ENCONTREI-TE NESTA RUA…
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: Capa do Romance “VIA DEI PORTOGHESI”, sobre desenho original de João de Almeida Santos, autor. Poema inspirado neste Romance, que estará nas livrarias e nas grandes superfícies no próximo dia 18 de Junho. Editora Parsifal. Lisboa. 2019.

Capa do Romance “Via dei Portoghesi”. Pintura original de JAS. 05-2019
POEMA – “ENCONTREI-TE NESTA RUA…”
ENCONTREI-TE NESTA RUA Levemente curvada Sob o peso da tua Persistente (E sedutora) Melancolia... UM OLHAR Invisível Seguia O teu rasto, Por incontida Paixão, Na rua Do desencontro, Dos olhares cruzados, Incertos ou Dissimulados, Inundados de Lágrimas secas Expulsas Pela dor Nostálgica E profunda De almas Em ferida. MAS É A NOSSA RUA, Não é? Lugar vital De tristes desacertos, Vereda estreita, Inacabada, Destino Traçado Pelos deuses Como castigo Sei lá do quê, Curva apertada Da vida Sobre abismo Vertical Que ameaça Engolir-nos No nada. AH, EU SINTO VERTIGENS Ao passar na nossa Rua! Estou sempre À beira de cair No precipício Quando que me Cruzo contigo Que seja Apenas na Memória deste lugar Que me atrai Como laço Nunca deslaçado Porque nunca Cumprido. ESTA É A RUA DO Meu abismo, Atracção fatal Das margens Dos meus dias Para um passado Que me devora Inexoravelmente O futuro, Sem compaixão... EU GOSTO DESTA RUA, Estou sempre A celebrá-la Com poemas, Em exorcismos Salvíficos E consoladores, Atraído Por ela Como se fosse A nascente do meu Incompleto E melancólico Viver... MESMO QUANDO NÃO ESTÁS (Nunca estás, Eu bem sei) Nela, tropeço Em ti, Seguro-me Para não cair Em mim E sigo em frente Até à esquina Onde, contigo, Me cruzava, De uma certa forma, Com o implacável Mundo Que nos era Friamente hostil. É A RUA DO DESENCONTRO Porque foi nela Que te encontrei, Trocando As voltas ao destino E seguindo em frente, A teu lado, Por algum tempo, Até que te perdi O rasto Numa curva Perigosa Desse desfiladeiro Da tua vida Que ameaça sugar-te Para um vazio Profundo... MAS AGORA VISITO-TE Em lugares Imateriais Onde te procuro E recrio Na esperança de Um dia, Inesperadamente, Te ouvir dizer De novo: “Olá!”... ................ E não seja Tarde demais!

Plano da Capa do Romance.
Comentário da Prof.ra Maria Neves.
“O POEMA está, magistralmente, construído em torno de três isotopias: a rua, o (des)encontro e o olhar. É nesta simbiose que a semântica do poema ganha expressividade. A (cons)ciência do Poeta do acto criador está plasmada nesta estrofe que condensa o sentir do valor da vida, a atracção fatal por um ser amado e a sublimação do amor materializado em poemas, verdadeiros espelhos da alma do Poeta e de (inúmeros) leitores:
EU GOSTO
DESTA RUA,
Estou sempre
A celebrá-la
Com poemas,
Em exorcismos
Salvíficos
E consoladores,
Atraído
Por ela
Como se fosse
A nascente do meu
Incompleto
E melancólico
Viver…
O Poeta vagueia por geografias sentimentais várias a que os deíticos emprestam precisão ou imprecisão de lugares de memórias… Emerge, assim, no poema a (re)invenção poética da nostalgia, da melancolia e da “incontida paixão”. E o poema parece jogar a favor do estreitamento da distância entre “almas/em ferida”, expressão feliz do estro camoniano.”