Artigo

UMA REVOLUÇÃO (ELEITORAL) EM ITÁLIA

A marcha da extrema-direita continua

Por João de Almeida Santos

Obelisco

“Roma”. JAS. o9-2022

O BLOCO DE DIREITA ganhou, em Itália, as eleições legislativas com maioria absoluta de mandatos quer na Câmara de Deputados quer no Senado (237/400 e 112/200). O primeiro partido foi “Fratelli d’Italia” (FdI, com 26%), de Giorgia Meloni, a líder, deputada, ex-ministra de um dos governos de Berlusconi, herdeira legítima de Alleanza Nazionale, de Gianfranco Fini, e do Movimento Sociale Italiano, de Giorgio Almirante. Ela criou, com Ignazio la Russa e Guido Crosetto, o partido FdI, em 2012, mantendo a “Fiamma Tricolore” do MSI, o herdeiro legítimo do fascismo italiano e do Partito Nazionale Fascista. Estamos conversados em relação à família política histórica do partido que verá a sua líder tornar-se a primeira mulher que ocupa a Presidência do Conselho italiana.

I.

ESTE RECENTE PARTIDO tinha obtido pouco mais de 4% nas eleições legislativas de 2018, mas conseguiu crescer rapidamente à custa da LEGA, de Matteo Salvini, um dos grandes perdedores nestas eleições, invertendo a posição. Salvini chegara a ter nas eleições europeias de 2019 cerca de 34%, 28 eurodeputados e mais de 9 milhões de votos, mas hoje está reduzido a 8,78%, acompanhado pelo partido de Berlusconi, Forza Italia, com 8,12%. Estes três partidos ( mais um outro pequeno partido) formaram a coligação pré-eleitoral vencedora destas eleições de 25 de Setembro e formarão um governo liderado por Giorgia Meloni, logo que os deputados tomem posse e estejam eleitas as lideranças dos dois ramos do Parlamento.

II.

O CENTRO-ESQUERDA, que foi para as eleições dividido, perdeu em mandatos (157 deputados e 79 senadores), mas, note-se, mantém, globalmente, no país, uma percentual maior do que a coligação de direita. Mas era já claro que os erros de Letta, o secretário do Partito Democratico (PD), relativamente à possibilidade de uma aliança pré-eleitoral com as outras forças de centro-esquerda (M5S, que obteve 15,55% e Azione-Italia Viva, que obteve 7,78%), seriam mortais. Com efeito, era claríssimo que os mandatos atribuídos (total global de 400 para a Câmara dos Deputados e de 200 para o Senado) através do sistema maioritário, uninominal numa só volta, seriam “abocanhados” pela aliança de direita, pela simples razão de que, na coligação, avançaria o candidato que estivesse em melhores condições de ganhar, o que não seria possível com um centro-esquerda desunido. Este sistema premeia as alianças e pune quem não as fizer. Com efeito, se olharmos para o mapa de Itália com as cores do vencedor no uninominal encontraremos um mapa quase todo pintado com as cores do bloco de direita. Falo de 147 mandatos para a Câmara dos Deputados e de 74 para o Senado, os que foram disputados em maioritário uninominal a uma volta: 121, na Câmara, e 59, no Senado, foram para a coligação de direita.

III.

VEJAMOS MAIS CONCRETAMENTE. O centro-esquerda desunido teve mais cerca de 1 milhão e meio de votos e mais de cinco pontos percentuais (13.858.030 e 49,35%) do que o bloco de direita (12.299.648 e 43,79%). A gravidade da desunião viu-se sobretudo nos círculos uninominais, onde a coligação de direita teve, para a Câmara dos Deputados, 121 mandatos e, para o Senado, 59 mandatos, ao passo que o centro-esquerda desunido teve apenas 22, para aquela, e 15 para este. Se pusermos lado a lado estes dois factores, número global de votos obtidos e mandatos obtidos no uninominal, poderemos ver a dimensão do erro do PD e, em geral, de toda a esquerda. Toda a gente sabia o que iria acontecer se o centro-esquerda fosse a eleições desunido com o actual sistema eleitoral (o Rosatellum) em vigor. Como disse, e muito bem, o filósofo e ex-presidente da Câmara de Veneza, Massimo Cacciari,

con questo sistema elettorale il centrosinistra è andato a giocare a briscola con le regole dello scopone. Era evidente che perdesse. Questo è un sistema elettorale che premia la coalizione”.

