A LIÇÃO ITALIANA
Por João de Almeida Santos

“S/Título”. JAS. 10-2022
TALVEZ O CASO ITALIANO mereça uma atenção especial. Não seria a primeira vez. E não só porque, na sua história, houve a originalidade da criação do fascismo. Ou porque foi também a única democracia europeia (não falo das autocracias que, entretanto, se mantinham) que permaneceu mais de quarenta anos bloqueada, sem alternância no poder, até à queda do Muro de Berlim. Houve sempre uma conventio ad excludendum relativa ao único partido de oposição (o PCI) com capacidade alternativa de governo que impedia a sua chegada ao poder. Isto, apesar de, em 1981, François Mitterrand ter engajado quatro ministros do PCF no poder (entre os quais Charles Fiterman), levando desse modo, e paradoxalmente (ou não), este partido ao desaparecimento da cena política francesa. Mas em Itália a situação manteve-se inalterada. Apesar do eurocomunismo e da liderança confiável de Enrico Berlinguer e de quem se lhe seguiu na liderança (Alessando Natta e Achille Occhetto). A Itália é uma grande democracia que viu o imenso património político e ideal acumulado do PCI desmoronar-se progressivamente a caminho da actual irrelevância do Partito Democratico. Trata-se de um país que é um poderio económico europeu e com um património histórico e cultural único. Um dos pilares da União Europeia. Um berço da Europa. Um país que conheço bem, onde vivi e trabalhei dez anos e sobre o qual escrevi centenas e centenas de páginas. Conheci muito de perto os meandros internos da política italiana pela proximidade que tive com vários dos seus mais altos representantes. Vivi por dentro a sua história política, mas também a sua história cultural. Mas hoje vejo-me confrontado com algo que julgava que nunca iria ver na minha vida: as mais altas posições do Estado estarem ocupadas pela direita radical, aquela cujo património nos leva directamente ao Movimento Sociale italiano (MSI), de Giorgio Almirante, e mesmo à Repubblica di Salò. Com efeito, o Senado é já hoje dirigido por Ignazio la Russa, um personagem que deu os seus primeiros passos políticos no MSI de Giorgio Almirante e que sempre me fez lembrar um episódio impressionante desse extraordinário filme de Bernardo Bertolucci, o “Novecento”. Por sua vez, Lorenzo Fontana, o novo Presidente da Câmara dos Deputados, da LEGA de Salvini, é um católico ultra, tradicionalista e alinhado, através do seu conselheiro espiritual Vilmar Pavesi, com as posições do famoso bispo Marcel Lefebvre (casou-se segundo o “rito tridentino”) e defensor acérrimo das idiossincrasias mais retrógradas; um homem que reza, diz-se, cinquenta avé-marias por dia e que enxameia as redes sociais com santos e santinhos. Nada de mal, mas algo que nos dá bem ideia do que será a gestão institucional de Itália. Amanhã, a defensora da “universalidade da cruz” e fundadora dos “Fratelli d’Italia”, Giorgia Meloni, será a Presidente do Conselho de Ministros. Seguir-se-á a ocupação de todos os cargos de nomeação por parte dos conservadores radicais. Não estaremos a caminho de uma teocracia nem do fascismo. Não. Mas lá que devemos estar atentos, lá isso devemos. Pelo caminho, até já tenho saudades dos tempos em que Itália era governada pela DC e pelo PCI (que nunca governou, mas que tinha, e exercia, muito peso político).
I.
