A PORTA DO TEMPO
Poema de João de Almeida Santos. Ilustração: “Transparência”. Original de minha autoria. Maio de 2021.

“Transparência”. Jas. 05-2021.
POEMA – “A PORTA DO TEMPO”
NUM DIA DE CHUVA Ou de sol (Eu já nem sei), Batem À porta da minha Memória, Batem leve, Levemente, Como quem chama Por mim, Como quem diz O que sente. É TRANSPARENTE, Essa porta. Vê-se o mundo Através dela... E eu vi-te, Assim, Vi teu rosto Desenhado Como se fosse Uma tela. VI TEUS LÁBIOS Sensuais De rubro Tingidos, Carnais, Vi o verde Brilhante De teus olhos Quando o sol Os acende, Apaixonado, E a minha alma Incendeia, Por estar ali A teu lado. NÃO SEI SE Me pressentiste No mundo Mágico Desta minha Fantasia, Lugar de sonho E desejo, Recanto De utopia. ENTRASTE NELE Vibrante, Com brilho de Arco-íris, A transbordar De tanta cor, Esse brilho Que me arde E que queima, Meu amor. MAS ERAS Transparente Também tu. Olho-te E vejo Através de ti Um céu plúmbeo E quieto A rogar Melancolia Que me pacifique A alma Na inquietação Deste dia. SUBITAMENTE, Na transparência Do teu rosto Irrompe O sol, Coado em dourado, Por entre a leveza Esfumada De nuvens brancas, Fugidias, A nascente, Lá no alto Da Montanha Que inspira Os meus dias... O DOURADO Ganha tons de Âmbar E veste-te o corpo Nu, Na intangível Memória Onde sempre Te revejo Quando se abre A porta Do tempo Com a chave do Desejo. CONTEMPLO-TE, Assim, Já um pouco Perdido, Extasiado, E quero tocar, Ao de leve, A tua pele De veludo Acetinado... ........... Mas o sol Esculpiu-te O rosto de Luz E eu já só era Um reflexo Dos teus Raios filtrados Que marcavam O destino De meus desejos Sonhados... DESPERTEI Ao som De dedos que batiam Levemente, Mais além, À porta Do meu quarto Imaginado. Corri a abri-la... ....... Ninguém. Era pura neblina O outro lado. REGRESSEI, RÁPIDO, Às cores Da minha memória Para te reencontrar Na magia Do meu mundo, Mas tu já não Estavas, Sequer como reflexo Do teu lado Mais profundo... DEIXARA ABERTA A porta do tempo...

“Transparência”. Detalhe.
Transcrevo, sensibilizado, o comentário, que agradeço, do meu Amigo e conterrâneo Tó Zé Dias de Almeida: “Não sei, francamente não sei, se à porta do tempo se deve bater… Então num dia de chuva, mesmo que suavemente, as transparências plasmam-se coloridamente numa tela mas, quase por magia, as cores esfumam-se!!!
E a memória, esse precioso dom, quando intangível nos toca, faz-nos sentir a ilusão do sonho tão verdadeiro, que, afinal, também ele se esfumou e descolorido ficou… São traiçoeiros os sonhos, olá se são! Se a memória, essa marota, nos prega a partida do esvaziamento, então a desilusão assoma, assalta-nos e… instala-se onde jamais a queríamos instalada. Hélas… Procuras um rosto, uma imagem, uma cor, uma sombra, uma luz, uma transparência. Mas tudo, tudo se dissipou!!! Pudera! Claro que se dissipou. Como poderia o sujeito poético, distraído como compete a um poeta, encontrá-la, se, irremediavelmente, deixara aberta a porta do tempo… Como?”
Eu não sei se o sujeito poético teve, ou não, uma alucinação. Talvez tenha tido. Melhor, alucinação onírica. Daí a sua indecisão sobre se era um dia de chuva ou um dia de sol. Mas ouviu bater e abriu a porta do tempo, esquecendo-se depois de a fechar, tudo acabando por se dissipar nela, como dizes. Ele recordava-se dos tempos em que a neve, recorrente, lhe batia à porta leve, levemente… mas agora era uma mulher (viu-a através da vidraça). Sem saber bem se era neve ou mulher (era sonho ou alucinação, sem dúvida, ou as duas coisas) deixou-se ir na volúpia da beleza sensual (que a neve também a tem) e acabou engolido pela voragem do tempo. Quis acrescentar sonho à memória e deu nisto. Não acordou da memória, mas acordou do sonho. E perdeu tudo. Sim, claro, ele está lá para perder, como todos os poetas, em permanente perda que tentam compensar com a poesia. Não têm vida fácil, entre o sonho e a realidade, entre a memória e o sonho, entre a música e o silêncio. Andam por ali, meio perdidos, à procura do que nunca encontram e depois são engolidos pela voragem do tempo porque deixam sempre a porta aberta. Na maior parte do tempo nem sequer encontram a chave. Perdem quase todo o tempo à procura dela e quando a encontram já nem sabem para que serve. E quando abrem a porta da memória fazem-no como quem sonha e, depois, pagam as consequências. São assim, os poetas. Obrigado, Tó Zé. Que tenhas um excelente Domingo. Um abraço amigo.