Poesia-Pintura

O POETA E A DOR

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Janus”
Original de minha autoria.
Novembro de 2023.
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“Janus”. JAS. 11-2023

POEMA  - "O POETA E A DOR"
O POETA É UM REFÉM
Em permanente
Toada,
Ferve-lhe o sangue
Na alma,
Dor profunda,
Delicada,
Sempre igual,
Sempre diferente,
Ele vai fingindo
Que a sente...
............
Em palavras
Desenhada.

É INTENSA 
A toada
E é forte
O que sente
Ou é uma dor
Simulada?
O poeta
Nunca mente
Pois sua fala
É cifrada.

É DOR
Que ele finge
Poeticamente
Sentir
Para melhor
A dizer,
Para melhor
Seduzir
Ou é real evasão
Do que nele
Está cavado
Como autêntica
Prisão
Ou o preço 
De um pecado?

É REAL
Ou aparente?
É profunda
Essa dor
Que ele diz
Que sempre
Sente,
Muitas vezes
Por amor?

É SENTIR
De cada dia
Ou é ferida
Congelada?
De tudo
O que ele diz
O que sente
É quase nada?

NÃO, ELE SENTE
Em cada dia
Uma ferida
Sublimada
Em forma
De poesia
Que se torna
Cicatriz
Que nunca fica
Curada.
Fica-lhe a marca
No corpo
E na alma
Desenhada.

É ESTE O SEU DESTINO,
Fingir que sente
O que sente
Em fala
Que é cifrada,
É por isso
Que ele canta
Pra sentir
Que no seu canto
É a alma
Libertada.

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O QUE EU TE DISSE

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Musa em Flor”
Original de minha autoria.
Outubro de 2023.
JASMusa2023_2

“Musa em Flor”. JAS. 10-2023

POEMA – “O QUE EU TE DISSE”

DISSE-TE NUM DIA
De profunda
Melancolia:
- Voaria contigo
Para os confins
Do tempo
Montado
Num risco
Com asas azuis
Que voasse
Para lá das nuvens,
Onde escreveria
O teu nome
Com palavras
De um poema.

DISSE-TE QUE
Teus cabelos
São moldura,
São novelos
Desfiados
Que te cobrem
Esse rosto,
Colo abaixo,
E se alongam
Até mim
Como raízes
Do meu olhar.

CORPO DE MUSA
Em flor,
Subtil geometria
Para onde converge
O meu olhar
À procura
De infinito
Nos traços
Desse teu rosto
Velado.

ALI AO LADO
Desse jardim
Onde sempre
Renasces,
Vejo casas 
Alinhadas,
Ruas
Convergentes
Ao olhar,
Cores intensas
E dispersas
(Cores quentes)
Fontes,
Água,
Fugas,
Sempre fugas,
Em levitação,
Que anulam
As crispadas
Esquinas da vida
Com a beleza
De um risco
Traçado
Ou dito
Em silêncio.

VEJO-TE NUM FIO
De água,
Boca inundada
A transbordar
Dessa torrente
Líquida
Que cai
Em silêncio
De um pincel
Que tuas mãos
Deixam deslizar
Na brancura
De uma folha 
Virgem
Que o vento
Soprou
Para uma mesa
Nua,
Apenas beijada
Por esse raio 
De luz
Que te ilumina
E acende
A imaginação
(E que tanto
Me seduz).

AH, COMO GOSTARIA
De saltar
Para dentro
Dos teus desenhos,
Deslizar pelos
Teus dedos
E voar
À procura
Do que perdi
Ou nunca
Encontrei
E sentir
Essa leveza
Densa
Que nunca tive,
Mas sempre sonhei.

VESTIR-ME DE CORES,
Alinhar-me com
Traços dispersos
Para passear 
Contigo
Nas pupilas
Dos teus olhos,
Desenhando
O teu corpo
Como se escrevesse
Um poema...
.............
Com as cores
Da tua alma
Solitária.

AH, PUDESSE EU
Pintar-te
Com palavras,
Dizer-te em cores,
Abraçar-te
Agarrado
A um risco
Que saísse
Do meu olhar,
À procura
De ti,
No céu do desejo...

EU QUERO ALCANÇAR
Essa fronteira,
Deslizando
Por teus dedos
E evadir-me
Para esse novelo
Desfiado
Que envolve,
Como moldura,
O teu rosto
E o teu olhar
Sempre em fuga
Para o infinito...

