VÃ UTOPIA
Poema de João de Almeida Santos. À “desgarrada” com Manuel Bandeira (1886 -1968), inspirado em três poemas seus: “Desencanto”, 1912; “Versos escritos na água”, s.d.; “Renúncia”, 1906. (Obras Poéticas. 1956. Lisboa: Minerva, pp. 33, 40 e 101). Ilustração: “Cascata”. Original de minha autoria. Janeiro de 2021.

“Cascata”. Jas. 01-2021.
POEMA – “VÃ UTOPIA”
“OS POUCOS VERSOS QUE AÍ VÃO, Em lugar de outros É que os ponho. Tu que me lês, Deixo ao teu sonho Imaginar como serão.”
E OS MUITOS Que eu te dei Deixam claro O que sou. Se tu me leres Saberás que Não errei Mas que foi pouco Do muito Que agora Eu te dou.
“NELES PORÁS TUA TRISTEZA Ou bem teu júbilo, E, talvez, Lhes acharás, Tu que me lês, Alguma sombra De beleza...”
BELEZA, SIM, E algum sentido, Tristeza e dor Como castigo, Por isso eu canto O que perdi Pra que o verso Vá ter contigo Lá onde estejas, Queira o vento Ser meu amigo.
“QUEM OS OUVIU NÃO OS AMOU. Meus pobres versos Comovidos! Por isso fiquem Esquecidos Onde o mau vento Os atirou.”
NÃO OS AMOU, Mas eu bem sei Que é verdade Este amor Que aqui nasceu E que cantei Em liberdade Em versos Que o vento Leu E te levou Para matar A saudade... ........... Pudesse eu Salvar-me, assim, Do que não sou, Libertar-me Do silêncio Que me invade. OUTROS FARIA Se pudesse Para os pôr Na tua mão, Não pediria que Os sonhasses, Olhos cerrados, Mente desperta, Mas que os lesses Com afeição. AH, MANEL, Que bem me sabe Pôr minha dor Em poesia, Em palavras A emoção, No cantar Triste alegria Por ser intensa Esta paixão Mesmo que seja Vã utopia. DIZES TU Em poesia Que só a dor Te enobrece. E dizes bem, Meu bom poeta, Alma dorida Logo me aquece E com meus versos Entretece O que a paixão Já tanto afecta.
“A VIDA É VÃ COMO A SOMBRA QUE PASSA... Sofre sereno e de alma Sobranceira, Sem um grito Sequer tua desgraça. Encerra em ti Tua tristeza inteira. E pede humildemente A Deus que a faça Tua doce e constante companheira...”
POIS TENHO MEDO (Eu te confesso) Que a dor Me passe, Perca o poema Sua raiz, Essa, sim, A verdadeira (Sua matriz), E fique só Já sem palavras E caiam secas Todas as rosas Que me povoam Esta roseira. SOBRAM ESPINHOS, Ferem-me a alma, Saem meus versos E cai o sangue “Gota a gota, Do coração”, “Volúpia ardente” Já sem remédio “Eu faço versos Como quem chora” E chamo a dor A toda a hora E ela vem Por compaixão. AH, POETA, Ah, meu irmão, Tu fazes versos “Como quem morre” E eu procuro Neste meu canto A sua mão. TU, MANEL, És a bandeira E ela O meu refrão, Pra mim és verso No meu poema E ela é, Neste meu peito, Uma paixão.

“Cascata”. Detalhe.