Poesia-Pintura

ESMORECER

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: "Teus Olhos".
Original de minha autoria.
Leitmotiv de K. Kavafis
(Poemas: "Cinzentos" 
e "Dias de 1903").
Abril de 2022.
Jas_TeusOlhosPub042022_1.jpg

“Teus Olhos”. JAS. 04-2022

LEITMOTIV

“Ter-se-ão desfeado (...)
os olhos cinzentos;/
Ter-se-á estragado o belo rosto.
Memória minha, guarda-os 
tu como eram./
E, memória, o que podes 
deste meu amor,/
o que podes traz-me 
de volta esta noite."
.............................
"Não voltei a encontrá-los –
esses tão depressa perdidos.../
Esses olhos poéticos, 
Esse pálido/
rosto... no anoitecer 
da rua...
(...) 
e que depois com ansiedade queria."

(Kavafis, K., Poemas e Prosas. Lisboa:
Relógio d’Água, 69-71)

POEMA – “ESMORECER”

JÁ GASTEI
Todos os poemas
Cantando
O que nunca
Te ouvi,
Já me fogem
As palavras
E fico mais
Pobre de ti.

JÁ NEM SEI
Se é silêncio
Ou são notas
Dissonantes
Com que desenhas
A pauta
Dos melómanos
Amantes.

NEM PALAVRAS,
Nem cores,
Talvez notas
Invisíveis
Nessa pauta
Desenhada
Do silêncio
Com que falas...
.............
Talvez nada.

AH, NEM EU
Já saberei
Nomear-te
Na hora
Da despedida,
No encontro
Que nunca
Marcaremos
Nessa baça
Encruzilhada
Onde sempre
Te perdi
Numa incerta
Caminhada.

PRA QUE SERVE
A poesia
Se não a
Sentes
Por dentro?
Pra que serve
A pintura
Se não a contemplas
Com alma?
Pra que serve
Gritar
Se não ouves
Com o peito?
Pra que sirvo eu,
Poeta-pintor,
Se não te vejo
Por fora,
Mesmo que te pinte
E te cante
Por dentro?

PARA NADA,
A não ser
Para celebrar
O futuro
De um passado
Que logo esmoreceu
Para nunca
Lá chegar,
Perder-se
Na rotina
Dos ecos
Silenciosos
Da alma,
Enganar-se
Com desencontros
Inventados,
Ir por aí
Sem saber
Pra onde vou,
Desaparecendo
Na montra
Dos meus inúteis
Passeios
Pela arte
Que desenterrei
Das vísceras
E de teus sofridos
Enleios,
Fazendo a minha 
Parte.

AO MENOS DANÇO
Em pas de deux
Com poemas
Desenhados,
Enredado
Nos mil fios
Da fértil
Fantasia
De um poeta
Que levita
Sobre escombros
 De um palco
Que nunca construiu
Sobre as pedras
Da sua poesia.

É A DANÇA
Da solidão,
Contigo
Suspensa
Nos fios
Da teia
Em que vou
Enredando
A minha vida,
Até tombar exausto,
Ao cair do pano
(E do poema)...
...........
Que tarda,
Sim, que tarda,
Para iludir
O derradeiro
Momento
De uma longa
E interminável
Despedida.
Jas_TeusOlhosPub042022_1.jpgRec

“Teus Olhos”. Detalhe

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