Em votos, o centro-esquerda desunido é maioritário; em mandatos, perdeu clamorosamente. O bloco de direita, mesmo com diferenças e em clara competição interna, foi mais inteligente e soube aliar-se eleitoralmente. O centro-esquerda preferiu o erro e o espírito de “quinta”. Perdeu clamorosamente. Mas não é tudo. Há também questões de identidade em todos os partidos do centro-esquerda, no PD, no M5S e na dupla Calenda-Renzi (líderes dos partidos unipessoais Azione e Italia Viva).

IV.

O QUE É QUE ACONTECEU, no essencial? O FdI – um partido que esteve sempre na oposição e que disso retirou vantagens, sobretudo na fase do governo Draghi – foi tirar votos à Liga de Salvini e também ao M5S (este tivera 32,6% nas eleições de 2018 e agora tem 15.55%), movimento que congregava eleitores de direita e de esquerda, afirmando-se como um movimento anti-sistema. A partir de 2018 (Governos com Salvini, Conte I, e com o PD, Conte II, e depois, com Draghi), deixando de ser um partido anti-sistema, foi caindo nas sondagens até aos cerca de 10%, tendo conseguido agora iniciar uma inversão de tendência com a nova liderança de Giuseppe Conte. Com Conte assumiu um perfil mais de esquerda, procurando de novo uma identidade de oposição, uma esquerda social centrada na representação dos excluídos e dos deserdados. Nestas eleições, afirmou-se significativamente no Mezzogiorno, uma região sempre economicamente deprimida. E estar na oposição explica também, em parte, o crescimento de Giorgia Meloni, que ficou fora do governo de unidade nacional liderado por Mario Draghi. E é isto mesmo que Matteo Salvini vem agora dizer para explicar a sua enorme queda eleitoral. Por outro lado, o Partido Democrático é um dos grandes perdedores, ficando-se em menos de 19% dos votos, ou seja, mantendo-se quase ao nível de 2018, mas agora perante um grande transvase de votos para a extrema-direita de Meloni, que então obtivera pouco mais de 4% (4,35%, se não erro).

V.

COMO PODEREMOS CARACTERIZAR GIORGIA MELONI e o seu partido? Ela é, de facto, a herdeira legítima do Movimento Sociale Italiano, inscrevendo-se na tradição que vai até ao Partito Nazionale Fascista, de Benito Mussolini. O símbolo de ligação directa ao Movimento Sociale Italiano, de Giorgio Almirante, é a “fiamma tricolore”. É soberanista, embora não seja contra a União Europeia, cantando, todavia, com garra, o hino da Europa dos “patriotas” e o da “soberania dos povos”. Ou seja, a União Europeia é tolerada apenas por razões de oportunidade, de pragmatismo político. O bloco europeu soberanista, representado sobretudo pela Polónia e pela Hungria, vê-se agora reforçado pela Itália e talvez também pela Suécia, quatro países que poderão vir a condicionar fortemente a orientação política da União. Assume-se como atlantista e não titubeia sobre a questão da Ucrânia. É ferozmente adversária, como, aliás, toda a direita radical, do politicamente correcto e das políticas identitárias, como se viu muito bem no discurso da Andaluzia, que transcrevo a seguir. Não aceita o “rendimento de cidadania”. E é adversária de algumas das conquistas civilizacionais que ocupam a agenda dos países desenvolvidos (por exemplo, a eutanásia). “È finita la pacchia”, disse durante a campanha eleitoral. “Pacchia”: facilitismo, festança, bodo aos pobres. É isto o que ela quer dizer. E di-lo em relação à Europa, esquecendo-se que Itália foi o país mais beneficiado com o PRR (mais de 200 mil milhões”, una pacchia”, diria eu), mas di-lo também em relação a Itália e às políticas sobre os direitos civis e sociais promovidos pelo centro-esquerda. Como ontem alguém dizia, numa televisão italiana: votem, depois fiquem em casa e deixem-nos governar com mão dura, para pôr a Itália na ordem. “È finita la pacchia”. Sobretudo em matéria de imigração, estreitamente associada (ou até reduzida) à questão da segurança: proteger as fronteiras, ou seja, bloquear a entrada de navios com imigrantes nos portos de Itália. Esta política já dera bons frutos eleitorais (e jurídicos) a Salvini. FdI integra plenamente o grupo de partidos de extrema-direita europeia, VOX, Rassemblement National, Fidesz, de Orbán, “Lei e Justiça”, de Kaczynski, e… o CHEGA. E quer introduzir um regime presidencial (eleição directa do Presidente da República), embora não se saiba bem em que termos. Vai aplicar (parcialmente) a “flat tax”. E così via

VI.