MAS A VERDADE É QUE, no país, o bloco de direita é minoritário porque, à prova dos factos (eleitorais), teve menos um milhão e meio de votos do que o centro-esquerda. A sua vitória deveu-se sobretudo ao sistema maioritário uninominal, a uma só volta, aplicável a cerca de 37% do eleitorado, e à estupidez umbilical do centro-esquerda. Mas agora também acabamos de ver o partido de Berlusconi (excepto o próprio e a ex-Presidente do Senado Casellati) a não participar na votação de La Russa, que obteve, todavia, da oposição 17 votos. O que me dá algumas garantias. Se nem a oposição se preocupa, por que razão me hei-de preocupar eu? O governo está em formação e veremos se o programa de governo exprime aquele que foi o moderado programa eleitoral do bloco de direita ou se haverá alterações substanciais ao que foi apresentado aos eleitores. E, todavia, não creio mesmo que se possa dizer que o fascismo chegou a Itália, assim, com a reposição de algo que a democracia rejeitaria liminarmente, até porque ela ainda dispõe de mecanismos suficientemente robustos para isso. A chave de leitura do que virá aí, na minha perspectiva, não será essa. A história tem, claro, “corsi e ricorsi”, como dizia o Giambattista Vico. Mas os “ricorsi” não suficientes para fazer regressar Mussolini. E, de qualquer modo, nesta teoria a história progride sempre para novas fases. E até creio que, apesar de soberanistas (a LEGA e Fratelli d’Italia), nem sequer será a questão europeia (não esqueçamos que Itália é o país que leva a maior dotação do PRR, mais de 200 mil milhões de euros) a marcar a diferença ou a da guerra na Ucrânia. Neste último aspecto, Giorgia Meloni sempre foi clara. A “pacchia” pode ter acabado, mas 200 mil milhões são sempre 200 mil milhões. E, tenho a certeza, a Itália não é a Hungria, que, apesar de tudo, se mantém na União. Farão bloco, sim, “ma non troppo”. Disso também tenho a certeza. Por uma simples razão: Itália não fez parte do bloco das repúblicas socialistas, do Comecon ou do Pacto de Varsóvia. E isso fará alguma diferença.
II.
AS QUESTÕES INCONTORNÁVEIS serão, no meu entendimento, as da imigração e dos direitos civis. Mas a mudança ocorrerá também no plano mais global da hegemonia ético-política e cultural. Foram muitos os anos em que a direita mais radical esteve também sujeita a uma conventio ad excludendum. E em que sofreu uma capitis diminutio ideológica e política, para pagar o preço do “ventennio”. E outros tantos anos em que a hegemonia foi claramente do partido comunista italiano, incluído o campo cultural. A este propósito, veja-se os meus ensaios “La Cosa” e “A Revolução no Sistema Político Italiano e a Esquerda” na Revista “Finisterra” (5/1990 e 15/1994, pp.95-109 e 51-69), onde mostro como. Mas, depois, o que tivemos foram outros tantos anos em que a ideia de hegemonia, com a tecnicização progressiva da política e a financiarização global da economia, parece ter sido banida do vocabulário político, à esquerda e à direita. Só que, entretanto, ela parece estar a regressar em força, quer na óptica da direita mais radical quer na de uma esquerda fracturante que procura impor uma visão do mundo politicamente correcta. Uma matriz mais tradicionalista e outra mais construtivista. Duas visões antitéticas que nada devem à tradição iluminista e liberal. Ou seja, a hegemonia está a entrar pelos lados mais perigosos da história, pondo em causa a própria ideia de liberdade e a matriz da nossa própria civilização. O tradicionalismo e o construtivismo são, de facto, duas visões que tendem a anular uma parte substancial e progressiva da história que renasce com a Revolução Francesa. Esta dimensão da hegemonia, entretanto, tem vindo a ser ignorada pelo centro-esquerda que, em compensação, se está a deixar seduzir pelo militantismo do politicamente correcto, do construtivismo social e das políticas identitárias, acabando por não definir com exactidão aquela que deveria ser a sua própria colocação. Esta marcha tem ajudado à paralisia ideológica do centro-esquerda, que tem preferido, pelo contrário, embarcar acriticamente neste discurso, exibindo-o retoricamente como o discurso da nova esquerda, talvez porque, assim, não tem de propor um seu discurso próprio, progressista, sim, mas mais realista e respeitador da temporalidade histórica, ao mesmo tempo que também se alimenta do anacrónico discurso do militantismo antifascista, como se a história não fosse dotada dessa astúcia (List) da razão que se impõe à dialéctica das contingências ou das meras oportunidades. Alguma transcendência será possível encontrar na história, sem que ela tenha de ser referida necessariamente a deuses ou ao destino. Sim, mas a verdade é que o centro-esquerda sente-se muito bem aconchegado e resguardado num “politiquês” asséptica e programaticamente correcto e num manto discursivo diáfano transversal capaz de encadernar muito bem as políticas ao sabor das contingências, dos oportunos cálculos eleitorais e do ditame da razão económica global. Do que não se apercebe é que há uma cidadania que tem vindo a crescer ao lado destes discursos e que já não os absorve acriticamente, votando hoje cada vez mais em discursos com substância e clareza (seja ela de esquerda, França, por exemplo, seja ela de direita, Itália, por exemplo) ou, então abstendo-se.