JASMusa2023_2-cópia

Artigo

O OCIDENTE EM QUESTÃO

O Conflito no Médio Oriente

Por João de Almeida Santos

FCO 308 - Israel Travel Advice [WEB] Ed4

“S/Título”. JAS. 10-2023

O CONFLITO Israel-Palestina ganhou subitamente a atenção mundial, sobrepondo-se à devastadora e ilegítima guerra entre a Rússia e a Ucrânia, depois do acto de guerra do Hamas contra Israel e do sangrento massacre de populações israelianas, a que se seguiu uma violenta e mortífera resposta de Israel sobre a Faixa de Gaza. Se o objectivo do Hamas era esse, a guerra, conseguiu-o. Não se tratou de um acidente de percurso. Creio mesmo que este ataque bélico se inscreve num mais amplo movimento político mundial em curso.

1.

Tratou-se, de facto, de um inopinado acto de guerra. Um desafio bélico e sangrento ao poderoso Estado de Israel. E, como era previsível, Israel não deu a outra face e respondeu, atacando o Hamas na Faixa de Gaza e provocando inúmeras mortes na população civil. Danos colaterais inevitáveis pois o Hamas encontra-se confundido com a população civil, um autêntico escudo humano. Danos que, de resto, também aconteceram com o ataque, com milhares de rockets e mísseis, de sete de Outubro, mas a que se juntou, desejado e executado a frio, o enorme e cruel massacre de inocentes israelianos. E esta é uma diferença que tem de ser sublinhada. O mísseis mataram inocentes, de um lado e do outro, mas aqui foi uma matança individualizada, preparada e executada a frio, olhos nos olhos.

2.

Tratou-se de uma acção longamente programada e, portanto, de uma acção consciente e impiedosa, sabendo que o inimigo responderia de forma violenta. Estamos, pois, perante uma guerra desejada e racionalmente programada pelo Hamas.

3.

Esta crise é muito complexa e tem um historial de violência longo e difícil de compreender e resolver. Não se trata de reivindicar tradições territoriais milenares ou de saber quem tem mais direito a ocupar territórios, desde tempos imemoriais. E também nunca será demais lembrar as tentativas bélicas, promovidas por vários Estados árabes, de aniquilar o Estado de Israel, logo desde 1948. A história é conhecida. E a definição territorial está há muito definida: Israel, Faixa de Gaza, Cisjordânia. É aqui que se centra o problema, que reside no estabelecimento, ou não, de dois Estados nos actuais territórios tal como estabelecido pela ONU, em 1947. Pelo meio, há o problema dos colonatos com centenas de milhares de israelianos a ocupar o território da Cisjordânia, espaço de um suposto Estado governado pela Autoridade Nacional Palestiniana (ANP). Um novo Estado e a retirada dos colonatos israelianos – eis a questão. Da Faixa de Gaza há muito, em 2005, sob a batura de Sharon, que Israel se retirou. E há muito que a ANP foi derrotada e de lá expulsa pelo Hamas (2006-2007), que a governa. Em 2017 houve, no Egipto, a assinatura de um acordo global entre o Hamas (que controla a Faixa de Gaza) e a Fatah (que controla a parte árabe da Cisjornânia) com vista à promoção de um Estado palestiniano. Solução que, de resto, em 2000, já o trabalhista Ehud Barak propusera, como veremos.

4.

Há quem ponha a hipótese de um só Estado, binacional ou federal. Coisa algo difícil pois pôr-se-ia de imediato a possibilidade de vir a acontecer rapidamente a hegemonia política israeliana ou árabe (mais provável, porque os árabes já são em maior número) com as complexas consequências que daí poderiam advir. A conquista por via eleitoral do novo Estado e a regressão para um Estado étnico. Problema que é ainda o de hoje e que é da própria democracia, onde não pode haver distinção de condição étnica entre cidadãos de um mesmo Estado. Sabe-se o que aconteceu na Faixa de Gaza em 2007 com a ANP,  ou a Fatah, depois da vitória eleitoral do Hamas, em 2006. Esta é, pois, uma solução, que não tem pernas para andar. De resto, a discussão que se travou em Israel acerca da identidade hebraica e democrática do Estado foi condicionada precisamente pela ameaça de pressão demográfica árabe: daí a necessidade de assegurar uma maioria hebraica (Israele, Enciclopedia Treccani). Enquanto Israel ou o eventual futuro Estado palestiniano forem Estados étnicos e não Estados centrados numa constituição baseada nas Cartas de Princípios universais e onde se exija somente o chamado “Verfassungspatriotismus”, o “patriotismo constitucional”, para determinar a cidadania de todos, não será possível avançar nesta delicada solução. Só ela poderia garantir a convivência de duas nações num só Estado (veja-se o que a este propósito diz Tony Judt, em Quando os Factos Mudam, Lisboa, Edições 70, 2015, pág.s 132-133,162, 171). Mas, provavelmente, isso nunca acontecerá, pelas razões expostas.

