CANTA, POETA, CANTA!
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: "Auto-Retrato de um Poeta". Original de minha autoria. Julho de 2019.

“Auto-Retrato de um Poeta”. Jas. 07-2019
“Ora al nuovo sole si affidano i nuovi germogli” Virgílio
POEMA – “CANTA, POETA, CANTA!”
CANTA, POETA, CANTA Até que ela Te ouça, Nem que a palavra Te doa E a alma Estremeça. CANTA, POETA, CANTA Que o teu poema Tem dor Que te baste No amor E tem cor Que alumia E tem sabor A cerejas Que as dá A Primavera. SE NO CANTAR Tu quiseres Atingir o infinito Salta pra cima Dum risco, Agarra asas De azul E voa Nesse teu céu Até que ela Te veja, Te pinte Numa cereja E murmure Este teu nome Em silêncio De igreja... CANTA, POETA, CANTA Que o teu cantar É meu choro E é água Cristalina Que corre Lesta Em seu rio À procura de beleza Num infinito Adeus Beijado Pela tristeza. CANTA, POETA, CANTA Que contigo Cantarei A alvorada do dia, Chora, que eu Chorarei Se não houver Alegria, Ri, que Eu sorrirei Animado por teu Riso E para ti Dançarei Uma valsa De Strauss Às portas Do Paraíso. CANTA, POETA, CANTA Até que ela Te ouça, Não pares De chorar alto, Na montanha, No planalto, Num poema Ou num desenho, Numa cor Em aguarela, Afagado Pela dor De não a veres À janela. CANTA, POETA, CANTA, Para ti E para o mundo Que o teu cantar Enobrece Quem ouvir A tua prece, Quem sentir O teu lamento, Que de ser Já tão profundo Não o leva Nem o vento Pois em ti Ele entardece. E SE O VENTO O levar Vai procurá-la A ela, Dobra lento A esquina Pra que a vejas À janela Num dia que É de festa Sem cortinas No poema... MAS SE O VENTO Não soprar, O lamento Lá regressa Ao poeta Que o cantou Pois não era Dele o dia Mas de quem O castigou... CANTA, POETA, Canta Que um dia há-de Ouvir... ................... Deixa, pois, que o Tempo passe, Que a razão Se esclareça E confia no porvir... CHORA, POETA, Chora, Neste teu Entardecer Aqui tão perto Da arte E saudades De morrer... CHORA, POETA, Chora, Até que rompa A aurora Deste longo Anoitecer...

“Auto-Retrato de um Poeta”. Detalhe.
Quem, por estes dias, em pleno cálido Julho de 2019, se deparar com esta poesia “CANTA, POETA, CANTA!” e outros tantos poemas de João de Almeida Santos (JAS), depara-se – já não com estrofes esparsas e versos fortuitos e casuais – mas com uma poética e um estilo. Como diz Buffon (1707-1788), “Le style, c’est l’homme même” no famoso ensaio Discours sur le style, escrito em 1753 (1).
A Poética de JAS tem uma matriz estilístico-formal e estética, plasmada em versos marcados por intertextos implícitos ou explícitos e por contaminações de poetas nacionais e internacionais, reveladores da sua cultura literária.
É uma Poética que tem, assumidamente, um estilo narrativo, com versos plenos de musicalidade, de assonâncias, de rimas toantes e consoantes, com estrofes de liberdade rimática e rítmica, numa cadência harmoniosa, em linha com a arte poética clássica e contemporânea.
É uma Poética marcada pela dor, pela ausência e pelo silêncio do objecto amado – real ou imaginado – pela nostalgia e pelo spleen baudelairiano (“MAS SE O VENTO/Não soprar,/O lamento/ Lá regressa”).
