda!
João de Almeida Santos brindou os seus leitores com um poema que remete para uma pluralidade de ressignificações convocando na poesia TEIA ( magnificamente bem intitulada) –uma miríade de linguagens/signos plurívocos (dança, pintura, …) que enleiam o leitor quer na busca de significados plurais quer no desafio de intratextos e intertextos ( “Já gastámos as palavras meu amor”, de Eugénio de Andrade entre outros poetas).
A análise metatextual mostra um poeta ciente da sua condição de Poeta / Pintor (“PARA QUE SERVE/A poesia/Se não a/Sentes…/Por dentro?/Para que serve/A pintura/Se não desenhas/com a alma?”) numa inequívoca ascese paradoxal entre o amor /desejo e num enfoque intra e intersubjectivo sobre o próprio processo de produção poética. Coabitam com o poeta, as isotopias da solidão, do silêncio e da ausência, isotopias estas que ganham eco e expressividade com as interrogações retóricas e com as apóstrofes dirigidas, enfaticamente, a um tu, objecto amado deste poema.
PARABÉNS, Professor.