5.

Há também quem considere que a existência de um Estado palestiniano, por exemplo Tony Judt, seria a melhor garantia para a estabilidade de Israel pois passaria a ter um Estado com quem estabelecer acordos de paz, e não só, acabando com o terrorismo. Mas subsiste o problema dos colonatos e de cerca de 450 mil israelianos que estão sediados na Cisjordânia (a que se juntam os de Jerusalém este), mas também a dimensão do território actualmente ocupado por Israel.

6.

Israel é governado por uma direita radical e tem problemas internos graves muito devido às políticas e às idiossincrasias de Benjamin Netanyahu e à influência dos radicais ortodoxos. Numa palavra, ao radicalismo de direita por ele (e por aqueles a quem se tem aliado) sempre representado. Os trabalhistas já não contam politicamente. Têm neste momento quatro deputados (em 120) na Knesset. E é muito claro que as forças representadas por Netanyahu, sempre activas a rasgar os acordos de Oslo, de 1993, têm gigantescas responsabilidades na evolução violenta do processo. Basta olhar um pouco para a história. De resto, foram elas que promoveram o Hamas (a política do quanto pior melhor) para enfraquecer a mais moderada ANP, com os resultados que se conhece. O objectivo foi sempre o de obstar à criação de um Estado palestiniano. É preciso lembrar que o trabalhista Ehud Barak, que, no partido trabalhista, sucedeu (1999-2003) a Shimon Peres e a Yitzhac Rabin (assassinado por um jovem fanático israeliano), viria a propor, em 2000, em Camp David, a criação de um Estado palestiniano com 73% do território da Cisjordânia (que em 25 anos evoluiria para 90%), 100% do território da Faixa de Gaza e  Jerusalém Este (Capital). Arafat não aceitou nem sequer avançou com uma sua proposta (veja Marco Travaglio, “Storia d’Israele”, I-V, em “Il Fatto Quotidiano”, de 14.10 a 19.10). Creio que se se olhar com atenção para todos estes factos não será difícil ver o outro lado da questão: a responsabilidade do Likud e dos ultras na radicalização do conflito. Do outro lado, dominam os radicais, perante uma ANP politicamente muito enfraquecida. Ou seja, as orientações políticas dominantes de ambos os lados não parecem favoráveis a uma solução pacífica do conflito e do direito de ambos os povos a um Estado. Depois, ao que parece, a diáspora israeliana também exibe tradicionalmente soluções políticas mais radicais, sendo menos sensível ao problema da violência e de uma segurança estável. É o que sugere o historiador judeu Tony Judt, na obra que citei. E do outro lado ainda é pior, pois o Hamas nem sequer reconhece o Estado de Israel (apesar de nas eleições de 2006 ter aceitado o princípio de “dois povos, dois Estados”) e os seus amigos, o Hezbollah do Líbano e sobretudo o amigo regime teocrático de Teheran, são inimigos figadais de Israel. Estas companhias não ajudam em nada a uma solução pacífica pois os padres do regime iraniano beijam as mãos manchadas de sangue dos militares do Hamas (declarações do Irão posteriores ao massacre de 7 de Outubro).

7.

Como dizia Tony Judt, há um problema de fundo que obsta a uma solução pacífica do conflito. E esse problema consiste na falta de confiança recíproca, condição essencial para que possa vingar uma solução diplomática (Judt, 2015: 172). Acresce que Israel está rodeado de Estado árabes, que na segunda metade do século XX mostraram querer exterminá-lo pela guerra, mantendo ainda com eles alguma tensão, apesar dos esforços diplomáticos que levaram à normalização das relações com alguns (designadamente com o Egipto e a Jordânia, com os quais mantém relações diplomáticas). Depois, é a própria situação interna de Israel que não ajuda, tendo em conta a sua extrema-direita e a quase inexistência de um centro-esquerda favorável à solução outrora avançada pelo partido trabalhista, numa lógica que custaria a vida a Rabin.