Mas é sobretudo uma Poética que prima pelo prazer de versejar, de poetar, superando a dor e transcendo-a em poemas com que brinda, dominicalmente, os seus leitores deixando para a posteridade a perenidade do seu cantar… “CANTA, POETA, CANTA” – este verso inicial, anafórico, convoca logo o leitor para a comunhão da leitura do poema, levando-o a cruzar estes (aparentemente) alegres versos com a quadra pessoana: “Ela canta, pobre ceifeira,/julgando-se feliz talvez; Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia/De alegre e anónima viuvez” (2). Tal como Pessoa, também JAS escalpeliza no seu poetar a introspecção sentida e a dor íntima e profunda do seu estado de alma…
Contrariamente a Bocage que, no conhecido poema Auto-Retrato (3), se auto-caracteriza física e psicologicamente numa sinceridade comovida tão ao gosto romântico – (“Magro, de olhos azuis, carão moreno (…) Mais propenso ao furor do que à ternura;”) – JAS optou por reflectir – apenas e tao-só – a sua paisagem interior, nunca aludindo aos seus traços físicos. Estes, sim, ficaram somente na ilustração que antecede o poema.
Vejamos, então, como é construída a paisagem interior nesta poesia onde conflui uma miríade de registos discursivos diversos. Desaguam, assim, neste texto poético: a orquestração musical dos versos (as vogais abertas em Canta e Chora, a repetição do imperativo e a apóstrofe que o sujeito poético faz ao próprio Poeta); os lexemas cromáticos e sinestésicos (“E tem sabor/A cerejas/Que as dá/A Primavera; (…) Agarra asas/De azul”); os elementos pictóricos (“num desenho,/Numa cor/Em aguarela,/Afagado/Pela dor/De não a veres/À janela”); as notações do sagrado e do infinito como numa ascese (“E para ti/Dançarei/Uma valsa/De Strauss/Às portas/Do Paraíso”); e os sinais de uma fina e subtil sensualidade que se adivinha na tessitura poética (“À procura de beleza/Num infinito/Adeus/Beijado/Pela tristeza”).
Bela poesia esta! Por isso, daqui um apelo a JAS para publicar um livro com esta e outras poesias tal como fez com o seu romance Via Dei PORTOGHESI que, curiosamente, é uma sugestão de leitura na Revista do Expresso de 20 de Julho de 2019 (nº 2438, p. 63).
(1)Buffon (1753). Discurso sobre o Estilo, trad. Morão, A. (2011). Covilhã: LusoSofia Press, p. 3.
(2) Pessoa, F. (1995). Poesias. Lisboa: Ática, p.108.
(3) Bocage (1992). Poesias de Bocage. Lisboa: Comunicação, p. 38.
Maria Neves Leal Gonçalves
“Quem, por estes dias, em pleno cálido Julho de 2019, se deparar com esta poesia “CANTA, POETA, CANTA!” e outros tantos poemas de João de Almeida Santos (JAS), depara-se – já não com estrofes esparsas e versos fortuitos e casuais – mas com uma poética e um estilo. Como diz Buffon (1707-1788), “Le style, c’est l’homme même”, no famoso ensaio “Discours sur le style”, escrito em 1753 (1).
A Poética de JAS tem uma matriz estilístico-formal e estética, plasmada em versos marcados por intertextos implícitos ou explícitos e por contaminações de poetas nacionais e internacionais, reveladores da sua cultura literária.
É uma Poética que tem, assumidamente, um estilo narrativo, com versos plenos de musicalidade, de assonâncias, de rimas toantes e consoantes, com estrofes de liberdade rimática e rítmica, numa cadência harmoniosa, em linha com a arte poética clássica e contemporânea.
É uma Poética marcada pela dor, pela ausência e pelo silêncio do objecto amado – real ou imaginado -, pela nostalgia e pelo spleen baudelairiano (“MAS SE O VENTO/Não soprar,/O lamento/ Lá regressa”).
