O TEU CORPO
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Penché”. Original de minha autoria para este Poema sobre um bailado na Royal Opera House. Outubro de 2018. Nota: “Penché” é o nome que designa a posição que, em dança, continua o “Arabesque” e é a que se vê neste quadro.

“Penché”. Jas. 10-2018
POEMA – “O TEU CORPO”
HÁ POESIA No teu corpo... Alma geométrica Que se desenha No espaço Para te contar Sem palavras, Contraponto silencioso E expressivo Da tua melodia. HÁ MÚSICA No teu corpo... Pauta Da beleza Que levita, Instável, Entre cores, Desenhando Enigmas Que só o Poema Pode decifrar... TENS A ALMA Inscrita No corpo, Como eu a Tenho nas palavras Que roubo Ao poema inatingível Que procuro, Incansável, Como minha utopia... VEJO-TE Como letra De uma canção Que vou cantando Na minha subida Ao Monte, Porque o vale Já não me chega, Nem tu chegas, Pois partiste Em busca dos palcos da tua vida... MAS EU RESPIRO, Com o poema, A tua dança, Ao longe, Em forma de Letra No discurso da Beleza Em que nos vamos Enredando Como em teia Que prende E nos liberta... E PROCURO-TE Na pintura, Fixo-te Para te cantar Quando a noite Cai sobre mim E mergulho Na solidão Do silêncio Com que, de longe, Me falas. VEJO-TE Num bailado A solo, Dançando, Dançando, Para que te cante Num poema, Ao ritmo do Corpo E da alma Com que te Vais desenhando Nas telas Da tua vida. E, NO FIM, Rogo-te Que não pares O teu silencioso E longínquo Bailado Solitário Até que eu te Desenhe Em palavras Para que nelas Te revejas Como se fossem O espelho Encantado Da tua alma!
Estamos face a um poema com uma circularidade discursiva imagética. A simbiose de sentimentos e sensações incute ao poema uma rica sinestesia convocada ao longo das estrofes: “HÁ MÚSICA/No teu corpo…/Pauta/(Da beleza/Que levita,/Instável,/Entre cores,/Desenhando/Enigmas/Que só o/Poema/Pode decifrar…”). A opção por versos muitos curtos torna um ritmo ondeante e saltitante – quiçá alegre – em contraste com a ausência e a partida do objecto amado. (“Pois partiste/Em busca dos palcos/da tua vida…”), reiteradamente apostrofado. O sentido metafórico, plurívoco – presente no poema – abre leituras outras e convida o leitor a decifrar o jogo lexical e semântico da composição poética recheada de apóstrofes e interpelações enfáticas e paradoxais (“Para te contar/Sem palavras,”).
A graciosidade do desenho combina com a graciosidade poética.