8.

Israel é a única democracia desta região. No território palestiniano não há eleições desde 2006, e este facto não é assunto menor. Mas também é verdade que as dificuldades da democracia israeliana, provocadas em grande parte pelos governos do actual primeiro-ministro, não têm ajudado sequer a uma estabilidade interna necessária, mesmo perante o exterior, e útil para tomar em séria consideração o problema da Palestina e da segurança regional em geral. Bem pelo contrário, a extrema-direita israeliana não se tem mostrado amiga de uma solução de paz e, pelos vistos, nem sequer de verdadeira segurança, como acaba de se verificar, preocupada que estava em prosseguir a política dos colonatos, investindo sobretudo nela a segurança e deixando desprotegida a fronteira com Gaza. E o que, além disso, se verificava é que o Hamas já estava a passar a uma fase de guerra, depois da fase do terrorismo. E isso quer dizer alguma coisa.

9.

Há Estados interessados em agudizar a instabilidade nesta região, a começar pelo Irão, mas não é de descartar que os países que hoje declaram o Ocidente e a matriz da Civilização Ocidental como o inimigo a abater constituam uma ampla frente que favorece este tipo de intervenções. A Rússia faz parte desta frente. Na Ucrânia é também isto que está em causa. A China, de forma mais subtil e sábia, também. O Irão também. Uma parte importante dos movimentos políticos ocidentais não se revê na matriz liberal e iluminista da modernidade. Por exemplo, a nova esquerda identitária. E a extrema-esquerda clássica. Por exemplo, o PCP.  E o Bloco de Esquerda. Há uma linha subtil que liga uma certa orientação de esquerda relativa à matriz moderna da civilização (a crítica feroz à democracia burguesa, ao capitalismo, ao actual capitalismo da vigilância, ao imperialismo, à globalização) aos movimentos mais radicalmente anti-ocidentais (no sentido da modernidade) que se estão a movimentar no plano nacional e no plano internacional. Por cá, basta ouvir os excessos da senhora Catarina Martins contra Israel ou ler a proposta facciosa de Resolução desta Esquerda (The Left) no Parlamento Europeu. A estes é necessário lembrar, por exemplo, que Israel, durante meio século, esteve sob ataque bélico cerrado de blocos de países árabes (Egipto, Síria, Iraque, Jordânia, por exemplo) com vista à sua destruição como Estado: 1948, 1967, 1973, 1981 (OLP), 1991 (Iraque).

10.

O iluminismo e a matriz liberal clássica da nossa civilização parecem constituir o horizonte crítico e comum em questão. É ler o filósofo inspirador de Putin, Aleksandr Dugin, para tirar todas as dúvidas.  Eles, iluminismo e liberalismo, são também o adversário da extrema-direita ocidental. Trata-se aqui de uma claríssima linha de demarcação que permite separar sem grande dificuldade os dois lados em confronto nas suas inúmeras variantes. Na verdade, nem há grandes novidades.

11.

O que hoje está já no topo da agenda política internacional é esta contraposição entre o Ocidente e todos aqueles que não aceitam a sua matriz civilizacional e política, que está, sim, inscrita na famosa “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de 1789. Tudo isto soa, de facto, a construção de uma alternativa ao velho bipolarismo entre democracia burguesa e socialismo de Estado, entre economia de mercado e economia de plano, contraposição outrora bem representada pelos Estados Unidos, de um lado, e pela União Soviética, do outro. Contraposição assumida pelos mesmos de sempre. Os que, criando novas terminologias, não deixam de dizer sempre o mesmo. Talvez este clima, esta atmosfera renovada, tenha animado o Hamas para uma acção bélica desta envergadura e tão intensa contra um adversário militarmente tão poderoso. Os Estados Unidos, a União Europeia, o Reino Unido e Israel estão claramente do lado da matriz liberal do Ocidente (mesmo com os desvios promovidos pelo senhor Netanyahu). E até nem será muito difícil e arriscado ver no bloco hoje representado pelos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), a que em Janeiro de 2024, sob convite da China, se juntarão a Arábia Saudita,  a Argentina, o Egipto, os Emirados Árabes Unidos, a Etiópia e o Irão, um novo bloco político, liderado pela China, tendente a reconstituir um novo bipolarismo substitutivo do antigo. Bem sei que é uma linha subtil com muitas nuances (por exemplo, a Índia condenou a acção do Hamas: “solidarizamos-nos com Israel”, terá dito o Primeiro-Ministro indiano – veja-se o artigo de Eva Borreguero, no “El País” de ontem, 24.10), mas é claro que se trata de uma frente crítica comum. Se quisesse simplificar (muito, mas com muitas nuances) poderia dizer que os Estados Unidos representam, para essa vasta frente, o símbolo a rejeitar.

