ESSES OLHOS NEGROS…
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Olhar”. Original de minha autoria para este poema. Setembro 2019.

“Olhar”. Jas. 09-2019
POEMA – “ESSES OLHOS NEGROS…”
DESSES OLHOS NEGROS Eu tenho Saudades, Viajo com eles Na minha memória Pra te alcançar Neste oceano Onde eu navego Entre altas vagas Sem nunca parar... E TENHO SAUDADES Por nunca te ver... .......... Quiseste Partir E logo negar O tempo exacto Para te sorrir. EU TENHO SAUDADES Saudades de ti, Quando te invoco Com estas palavras, Te digo O que sinto... .................. Que esta saudade Já não vai parar Mesmo se minto E digo em arte Que te vou Inventar. EU TENHO SAUDADES De te encontrar Naquele jardim Onde o desencontro De ser tão intenso Até parecia Nunca ter um fim... E TENHO SAUDADES Quando te escrevo Estes meus poemas Sabendo por certo Que não terá eco O que neles te digo E sempre senti. EU TENHO SAUDADES Mas já nem eu sei Porque é que vivo Tão perto de ti E quase te sinto Quando tu respiras O ar que te sopra Como densa bruma Nesse teu jardim. EU TENHO SAUDADES, Saudades de ti, E até sei porquê Este meu sufoco... ................ Talvez porque Foges, Nem sequer nomeias O que te ressoa Se o canto Te chega E sobre ti ecoa. SEI BEM A RAZÃO Porque não te encontro Nem te dou a mão Pra que não me fujas ... ........................ Porque é em vão! COM TANTA SAUDADE Até sou feliz Em certos momentos, Tão longe de ti, Com alma Em tormento, Porque eu te amo Ao sabor do vento E da poesia Que sopram Intensos Lá do teu jardim, Mas tenho saudades Desses teus olhos Que vejo daqui Porque eles me dizem Que longe que estejas Estás perto de mim.

“Olhar”. Detalhe.
Numa recente entrevista a Mário Cláudio, o jornalista Valdemar Cruz, pergunta-lhe, com sensibilidade, se ele (escritor e poeta) “é mais que uma persona literária?”. A resposta de Mario Cláudio é tocante e elucidativa: “Acho que sim. É um ser humano. Como todo o ser humano, sou um homem que afivela máscaras. Só que as máscaras caem sempre. E quando as máscaras caem, o resultado pode ser trágico, ou pode ser libertador. Espero que mo meu caso seja libertador” (1).
A poesia de João de Almeida Santos (JAS) com que, pontual e dominicalmente, brinda os seus leitores é também, na minha leitura, uma simbiose paradoxal de máscaras e de transparências. Esta simbiose é visível na forma como JAS canta o amor e como recupera a isotopia da saudade, plasmada já no lirismo medieval trovadoresco, de que o nosso rei Poeta (D.Dinis) celebrizou num linda cantiga de amor: “Que soidade de mia senhor hei/quando me nembra dela qual a vi”.
Mas a poesia de JAS é, igualmente, libertadora para o poeta:(“E TENHO/SAUDADES/Quando te escrevo/Estes meus poemas/Sabendo por certo/Que não terá eco/O que neles te digo/E sempre senti”. A libertação contagia o leitor, pela experiência estética intersubjetiva que o leitor reencontra num “prazer solitário das palavras”, na fraseologia feliz de Roland Barthes“(2.
A beleza deste poema sobressai igualmente na forma, com uma diversidade rimática, rítmica e estrófica, dispositivos que incutem ao poema uma rara musicalidade:
“COM TANTA SAUDADE
Até sou feliz
Em certos momentos,
Tão longe de ti,
Com alma
Em tormento,
Porque eu te amo
Ao sabor do vento”.
As aliterações do fonema t e da vogal i, a rima consoante e grave em momentos/tormentos/ vento criam uma expressiva harmonia musical.
(1) Revista Expresso, nº 2448, de 28 de Setembro de 2019,p. 61.
(2) Barthes, R. (2001). O Prazer do Texto. Lisboa:Edições 70
João De Almeida Santos. Maria Neves Leal Gonçalves. Obrigado, Professora. Máscara e transparências. É isso. As transparências procurei materializá-las no desenho. As máscaras são as personagens que me habitam e que me procuram como autor. Um amigo, na sexta feira, contava-me, a propósito, e sobre uma comunidade africana, o que diziam, nos rituais, às máscaras: “Fala máscara, para que te veja!” É também por isso que as minhas personagens (máscaras) falam – para que as vejam. É assim que há transparência. Na fala. A parte inferior do desenho, sendo uma transparência, produz alguma ambiguidade (menos nitidez, a contrastar com olhar hipnótico) precisamente para que a fala (o poema) deixe ver melhor ou complete a semântica do desenho. E, sim, tudo isto é libertação do jugo do silêncio e da dolorosa ausência… até ao próximo poema e ao próximo desenho. E a rítmica também ajuda: é como se estivesse a dançar ao som do poema com o olhar posto no quadro, nesses olhos negros que tanto seduzem e inquietam o poeta e o pintor. Um abraço, Professora. Que tenha uma belíssima semana.