ORIGEM
Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Onde Te Vejo”.
Original de minha autoria
para este Poema. Março de 2019.
Versão áudio do poema, pelo autor:

“Onde Te Vejo”. Jas. 03-2019
POEMA – “ORIGEM”
A SUA ARTE
Nasceu contigo,
Do mistério e do
Silêncio
Que te enchia a alma,
A transbordar...
NASCEU
De um inesperado
Encanto,
Da tristeza
Submissa,
Quase matricial,
Que o cativou.
O começo
De uma revelação
Que não tem fim...
Intemporal.
E ELE, CRIANÇA,
Fascinado
Pelo teu olhar
Profundo,
O teu ímpeto
Imparável,
Fúrias
Quentes,
Cabelos negros
Desgrenhados
À solta
Sobre um corpo
Incerto,
Seios generosos
Que anunciavam
O nascimento de um
Poeta...
NASCEU CONTIGO,
Sim,
No teu regaço,
O poeta,
Aninhado
Na incerteza,
Na bruma
densa
Do encantamento.
DEPOIS CRESCEU
E quis a perfeição,
Seduzir-te
De longe,
Através do vento
Que te soprava
Na alma
Atormentada,
Com palavras cálidas,
Mas tristes,
Ritmadas
À medida que te
Ia perdendo
No implacável
Tempo da renúncia.
ACOLHESTE
A tormenta
No dia-a-dia
(Eu sei),
Obsessão
Martelante,
Sofrida em palavras
Repetidas
E gastas
À exaustão
Até à fuga
Para o nada...
...................
Cheio de tudo
O que não pudeste
Ou não quiseste
Ter.
MAS LEVASTE
O poeta contigo
(E muito mais),
Grávida de palavras
Não ditas,
Olhares falhados,
Imperceptíveis
Sinais,
Silêncios gritados,
Quieta turbação,
Lava oprimida
No centro de um
Vulcão
Que te alimenta
E consome
Nessa tua inefável
Solidão!
E O POETA
Capturou-te
Dentro de si
Para te libertar
Com metódica
Persistência
Em poemas,
Nuvens
Cintilantes
Que espalha
No teu céu,
Sobre ti,
Para te refrescar
A alma
Incandescente.
E EU, SEU CONFIDENTE,
Vejo-te só,
A olhar
O céu da minha
Janela,
As nuvens brilhantes
Do poeta,
À espera
Da chuva
E dos trovões
Que anunciem
Raios de luz
Sobre o teu olhar...
E TU, ALI,
Pensativa,
Silenciosa,
Taciturna,
A rever nelas
Um passado
Que nunca existiu,
Porque tudo tiveste
E tudo se perdeu.
MAS O PASSADO,
Ah, o passado
Anuncia-se
Agora,
Na primavera,
Em metamorfose,
Como ressurgimento,
Cântico
À eternidade,
Onde um dia,
Na solidão do teu
Destino,
Te reconhecerás...
.................
Talvez com um
Sorriso
Um pouco triste!
Mas não será tarde
Demais
Porque é o tempo
Do reencontro.

“Onde te vejo”. Detalhe.
De novo um belo POEMA que denota uma mútua contaminação de um relacionamento passional (onírico e efabulado) com o nascimento de um POETA (“A SUA ARTE/Nasceu contigo,/Do mistério e do/Silêncio/ Que te enchia a alma,/A transbordar…”). A descodificação pessoana do “Poeta / é um fingidor” tem aqui uma expressão inequívoca a moldar mitologias poéticas atemporais. Se, em certos poemas anteriores de João de Almeida Santos (JAS), a mise en abîme era um eixo semântico-formal estruturante da arqueologia da composição poética, neste poema, em análise, há uma graciosa mise-en-scène, pontuada no devir temporal (nasceu/ cresceu; passado /presente; encontro/ausência/reencontro) e num espirituoso jeu de rôle. E porque? Porque o poeta envolve o leitor (e quiçá) a destinatária num reiterado jogo dicotómico e efabulatório:
“MAS LEVASTE
O poeta contigo
(E muito mais),
Grávida de palavras
Não ditas,
Olhares falhados,
Imperceptíveis
Sinais,
Silêncios gritados,
Quieta turbação,
Lava oprimida
No centro de um
Vulcão
Que te alimenta
E consome
Nessa tua inefável
Solidão!”
O uso da metaforização hiperbólica (lava/vulcão), de assonâncias ritmadas e rimadas, de aliterações (sinais/silêncios), de adjectivações oxímoras e anímicas (“Silêncios gritados”; “lava oprimida”,…) inscrevem este poema numa estilística e numa poética, apanágio do estilo de João de Almeida Santos.