12.

Entretanto, não se compreende o falhanço dos serviços de inteligência israelianos, a Mossad, e das suas forças armadas na prevenção de uma acção programada durante tanto tempo, ali mesmo ao lado. Já referi o desequilíbrio entre a atenção prestada à protecção dos colonatos e a prestada a sul, na fronteira com a Faixa de Gaza. E em Israel muitos já pedem a cabeça Netanyahu e dos responsáveis pela segurança de Israel. A verdade é que também ali há um problema de alternativa e de insistência no apoio eleitoral ao Likud.

13.

Alguém pode mesmo ser levado a pensar que o modo de resolver a crise por que o governo e o partido que o suporta, o Likud, estavam a passar seria o de um recrudescimento da ameaça externa (e não só aos colonatos), solução clássica sobretudo aplicada pelas ditaduras. Só que a violência e a natureza deste ataque alteraram de tal modo a situação que hoje, no meio da unidade nacional contra o Hamas, muitos já se levantam a pedir contas e reponsabilidades a Netanyahu pela tragédia. Esperemos que, de facto, haja um ajuste de contas eleitoral com esta direita, para depois de terminada a fase aguda do conflito. Israel bem precisa disso. E a Palestina também.

14.

Será muito difícil que algum dia haja negociações entre Israel e os radicais do Hamas, mas não será impossível que a Autoridade Nacional Palestiniana possa vir a ganhar importância política se ela for activa na busca de uma solução política para o conflito e sobretudo se conseguir que Israel, com um novo poder político, aceite, de uma vez por todas, a criação de um efectivo Estado palestiniano, retomando, por, exemplo, a proposta de Ehud Barak. Deste modo, a ressurreição da ANP poderá estar também nas mãos da política israeliana. Não do Likud, mas pelo menos de um (improvável) ressuscitado partido trabalhista (ainda que sob outra forma).  Caberia à ANP, depois, promover a integração política das forças mais radicais, como o Hamas, o que se apresenta possível sobretudo depois de assinados os acordos do Cairo, de 2017. A definição de uma clara estratégia para a paz fica agora também, e de forma muito significativa, nas mãos de Israel. Mas o problema deste confronto alargado e multipolar de civilizações, ou de visões do mundo, persiste, parecendo estar de volta um novo bipolarismo internacional. Uma nova guerra-fria, que teria, a oriente, uma nova liderança, a da China? JAS@10-2023

FCO 308 - Israel Travel Advice [WEB] Ed4

Poesia-Pintura

DISSERAM-ME, UM DIA…

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Timidez”
Original de minha autoria.
Outubro de 2023.
Timidez_10_2023Final

“Timidez”. JAS. 10-2023

POEMA - "DISSERAM-ME, UM DIA..."
DISSERAM-ME
Que te viram,
Sozinha
E melancólica,
Sentada
Numa pedra
De granito
Amarelo,
Luminosa de
Seus cristais,
À sombra
De uma figueira.
Disseram, sim,
Mas já nem sei,
Nem sei
Que mais...

DISSERAM-ME
Que te viram
Lá em cima
No Monte
Sagrado,
Como se tivesses
Perdido
Uma parte de ti
E a chorasses
Em solidão,
Invocando a bela
Athena,
A deusa
Que nos inspira
E nos leva
Pela mão.

E EU, ENTRISTECIDO,
Voltei
A imaginar-te
Projectada
Em mil rostos
Desenhados
A carvão
Ou em flores
De cor intensa,
Bem pintadas
A pastel,
Em planos de
Infinito
Desenhados
No papel.

