A REINVENÇÃO DO TEMPO
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “A lua desceu sobre mim”. Original de minha autoria para este poema. Junho de 2020.

“A lua desceu sobre mim”. Jas. 06-2020.
POEMA – “A REINVENÇÃO DO TEMPO”
FOI INESPERADA A descida Ao vale Profundo Da tua vida, Reencontro Com o destino Que os deuses Te traçaram, Numa longa Despedida. TRILHOS NOVOS, Fim do ciclo Que corroía E já tardava... .............. Porque doía. UM RÁPIDO Bater de asas Aos ventos que Sopravam e Incendiavam O teu desejo De liberdade... ............... E o tempo Da reinvenção Aconteceu Na outra metade De ti. OS CICLOS Que a vida tem... .................. De repente, Assomam Personagens Que nos habitam E aguardam Em silêncio O dobrar de uma Esquina Para tomarem Conta de nós... É A VIDA Em sobressalto, Renascida, Ventos que sopram Forte na alma, Perfume de liberdade Que docemente Embriaga, O sorriso inocente Da criança que Desperta Para dar vida Às coisas inanimadas Que nos prendem O olhar... ............. Num luminoso Amanhecer. PRESSENTI Essa viagem, A partida Do túnel Ensombrado Do tempo, Sem bagagens, Apenas o teu corpo E a vontade De trepar pelo Mundo acima Como quem Já o respira Lá no alto Da montanha. E LOGO TE DISSE: “Nasce outro Personagem Em ti Que já se manifesta À procura de autor Que lhe reescreva O destino E o ponha em cena No teatro Da tua vida...” “VEM DAÍ, VEM, Que a vida acontece No grande teatro Do mundo Onde se viaja ao sabor Do vento E da fantasia Em levitação Sobre o vale De onde se vê A vida Do lado certo Do sonho.” “E TU, QUE PAGASTE O teu tributo, Abraça a autoria E procura esse palco Onde encenar A reinvenção do Tempo Com fantasia, A que nasce Da liberdade Que ilumina O caminho, A bússola Que já te guia.” VÁ, VEM DAÍ, Há muito Caminho para andar, Há azul No horizonte E brilho No teu luar, Há sol Na madrugada, Suave brisa No ar, Há flores No teu jardim, Água fresca Pra regar, Há mais mundo Que te espera E uma vida Para amar... ............... Vem daí, vem, Meu amor, Já nem sei Como esperar!

“A lua desceu sobre mim”. Detalhe.
Transcrevo, com o meu profundo reconhecimento, a análise da Professora Maria Neves ao poema – “A REINVENÇÃO DO TEMPO:
1. Este belíssimo poema de João de Almeida Santos (JAS) é um verdadeiro prazer para os sentidos, levando o leitor a viajar pelo sonho e pela fantasia num contínuo e incessante exercício estético de reinventar o tempo, no teatro da vida.
2. Este poema mantém a linha central do questionamento crítico do sentido da vida e da existência, apanágio da escrita poética de JAS (“É A VIDA/Em sobressalto,/Renascida”; “OS CICLOS/Que a vida tem…; “Reencontro/Com o destino/Que os deuses/Te traçaram,/Numa longa/Despedida”). A beleza deste questionamento entra no território íntimo e intersubjetivo da reciprocidade (ou não) do amor como subjacente à criação artística (“A partida/Do túnel/Ensombrado/Do tempo,/Sem bagagens”).
3. A ilustração, da autoria do próprio Poeta, uma rosa saturada de branco, remete, simultaneamente, para a ideia de pureza e para fragmentos de um discurso amoroso de um ténue erotismo entrelaçado, subtilmente, com o Desejo (“Apenas o teu corpo/E a vontade/De trepar pelo/Mundo acima/Como quem/Já o respira/Lá no alto/Da montanha”). O lexema “apenas” comanda o sentido do verso e parece habitar, em exclusivo, a alma do sujeito poético.
4. O poema induz o leitor, também ele, a percorrer e a visualizar geografias bucólicas e líricas, numa profusão de cores e de sentidos. É uma perfeita harmonia sinestésica. Atentemos nesta miríade sensorial:
“Há azul
No horizonte
E brilho
No teu luar,
Há sol
Na madrugada,
Suave brisa
No ar,
Há flores
No teu jardim,
Água fresca
Pra regar”
5. A proximidade entre o poeta e a amada, num registo fático, segundo Jakobson, é, deste modo, experienciada, convocando também o leitor a fruir a vida, mesmo que numa teatralização contínua e num tempo sempre (re)inventado:
“VEM DAÍ, VEM,
Que a vida acontece
No grande teatro
Do mundo
Onde se viaja ao sabor
Do vento
E da fantasia
Em levitação
Sobre o vale
De onde se vê
A vida
Do lado certo
Do sonho.”
Na estrofe transcrita, a leveza é dada pela aliteração do v (nove vezes repetidos) a sublinhar a expressiva sonoridade dos versos, aliada a um lirismo profundo, marcado pelo sonho e pela fantasia, mas também pela dor da espera (“Já nem sei/Como esperar!”).
Referência Bibliográfica
Jakobson R (1973). Questions de poétique: Paris: Éditions du Seuil.
Cara Professora, acho que desta vez nem vou dizer muitas coisas, dito que fica, na sua análise, o fundamental. Fico-me na condição de poeta, mas quero dizer algo a propósito de uma expressão sua: “uma rosa saturada de branco”. Adorei. E confesso que é isso mesmo: saturada de branco, a extravasar. Mais branco não é possível. Nem como utopia. É isso que vou procurando sempre que me confronto com o branco. Parece que consegui. E anda por cima faz parte do jogo da sinestesia. Com o poema. Pureza: a que emerge quando a liberdade assoma e fala. Esta rosa é uma lua que desce sobre o poeta. É luar cintilante. Que melhor atmosfera para deixar emergir a beleza e a liberdade pura que lhe está sempre associada? Este luar é branco e a sua luz é mais interior do que física. A reinvenção do tempo só pode acontecer num ambiente destes porque, de outro modo, o passado turbulento e perturbador regressará sob outras formas. É preciso saturar o branco da rosa para que se dê uma explosão de beleza e de liberdade. Obrigado, cara Professora. Um abraço.