Pois bem, o bloco de direita italiano somar-se-á aos da Hungria e da Polónia e tentará desenvolver mecanismos políticos internos que transformem a sua hegemonia eleitoral numa mundividência hegemónica. Ou seja, a questão central disputar-se-á no terreno da sociedade civil e, por isso, o centro-esquerda deve construir a sua própria e autónoma identidade ético-política e cultural de modo a que se possa contrapor com eficácia à visão tradicionalista, nacionalista e soberanista do bloco de direita, e no qual, de resto, a visão neoliberal é claramente minoritária (enquanto representada por Forza Italia). Sinceramente, não sei se a direita radical italiana será movida por essa pulsão hegemónica (ajudada pela crescente tendência mais global), se terá essa ambição, sem se deixar afogar nas ingentes tarefas governativas e pela gestão dos próprios interesses de curto alcance. Alguns já falam de uma revolução ou agenda “antropológica positiva” alternativa. Que ela tem condições para isso, é verdade, não só porque dispõe de doutrina, mas também porque é nela que tem vindo a sustentar o seu próprio crescimento político e eleitoral, designadamente no seu combate frontal à agenda dos apologistas do politicamente correcto e das políticas identitárias. No extremar de posições, designadamente no plano dos direitos civis, sente-se cada vez mais a falta de uma consistente e hegemónica visão progressista, moderada, respeitadora da temporalidade histórica e adversária quer do tradicionalismo ultra quer do construtivismo social e linguístico.
III.
E, TODAVIA, SE VIRMOS DE PERTO o panorama político do centro-esquerda italiano o horizonte é algo desolador. O PD é todo para reconstruir e redesenhar. É convicção generalizada que a mudança não pode esgotar-se numa simples mudança de dirigentes. Mas também é convicção generalizada que a operação não é simples. O Movimento5Stelle deverá, com Conte, consolidar uma sua identidade, que já não é a de um “partido digital”, a do defensor da democracia directa, a do neopopulismo que não é de esquerda nem de direita. Também este partido terá de se identificar melhor aos olhos dos italianos. Depois, vem o chamado terceiro polo de Calenda e Renzi. Mas aqui, com o imprevisível Renzi, é impossível prever o que possa vir a acontecer. Deste personagem pode-se esperar tudo e o contrário de tudo. A sua única estratégia é a da sobrevivência política, sem olhar a meios políticos ou morais. O seu modelo parece ser o do partido unipessoal. E por isso não é preciso ver mais para que a dúvida permanente se instale sob forma de certeza: não se pode confiar nele, porque se trata de um verdadeiro catavento.
IV.
O essencial discute-se aqui, talvez mesmo mais do que a perspectiva programática, uma dimensão para onde as forças de governo parece, cada vez mais, tendencialmente convergirem (todas elas), como se os governos fossem uma espécie de oráculo onde os vários sacerdotes se vão revezando nas liturgias, com os “deuses” a comandarem lá de longe, movendo os fios a seu bel-prazer, isto é, de acordo com os seus interesses e fins últimos. E sabemos bem que os partidos da alternância estão mesmo em crise, até nos casos em que ainda governam. De resto, os sistemas de partidos estão fragmentados por todo o lado e os seus discursos perderam poder mobilizador perante a cidadania. O asseptismo ideológico veio para ficar e só falta mesmo que os políticos passem a dizer, sistematicamente, sempre que haja uma decisão a tomar, que a entregarão aos técnicos da matéria em causa. Especialistas, técnicos, reguladores, tribunais constitucionais, grupos de missão, União Europeia – tudo serve para “descontaminar” a decisão da política. E por isso acho que a descolagem já é com a própria política, mais do que com os programas, de resto, cada vez mais tendencialmente iguais. A tendência é, de facto, a de mascarar a decisão política com a roupagem tecnocrática ou até científica, ou seja, a de retirar dimensão política à decisão. De resto, o bem-estar dos cidadãos parece ter sido mesmo reduzido a uma questão de gestão. A uma questão empresarial. Uma questão de racionalidade técnica. A determinação de fins, o funcionamento global da sociedade, os valores, o intangível, a educação estética do cidadão, a profundidade temporal (em relação ao passado e em relação ao futuro), tudo isso é redutível e convertível numa visão simplesmente empresarial da sociedade, quando, afinal, o que da experiência sabemos é que é precisamente o contrário o que acontece: a importação para dentro do universo empresarial das próprias categorias da vida social. Isto nas visões empresariais mais avançadas. Exemplo clássico? O fordismo. Veja-se o que dele disse Gramsci nos “Quaderni del Carcere”.