IMAGINEI-TE
A vaguear
No tempo,
Nos confins
Da memória,
Movida
Pelos ventos
Tempestuosos
Da fantasia
Em busca
Da beleza
Que tens inscrita
Na alma
E que sempre
Me atraía.

MAS EU VI
O mundo
Desabar
Sobre teus
Ombros,
Rasgar a folha
Branca e macia
Onde desenhavas
O futuro 
Com mão certa
E maestria,
Estilhaçando
A ténue luz
Que te iluminava
De perto
O destino
E a tua
Quieta alegria.

NÃO DESTE CONTA,
Bem sei,
Mas agora
Sentes-te um pouco
Às escuras,
O sol do Monte
Esgueirou-se
Para outras paisagens,
A poente,
E, à noite,
A lua-cheia
Da praia 
Da meia-lua
Já só brilha
Intermitente...

NEM SEI COMO
Dizer-te,
Num poema
Ou num quadro
De minha autoria,
Que a arte vive
De liberdade,
Que nos desnuda
A alma
Com a luz
Que nos invade.

AGARRA, ENTÃO,
O vento
Que te sopra
Dentro na alma,
Desnuda-te
E voa com ele
Até ao infinito,
Reinventa-te
Em azul
E grita ao mundo,
Lá de cima,
A arte que levas
Dentro de ti,
Grávida
Dessa beleza
Onde um dia
Renasci.

AH, COMO GOSTARIA
De voar de novo
Contigo
Agarrado a palavras
Deslaçadas
Em mil fios
Coloridos,
Cansado que estou
De voar sempre
Sozinho,
Para não te perder
De vez
Nesta inóspita
Terra da arte
Com que, solitário,
Caminho...

Timidez_10_2023FinalRec

Artigo

O DESAFIO WOKE

Por João de Almeida Santos

2023WOKE

“S/Título”. JAS. 10-2023

NÃO É A PRIMEIRA VEZ que escrevo sobre esta ideologia, o wokismo, que ameaça tornar-se hegemónica, enquanto tal ou nalguns dos seus derivados, nos países ditos desenvolvidos. E já não é só nas Universidades dos Estados Unidos ou em França. É uma ideologia com muitas variantes que vão da teoria crítica da raça à ideologia de género, à teoria da interseccionalidade, às teorias identitárias, ao revisionismo histórico, ao politicamente correcto, à cultura do cancelamento e que se opõem, todas elas, radicalmente ao liberalismo, ao iluminismo, ao racionalismo, ao universalismo, à neutralidade e à objectividade da ciência. No livro que lançarei neste mês de Outubro, por ocasião do primeiro aniversário da minha actual Editora (ACA Edições), em formato e-book, dedico abundantes páginas a esta ideologia e aos seus derivados. Entretanto, tive oportunidade de ler um livro de Jean-François Braunstein, professor de filosofia na Sorbonne, sobre “A Religião Woke” (Lisboa, Guerra e Paz, 2023, 181 pág.s) que não só confirma o que escrevi, mas ainda descreve o fenómeno com mais radicalidade, mais dados e preocupação. Mas não é caso para menos, vista a influência que este movimento e seus derivados estão a ter para além dos muros da Universidade, nos Estados Unidos e em França, tendo já chegado às escolas primárias com a tentativa de influenciar e atrair os jovens para esta combativa e absurda ideologia. Não tão absurda que não tenha antecedentes na história da filosofia, como veremos, mas sobretudo pelo radicalismo e pelo primarismo das suas teses. Os casos relatados por Braunstein são imensos e dão conta dos castigos (despedimentos e vexame público) a que são submetidos os que ousam afirmar, por exemplo, que existem homens e mulheres e que isso é um facto biológico, que “o sexo biológico existe”  (2023: 53).

1.

Há duas ideias centrais da ideologia woke que são sublinhadas neste livro: a ideia de racismo sistémico; e a ideia de que género e sexo são duas coisas não só diferentes, mas mesmo desligadas.