Mas é sobretudo uma Poética que prima pelo prazer de versejar, de poetar, superando a dor e transcendendo-a em poemas com que brinda, dominicalmente, os seus leitores, deixando para a posteridade a perenidade do seu cantar… “CANTA, POETA, CANTA” – este verso inicial, anafórico, convoca logo o leitor para a comunhão da leitura do poema, levando-o a cruzar estes (aparentemente) alegres versos com a quadra pessoana: “Ela canta, pobre ceifeira,/ julgando-se feliz talvez; Canta, e ceifa, e a sua voz, cheia/ De alegre e anónima viuvez” (2). Tal como Pessoa, também JAS escalpeliza no seu poetar a introspecção sentida e a dor íntima e profunda do seu estado de alma…
Contrariamente a Bocage que, no conhecido poema Auto-Retrato (3), se auto-caracteriza física e psicologicamente, numa sinceridade comovida tão ao gosto romântico – (“Magro, de olhos azuis, carão moreno (…) Mais propenso ao furor do que à ternura;”) – JAS optou por reflectir – apenas e tão-só – a sua paisagem interior, nunca aludindo aos seus traços físicos. Estes, sim, ficaram somente na ilustração que antecede o poema.
Vejamos, então, como é construída a paisagem interior nesta poesia onde conflui uma miríade de registos discursivos diversos. Desaguam, assim, neste texto poético: a orquestração musical dos versos (as vogais abertas em Canta e Chora, a repetição do imperativo e a apóstrofe que o sujeito poético faz ao próprio Poeta); os lexemas cromáticos e sinestésicos (“E tem sabor/A cerejas/Que as dá/A Primavera; (…) Agarra asas/De azul”); os elementos pictóricos (“num desenho,/Numa cor/Em aguarela,/Afagado/Pela dor/De não a veres/À janela”); as notações do sagrado e do infinito como numa ascese (“E para ti/Dançarei/Uma valsa/De Strauss/Às portas/Do Paraíso”); e os sinais de uma fina e subtil sensualidade que se adivinha na tessitura poética (“À procura de beleza/Num infinito/Adeus/Beijado/Pela tristeza”).
Bela poesia esta! Por isso, daqui um apelo a JAS para publicar um livro com esta e outras poesias tal como fez com o seu romance VIA Dei PORTOGHESI que, curiosamente, é uma sugestão de leitura na Revista do Expresso de 20 de Julho de 2019 (nº 2438, p. 63).
(1)Buffon (1753). Discurso sobre o Estilo, trad. Morão, A. (2011). Covilhã: LusoSofia Press, p. 3.
(2) Pessoa, F. (1995). Poesias. Lisboa: Ática, p.108.
(3) Bocage (1992). Poesias de Bocage. Lisboa: Comunicação, p. 38.
João De Almeida Santos.
Nem sei que dizer, Cara Prof.ra Maria Neves. Mas talvez deva dizer que farei tudo para merecer o que reconhece na minha poesia. Que é tanto! Eu procuro colocar-me a nível profissional no exercício poético sem deixar que os imperativos da minha existência singular não o determinem, sem deixar de espelhar nele o que vou sentindo, até exercitando a dor, a melancolia, a tristeza no plano existencial (deixando-me ir nos momentos de maior sensibilidade e fraqueza) para depois as elevar a um plano poético. Sim, em cada poema procuro a musicalidade, independentemente da rima, ou com ela. É também verdade que o estilo é narrativo, que até pode ser a história de um instante intenso, de um baque emocional, de um “insight”. E talvez evolua para um pano de fundo mais intensamente sensual, embora tenha plena consciência de que a minha poesia não resulta de um puro acto de vontade ou da vontade pura. Algo induz sempre os poemas, dependendo também da abertura da minha sensibilidade ou de acasos fortuitos da vida quando ela se mete comigo ou me provoca. A pintura ajuda-me muito. Permite-me dizer o que não consigo num poema. Nem que seja somente o próprio acto de pintar… E, sim, há em tudo isto um imenso viajar pela minha paisagem interior, desnudando-me talvez mais do que eu próprio desejaria. Mas é esta a beleza da poesia: não sabermos onde acaba a vida e começa a fantasia. “Poi piovve dentro a l’alta fantasia”, dizia o Dante Alighieri na “Divina Comédia”. Sim, na minha também chove muitas vezes, só que não fico molhado, mas enxuto, demasiadamente enxuto, mesmo quando troveja e a bátega é intensa. Tem sido assim. Demasiado assim. Mas que chova na alta fantasia para que haja poemas, quadros e romances. E mil vezes o meu obrigado pelo tempo e o empenho que há muito dedica aos meus poemas. A caminhada não seria tão bela sem a Professora. Um abraço.