V.
A POLÍTICA MUDOU MESMO. Por um lado, os partidos da alternância tendem cada vez mais a despolitizar a decisão política, deixando que ela se exprima somente durante os períodos de deliberação política, sobretudo eleitorais. Por outro, cresce na cidadania a vontade de uma política diferente que não lhe é oferecida, a não ser pelos extremos do espectro partidário. Mas é disso que os partidos mainstream não se querem convencer. E sinceramente não sei como é que o Partito Democratico se vai reconstruir: que discurso, que identidade, que estratégia. E não sei se se porá a questão da hegemonia, ou seja, a procura de uma identificação com o que de melhor a Itália tem para oferecer em todas as dimensões da sua riquíssima história. A experiência ganhadora do M5S acabou. Esse já não é o partido de Conte. Casaleggio morreu. E Beppe Grillo já só pensa em si e nos benefícios que ainda pode conseguir da sua posição de “Garante”. O Luigi di Maio nem sequer foi eleito pela sua minúscula e recente formação política. Desapareceu. Como desapareceram politicamente os herdeiros de Casaleggio, a começar pelo filho. E quanto ao chamado “terzo polo” não vejo mesmo como é que se poderá aguentar com um saltimbanco como esse tal Matteo Renzi. Falta gravitas à política actual. E a cidadania cada vez se reconhece menos nela. Senão vejamos. Como acreditar, quando um dos parceiros do bloco de direita que venceu as eleições, precisamente Silvio Berlusconi, diz da futura Presidente do Conselho de Ministros: “Giorgia non ha disponibilità ai cambiamenti, è una con cui non si può andare d’accordo”. Mas, mais: ela é “supponente, prepotente, arrogante e ofensiva” e até “ridicola”, se a palavra não tivesse sido riscada. E Forza Italia é um partido necessário para garantir uma maioria de suporte do governo chefiado por Giorgia Meloni. Berlusconi sabe bem do que fala, pois ela foi sua ministra (da Juventude) num dos seus governos e não adianta que agora venha desmentir para levar a bom porto as suas operações ministeriais. E a LEGA? O famoso “Senatur” Bossi ainda mexe e muitos já falam do regresso da velha LEGA. E, para ser sincero, nem me parece que os 26% de Fratelli d’Italia estejam ancorados muito solidamente na sociedade italiana. Porque a falta de gravitas, na verdade, talvez seja mesmo transversal.
VI.