A esta última ideia aplicam, recorrendo ao John L. Austin de “How to Do Things with Words”, a noção de performatividade da linguagem e dizem que basta dizer-se masculino, feminino, neutro ou algo mais para o ser com todas as suas consequências, designadamente em matéria de comportamento social, ou seja, de imposição social das próprias opções. No nascimento, o género é atribuído, não resultado de um processo natural. “Basta declarar ‘sou trans’ e, portanto, é-se trans. E, então ascendemos na lista progressista e ganhamos credibilidade nesta visão do mundo interseccional” (Heather Heying; Braunstein, 2023: 84 e 77). “Fluidez de género”- é a teoria, a libertação radical da escravidão do corpo, cada vez mais promovida pelo movimento transgénero (Braunstein, 2023: 78-82). Mas como o recém-nascido ainda não dispõe de linguagem deve-se manter um género neutro ou, como sugere Anne Fausto-Sterling, atribuir-lhe um sexo provisório, prescindindo do sexo com que nasceu, mas educando-o no sentido de uma posterior livre escolha da identidade de género ou sexual. “Tu é que decides o teu género”. A caminho daquilo que Braunstein identifica como “trans train” (2023: 71-72). Se dúvidas houvesse, bastaria ver o que diz Fausto-Sterling, em “Sexing the Body: Gender Politics and the Construction of Sexuality” (2000): existem pelo menos “cinco sexos”: os homens, as mulheres, os herms (hermafroditas « verdadeiros »), os merms (« pseudo-hermafroditas masculinos »), as ferms (« pseudo-hermafroditas femininas »). “A sexualidade é um facto somático criado por um efeito cultural”. Não é binário, o sexo, mas um continuum (veja a recensão ao livro, na tradução francesa, daquela autora por Anne-Claire Rebreyend: https://doi.org/10.4000/clio.11110; e Braunstein, 2023: 76).  Esta separação radical entre género e sexo ou corpo tem consequências: a desqualificação do mundo sensível e o regresso da velha teoria berkeleyana “esse est percipi”, ser é ser percebido. Faz-me também lembrar este curto e certeiro poema do beco, do grande Manuel Bandeira (1936):

“Que importa a paisagem, a Glória, 
a baía, a linha do horizonte? /
/ - O que eu vejo é o beco.”

O que conta é o que vejo com o desejo e o que, por consequência, declaro: o meu beco. Não há mundo, há becos por onde circulo, o meu mundo, que é o do meu desejo. Beco com sentido único. Raízes filosóficas da ideologia woke no solipsismo, portanto. Onde a natureza pôs um sexo, os wokes podem ver nele outro, dependendo da vontade e da linguagem performativa com que o enunciam. O problema não reside no desejo, mas na sua imposição social, na sua imperatividade social.

2.

O autor, referindo-se a John Money, encontra no behaviourismo de Watson uma das suas raízes de inspiração, o predomínio do adquirido sobre o inato: “dêem-me uma dúzia de crianças saudáveis”, diz Watson, “com boa constituição física e o tipo de mundo de que preciso para as educar, e eu empenhar-me-ei, escolhendo-as ao acaso, de as formar de modo a fazer delas especialistas, à minha escolha, médico, comerciante, jurista, e mesmo pedinte ou ladrão, independentemente dos seus talentos propensões, aptidões, bem como a profissão e a raça dos seus antepassados” (2023: 74). John Money foi o intérprete qualificado, radical e reconhecido desta releitura woke de Watson. O New York Times, traduzindo, explica: “Se dissermos a um rapaz que é uma rapariga e se o educarmos como uma mulher, ele irá comportar-se como uma mulher”; ou, mais especificamente, sobre a influência de Money nesta matéria: Money é para a história da sexualidade o que Hegel é para a história da filosofia e Einstein para o conceito de espaço-tempo (Beatriz Preciado; Braunstein, 2023: 74).   O wokismo radicaliza esta orientação e vai até à anulação da biologia como ciência: seria urgente, porque “a biologia enviesa-nos”, lançar as bases de uma “ ‘anti-biologia’ ginocêntrica, matriarcal ou homossexista”, diria o militante do género Thierry Hoquet, na obra Des sexes innombrables. Le genre à l’épreuve de la biologie” (Paris, Seuil, 2016; Braunstein, 2023: 140). O famoso biólogo de Stalin, Lyssenko, não diria melhor, ao lançar as bases biológicas do homem novo (a alteração estável da constituição hereditária dos organismos pela alteração das condições ambientais), desejado pelo ditador soviético. Ou mesmo para a relativização das ciências em geral e das suas categorias (por exemplo, a da objectividade e a da universalidade). Vejamos a posição sobre a matemática: “o objectivo seria ‘desmantelar o racismo no ensino da Matemática’ e promover mais geralmente ‘uma viragem sociopolítica em todos os aspectos da educação, incluindo a matemática” (Braunstein, 2023: 126). Ou a branquitude matricial da matemática e o seu racismo sistémico. É isso que eles defendem. Nada menos.

