Poesia

PINTEI-TE

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Mulher”. 
Original de minha
autoria para este poema. 
Setembro de 2019.
Tu_Final5_1809

“Mulher”. Mas. 09-2019

POEMA – “PINTEI-TE”

PINTEI-TE
Como te vejo
Por dentro.
Gosto do Modigliani
E gosto de ti,
Dei-te este rosto
Que por dentro
Me sorri.

PINTEI-TE
Única e
Deusa,
Meu encanto,
Aura e halo,
Entre a vida
E o meu canto
Infinito
Intervalo.

PINTEI, SIM,
Para te dar
A cor
Que não queres.
É como dar-te
A vida que
Não tens
Fora de mim.

E SABES?
Gosto de ti
Assim,
Com estas cores,
Geometria
Que desliza
Para uma aguarela,
Como água
Cristalina
A brotar
Desse teu rosto...

AGORA EXPONHO-TE,
És espelho
Do poema,
Cores quentes
A ferver
Como eu
Que t’escrevo
Cartas de amor
Disfarçado
De poeta
Neste meu
Entardecer,
Quando o azul
Se faz breu.

AH, SIM,
Metade sou eu,
Metade é o poeta
Que desenha
Com palavras
E te celebra
Com as cores
De que te veste
No tempo
Da fantasia.

PINTEI-TE
E eu não queria...
...............
Mas o desejo
De te ter
À minha frente
Foi mais forte
Do que eu,
Pulsão quente,
Desejo ardente,
Olhar de frente
O teu céu.

OH, AFINAL,
Pinto-te sempre
Na tela
Da minha alma
Com palavras
Que o vento
Leva
E cores
Que se dissolvem
Neste triste
Entardecer.

E PARA QUÊ?
Para nada?
Dizes:
“- Eu quero lá
Saber!
Pinta praí
Como danado
Até que a cor
Te doa
Do teu pecado,
Escreve
E canta
Até que as mãos
Afaguem
Essa garganta
Dorida,
Olha-me
Até que a vista
se canse
De nunca me
Alcançar
Por ser visão
Proibida”.

OH, PENSANDO
Melhor
(Finalmente,
Tu dirás),
“- Pinta, canta 
E olha
Porque, afinal,
Até gosto
Do que o teu
Canto me traz.

SEM TE LER
Nem te ouvir
Ou ver-te
Com memória
Atormentada
Do que nunca
Aconteceu...
...........
Eu bem sei
Como a ausência
Te doeu!”

“ - MAS PINTA,
Meu amor, pinta,
Quem to pede
Não te quer,
Mas sabe
Quanto a cor
Adoça a vida
Se perdeste
Uma mulher.”
Recorte

“Mulher”. Detalhe.

3 thoughts on “Poesia

  1. Transcrevo, com o meu obrigado, o comentário da Prof.ra Maria Neves ao poema: “Ao ler este poema de João de Almeida Santos (JAS) ocorreu-me, imediatamente, revisitar excertos da obra paradigmática de Hans Robert de Jauss, “A estética da receção”, mormente a mediação e a complementaridade entre o criador (que escreve) e o leitor (que produz sentidos sobre o que lê – leitura no seu sentido polissémico). Se ao criador (escritor, poeta, pintor, músico…) cabe a produção (poiesis), ao leitor cabe a receção (aisthesis), cabendo a catharsis (na aceção jaussiana), enquanto comunicação literária, ao criador-leitor em estreita relação dialógica com o texto. Foi na confluência desta tríade que entrei no campo intersubjectivo da tessitura poética deste poema, expressivamente intitulado, “Pintei-te”. O universo poético está, na minha perspetiva, plasmado em três categorias-chave: 1) no poder transformador da arte poética (“AH, SIM,/ Metade sou eu,/ Metade é o poeta/ Que desenha/ Com palavras/E te celebra/ Com as cores/ De que te veste/ No tempo/ Da fantasia”); 2) no processo de exteriorização sentimental e de idealização da Mulher amada, enquanto ser único e singular (“PINTEI-TE/ Única e/ Deusa,/ Meu encanto,/ Aura e halo,/ Entre a vida/ E o meu canto/ Infinito intervalo”); 3) na coloquialidade e no intratexto que o poeta estabelece com o objecto amado (“E SABES?/ Gosto de ti/”; Assim; (…) “E PARA QUÊ?/ Para nada?/ Dizes:/“- Eu quero lá/ Saber!/ Pinta praí/ Como danado”).
    A esta efabulação poética e criativa acrescem as notações sensuais (“Pulsão quente,/ Desejo ardente,/ Olhar de frente/ O teu céu”), as marcas textuais sensoriais (“Como água/ Cristalina/ A brotar/ Desse teu rosto…”) e quiçá os signos autobiográficos, não existisse, como expressou Fernando Pessoa, o intemporal fingimento poético…Esperemos que o estro poético de JAS não esmoreça…

    • Obrigado pelo comentário, Professora. Que os deuses animem o poeta. E que o poder sedutor da Musa não esmoreça. Mas, sim, que no poema e na pintura se encontrem poeta/pintor e leitor/fruidor. E, eu acrescentaria, também a Musa que inspira. Porque se o silêncio e a ausência nem sempre se disfarçam no eco que devolve as palavras ao autor também pode acontecer que as palavras sejam bebidas no caminho, não pelos fantasmas, mas sim pela destinatária (no feminino, porque é o de Musa). É aqui que o silêncio ganha expressividade e se faz ouvir. Quando as palavras são bebidas e o eco se faz murmúrio que chega aos ouvidos… do poeta. É que a ausência do campo de visão gera, nos poetas, hipersensibilidade nos outros sentidos, sobretudo na audição. Ouvem o que outros não ouvem. Mas às vezes a destinatária também se disfarça e se confunde com o eco, chegando ao autor, sem que ele aparentemente se aperceba da sua presença. E também é verdade que a coloquialidade é um elemento matricial da minha poesia, uma poesia que interpela sempre, é vocativa… apesar de só esperar o silêncio ou, se por acaso acontecer, palavras de circunstância ditadas pelo acaso. Notações sensuais, marcas textuais sensoriais e o fingimento poético, sim, há tanta metafísica na poética do fingimento, Professora! Tanta verdade disfarçada de ilusão, tantas lágrimas em cada vírgula que pontua os versos sofridos. Ah, se há! A poesia é como o mar. Nunca mais acaba, mesmo quando se passa o cabo das tormentas. Eu viajo nas estrofes a remar com palavras, às vezes contra o vento, outras quando o mar está estranha e perigosamente calmo, anunciando talvez tragédia ou mesmo ameaça. E nem quando se vislumbra terra se fica a saber se é mesmo terra ou é alucinação. Entre uma coisa e a outra, onde há tanta incerteza, ficamos quase sem palavras e em estado febril. Sabe porque gosto tanto do Pirandello? Porque quase sempre o real só é real porque nos parece ser. E também nós andamos sempre à procura de um bom autor para a nossa vida demasiado banáusica (Hannah Arendt), a ver se nos redimimos nem que seja através do mecanismo do “deus ex machina”. Mas, este, temos é de o encontrar em nós, ajudado por um qualquer encantamento que nos capture e nos seduza. Um abraço e bom começo de ano lectivo, agora nas suas novas funções de Directora da Escola Superior de Educação da Lusofonia, do Ipluso.

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