MAS VALE A PENA VER O QUE DISSE, em discurso directo, Giorgia Meloni num comício do VOX na Andaluzia, em Junho de 2022:

Ou se diz sim ou se diz não. Sim à família natural, não aos lobbies LGBT; sim à identidade sexual, não à ideologia de género; sim à cultura da vida, não ao abismo da morte; sim à universalidade da cruz, não à violência islamista; sim a fronteiras seguras, não à imigração massiva; sim ao trabalho dos nossos cidadãos (o público do VOX levanta-se em pé), não às finanças internacionais; sim à soberania dos povos, não aos burocratas de Bruxelas… e sim à nossa civilização e não aos que a querem destruir… viva a Europa dos patriotas” (transcrevi directamente do discurso oral)

Todo um programa a ler e a interpretar com atenção. São estes os princípios que a inspiram. O tom em que o disse não deixa margem para dúvidas. E talvez interesse mais reflectir sobre isto do que sobre o próprio programa eleitoral da coligação.

VII.

O GRANDE ERRO DO CENTRO-ESQUERDA: a sua fragmentação, gravemente prejudicial sobretudo nos círculos eleitorais maioritários uninominais a uma só volta. E o centro-esquerda de novo a derrapar, agora em Itália. Erros tácticos, mas também problemas de afirmação da sua identidade. Problema de tal dimensão que levaria Massimo Cacciari a dizer que o PD “è, insomma, un partito tutto da rifondare.” Por sua vez, o M5S, com a saída de Luigi di Maio, e a nova liderança de Giuseppe Conte, está em processo de refundação, apresentando-se hoje como um movimento de esquerda social, já muito distante daquele M5S que se dizia não ser de esquerda nem de direita, sendo um partido anti-sistema. Agora será, sim, um partido de oposição, mas a sua identidade estará mais claramente definida e assumida. Só não se sabe como a conjugará com o (novo) PD, a refundar. Ou como coexistirão estes dois partidos numa área política que parece sobrepor-se, afim. Com Conte, o M5S deixa de ser aquele partido digital, que foi concebido por Gianroberto Casaleggio (sobre este movimento veja-se o meu Ensaio “Mudança de Paradigma: a emergência da rede na política. Os casos italiano e chinês”, ResPublica/17, 2017, 51-78), para passar a ser um partido mais institucional, mais na linha dos partidos clássicos. Mas a verdade é que os clássicos partidos da alternância (da esquerda e da direita clássicas) estão em crise e o sistema de partidos está definitivamente fragmentado, requerendo hoje uma maior capacidade de diálogo político. Em Itália, ainda por cima, é costumeira a vontade de formar partidos unipessoais, o que acentua ainda mais a fragmentação do sistema de partidos. É o caso dos partidos Azione (de Calenda) e Italia Viva (de Renzi). Uma coisa é certa: à esquerda o que temos é uma situação algo caótica, não se vendo uma força central com capacidade de polarização, com uma identidade bem definida e programaticamente bem concreta nas matérias fundamentais, em condições de protagonizar um movimento progressista e de atrair ao seu projecto as outras formações políticas mais consistentes. O PD é todo para refundar e a competição pela liderança já começou. Letta, numa carta aos militantes, diz em que termos deverá ocorrer o Congresso Constituinte do novo PD, diz que estará em causa “l’identità, il profilo programmatico, il nome, il simbolo, le alleanze, l’organizzazione” do novo partido. O M5S de Conte está em fase de afirmação da sua nova identidade, depois da experiência de di Maio (que nem sequer conseguiu ser eleito) e da tutela cada vez mais longínqua de Beppe Grillo, “Il Garante”. Prevê-se uma fusão dos partidos Azione e Italia Viva e, por isso, aguarda-se uma redefinição de identidade. Agora, todos terão tempo para isso, pois o que se prevê é cinco anos de governo da direita radical. Os efeitos vão-se sentir em Itália e na União Europeia.

NOTA

O MINISTÉRIO DO INTERIOR já reconheceu vários erros na contagem de votos, incluído o erro relativo a Umberto Bossi, o histórico (ex-)líder da LEGA, que, afinal, foi eleito. Logo que terminada a recontagem darei aqui notícia, se for caso disso, ou seja, se alterar os dados que aqui apresentei e que foram obtidos no site do Ministério do Interior. Corriere della Serra, hoje (29.09): non c’è qualche partito che guadagna seggi e qualcun altro che ne perde. Il numero dei seggi distribuiti a livello nazionale a ciascun partito è rimasto invariato”. Ponto.