A CIDADANIA TAMBÉM MUDOU muito e hoje o cidadão pode saber tudo acerca de quem o representa e de quem o governa. Conhecer as vidas dos representantes e dos governantes. O sistema informativo, mesmo com essa enorme dimensão simulacral que o integra, cresceu brutalmente e isso veio alterar significativamente a percepção acerca da política. Já não é possível determinar instrumentalmente a estrutura da opinião pública como quando eram os grandes meios de comunicação, o outro lado do poder, a fazê-lo. Esta mudança implica uma mudança radical na forma como a cidadania olha para o poder. Mas é precisamente aqui que os partidos mainstream falham rotundamente ao não perceberem que a política deve ser abordada com outras categorias que não as que tem vindo a adoptar. Que deve restaurar a sua natureza originária, como governo de seres humanos e não de coisas. Olhar para o exemplo das religiões e do poder que elas exprimem. Olhar para o seu sucesso. Ou para os grandes desportos de massas. Numa palavra, olhar para a dimensão emocional da política, para aquilo que toca mais profundamente o ser humano, por um lado, humanizando-a e, por outro, tornando-a mais amiga da natureza. E não só para sobreviver fisicamente, mas também como reconhecimento de que o ser humano é também ele próprio natureza. As sociedades não são empresas porque nelas a presença do elemento emocional (e os sentimentos) é decisiva e deve ser considerada fundamental. O Max Weber falava criticamente de “gaiola de aço” para designar o sistema jurídico-racional que tendia a engavetar a realidade em fórmulas burocráticas e desumanas. Hoje temos “gaiolas electrónicas” e “gaiolas estatísticas” que engavetam a vida dos indivíduos. O Fernando Pessoa, no dizer de Richard Zenith, na sua monumental biografia do poeta, parece ter dito, em meados dos anos trinta, que Salazar era “demasiado técnico”, faltando-lhe “criatividade e calor humano”: “Para ele o país”, dizia o Pessoa, “não é a gente que nele vive, mas a estatística dessa gente”. E vivíamos num período conhecido como a época de ouro das ideologias. Imagine-se, pois, o que Pessoa não diria da política de hoje, com o eclipse das ideologias e o triunfo das visões tecnocráticas do mundo, da racionalidade global e da financiarização integral da economia. Mas é disto mesmo que se trata: a nova visão é a dos grandes números da macroeconomia, a única visão que os políticos do mainstream parece saberem proclamar. Não é assim tão difícil de perceber: esmague-se a cidadania com impostos e depois poderemos exibir resultados nas finanças públicas suficientes para todos abrirmos os olhos de espanto com tanta competência. Gasta-se demais? Tem de ser, porque são imperativos sistémicos. Esta parece ser a conversa principal dos partidos mainstream. Mas é por aqui que os extremos avançam ao proporem sociedades fundadas em valores, sejam eles os da “soi-disant” esquerda sejam eles os da mais tacanha tradição.
VII.
É CLARO QUE NÃO HÁ RECEITAS MÁGICAS. Mas também é claro que basta abrir os olhos para ver a crise da política e as tendências que começam a formar-se na sociedade civil e na opinião pública. O que aconteceu nos USA, com Trump, não parecia possível. O que está a acontecer no Brasil, com Bolsonaro, também não. O que aconteceu na Itália era realisticamente previsível, mas, ainda assim, não deixa de chocar e de impressionar. O que aconteceu na Suécia, também, com um partido radical como segundo partido, com cerca de 20%. O Alternative Fuer Deutschland sobe aos 13% e a CDU/CSU já se encontra a 10 pontos (com 30%) acima do SPD de Olaf Scholz (segundo uma recente sondagem da Allensbach para o Frankfurter Allgemeine) e com um consistente grupo parlamentar. O que está a acontecer na Hungria e na Polónia merece atenção redobrada. Isto para não falar de Espanha, onde o fenómeno VOX tem vindo a emergir com muita força, cifrando-se hoje o seu score eleitoral em cerca de 15% (na média de 10 sondagens entre 17/10 e 03/10; o que, somado com os 31, 58% do PP, permite atingir uma maioria absoluta à direita espanhola, mantendo-se o PSOE em cerca de 25%). Em França é o que se sabe, com a extrema-esquerda a ocupar o lugar do centro-esquerda e a extrema-direita sempre à espreita da Presidência da República e agora com um numeroso grupo parlamentar. Em Portugal algo se move neste sentido, ao mesmo tempo que o centro-esquerda adormece sobre uma concepção de política assente no movimento por inércia.
É também claro, como disse, que a direita italiana não tem uma posição muito estável, sobretudo se atendermos à posição de Forza Italia na eleição para o Presidente do Senado e ao juízo de Berlusconi sobre Giorgia Meloni. Ou também às movimentações internas na LEGA. Mas seguramente terá oportunidade para dar início a uma tentativa de hegemonização na sociedade italiana rompendo aquele que sempre foi tradicionalmente um espaço dominado pela esquerda, desde os tempos da esmagadora hegemonia do PCI. O suporte político já existe e certamente não perderá a oportunidade de se afirmar também nessa frente, logo a começar pela agenda “antropologicamente positiva”, sendo, todavia, certo que não há uma linearidade entre uma hegemonia político-eleitoral e uma hegemonia ético-política e cultural. Mas o que é certo é que a direita radical tem, neste domínio, um seu claro património consolidado, o que não acontece com o centro-esquerda, que terá de o reinventar, ao mesmo que tempo que terá também de se reinventar politicamente. A ver vamos.