4 thoughts on “Artigo

  1. Venezia – Lido 28/09/2022
    Caro Joao,
    Ti segnalo che Bossi entra in Parlamento alla Camera perche’ il Viminale ha corretto oggi il risultato.
    Premesso che non ho votato la Meloni mi sento di dire che per testimonianza diretta ho constatato che:
    Il partito Fratelli d’Italia e’ stato premiato prima di tutto perche’, unico, ha
    realizzato un’opposizione corretta, coerente non da estrema al governo Draghi. Non ha mai offeso ne’ accusato il Pd d’essere estremista o comunista ma ha
    usato toni moderati, chiari e comprensibili.
    Il Pd ha da troppo tempo perso la sua identita’ popolare ed e’ diventato il partito dei “superiori” e con il distintivo “progressista” si e’ messo sulle spalle e in testa mantello e corona autoreferenziale autorizzandosi ad etichettare gli avversari come inaffidabili e (segno di estrema debolezza) ha portato all’estero la sua campagna denigratoria coinvolgendo l’UE, la Francia, la Germania e, da
    ultimo la Spagna.
    Gli italiani sono un popolo che ha generato l’Europa e che merita rispetto anche da parte del Pd che ha perso di vista la sua radice comunista e, invece di promuovere programmi e cause “sociali” s’e’ dedicato a sostenere quelle “civili” che, vista la
    situazione difficile in cui ci troviamo, non sono prioritarie per la maggior parte degli
    elettori.
    In questo invece si e’ distinta la Meloni che le ha poste con chiarezza nel suo programma e che, per reazione all’impostazione della sinistra, ha anche risvegliato
    nei piu’ l’orgoglio d’essere italiani.
    Lei ha rappresentato per chi l’ha votata la voglia di rivalsa di chi, dall’eliminazione “causa spread” dell’ultimo “premier eletto” Silvio Berlusconi, ha preso sonori schiaffi da esecutivi creati a tavolino e che al tavolino hanno mangiato senza mai invitare la
    gente del popolo.
    È la voglia di una nuova identità per l’Italia, che non sia legata alla tessera del Pd per lavorare o per avere la patente di democratici. Ed è anche l’avversione per i compagni, fuori dalla realtà e del tutto indifferenti ai problemi della gente che vive e che soffre, ma ancora non si è arresa. Perché non è insito in un Paese, le cui radici sono fortemente radicate nel cristianesimo, accettare che non esista una speranza.
    E a nulla sono valsi i tentativi di una sinistra italiana ed europea , vuota di contenuti, di delegittimarla, evocando lo spettro del fascismo e il pericolo per la democrazia in
    caso di vittoria della prima donna premier.
    La leader di FdI, d’altronde, ha mostrato un profilo diverso da quello che volevano affibiarle, su un piano comunicativo nuovo, scevro da paure e aggressività, in cui a cambiare non sono stati solo i toni, ma perfino il volume della voce. Pacata, armonica, con un ritmo più lento e incisivo: la Meloni ha smesso di trasmettere l’idea di volersi mangiare il mondo e ha fatto credere agli italiani di essere pronta a prendere le redini
    di un Paese allo sbando.
    Lei ha studiato da premier e si è presentata coerente, facendo il salto di qualità: dal populismo al popularismo. E il popolo, che fino a qual momento le aveva dato poco credito, l’ha apprezzata, perché lei non ha dato sfogo alla politica di pancia, ma ha
    presentato una sostanza che ha sorpreso anche i più scettici.
    Questo nuovo Governo avra’ vita difficile perche’ inizia tra mille difficolta’ ma sono sicuro che sara’ piu’ qualificato del precedente perche’ a parte Draghi non avra’ mezze figure come Di Maio che ci ha squalificati in giro per il mondo e che ha squalificato anche chi lo ha accettato e voluto: Draghi.
    Ciao Amico Mio
    Luigi

    • E ancora:
      “(Ho avuto) l’intenzione di cercare la positività della situazione.
      La sinistra politica e clientelare continua a diffondere pessimismo e discredito piena di rancore e ” vuota” di far play e di quella educazione politica che servirebbe x garantire un rilancio positivo per tutti gli italiani che vivono e sperano in un miglior futuro siano essi di destra-centro o sinistra poco importa.
      Importante che il PD prima di tutto accetti di perdere un po’ del suo potere clientelare diffuso per non perdere la sua dignità e così poter rigenerarsi in modo virtuoso.
      Buona giornata👋👋”

  2. Grazie, Luigi, per il tuo commento. Capisco le tue ragioni e le rispetto. Il centro-sinistra ha perso in modo palese, anche se nel paese è maggioritario, com circa 1 milione e mezzo di voti in più del centro-destra. Sono stati incapaci di dialogare tra loro e il sistema uninominale li ha penalizzati in modo molto chiaro e pesante. Oramai i partiti dell’alternanza hanno perso capacità di presa sull’elettorato, mas continuano a funzionare come se niente fosse cambiato. E questo è il risultato. Vedremo cosa accadrà con il governo della Meloni. Un forte abbraccio. João

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