3.

Esta mundividência (se assim se pode dizer, visto o localismo que eles defendem) também usa uma linguagem não só performativa, mas também neutra, para que ela não fique dependente da visão binária do sexo ou do género e da correspondente linguagem. Por isso, intimam a que se use uma linguagem neutra  em linha com a nova liberdade da “fluidez de género” ou de sexo: “pessoas grávidas”, em vez de “mulheres grávidas”, “leite humano” ou “parental”, em vez de “leite materno”, “pessoas com vagina” ou “pessoas com útero”, em vez de mulheres, “pessoas que dão à luz”, em vez de mães. Um esforço enorme para “suprimir da linguagem tudo o que evoque a diferença dos sexos” (Braunstein, 2023: 93). A linguagem neutra, no fundo, reconhece a importância da linguagem tal como já acontecera com a invocação do seu poder performativo, condição da sua própria liberdade e do seu solipsismo. Reconhece-se com toda a evidência aqui também o incrível manual de boas práticas linguísticas da Universidade de Manchester.

4.

Há, todavia, um problema que a orientação transgénero e a teoria da “fluidez de género” ou de “sexo” levantam: as feministas não podem aceitar que o seu corpo seja assim relativizado e sejam obrigadas a “encarar como mulheres homens trans agora mulheres que, fisiologicamente, se mantêm homens” (Braunstein, 2023: 97). Ou, melhor ainda, mulheres lésbicas sujeitas a relacionar-se sexualmente com uma ladydick, aceitando que “um pénis pode ser um órgão sexual feminino” (Helen Joyce; Braunstein, 2023: 96). Há, pois, aqui um problema de assunção da identidade sexual e de eventual “profanação” do próprio território do desejo.

5.

A primeira ideia, ou seja, a do “racismo sistémico”, ou “racismo de atmosfera”, ou mesmo “racismo ambiental”, talvez seja ainda mais radical, mas algo contraditória com a segunda: o nascimento que determina a cor da pele marca o destino: nasceste branco serás eternamente racista porque ser branco é “por defeito” ser racista (Braunstein, 2023: 11-14). Não podes anular esta tua condição. Quando muito atenuá-la através do mecanismo do reconhecimento; ou, então, como diz I. X. Kendi: tudo o que o branco pode fazer é “lutar para ser menos branco”, pois, “ser menos branco é ser menos racialmente opressivo”. Ou até “matar o homem branco” (que há em nós), como já se viu ser dito entre nós, à boleia do grande Frantz Fanon de “Les Damnés de la Terre” (Paris, Maspero, 1961).  Como a doutrina da predestinação: ao nascer branco ficaste arredado do dom da graça e condenado a arrastar contigo pela vida o pecado original da branquitude. E, segundo alguns, a branquitude até tem uma doutrina letal: o “imaginário letal do humanismo iluminista europeu”. O que define muito bem, e de modo radical, a posição anti-iluminista e anti-liberal do wokismo.

6.

Mas estas duas orientações são contraditórias. Podes escolher livremente o teu género (e seres transgénero), libertares-te do determinismo físico que te impôs um certo sexo, mas não podes libertar-te da raça a que ficaste condenado por nascimento. A liberdade, no plano do género, que anula a determinação sexual biológica, a conviver com o determinismo racial, que anula a possibilidade de te autodeterminares relativamente à tua condição biológica racial. Não há aqui doutrina da interseccionalidade (a doutrina da convergência das múltiplas opressões) que as salve desta contradição lógica, ainda que formulada por uma brilhante aluna de Derrick Bell em Harvard e posteriormente professora na Columbia Law School e na UCLA, Kimberlé Crenshaw (2023: 128-139).

7.

Mas ambas as orientações convivem com uma orientação identitária, seja por livre adopção seja por determinação racial.  A filiação identitária (na raça ou no sexo desejado) é norma e é nela que o indivíduo se deve reconhecer. O wokismo não reconhece a universalidade porque tudo remete para identidades, subsistindo, pois, um problema de reconhecimento societário e respectivas instituições, a começar logo pelo contrato social e pelo Estado. O wokismo inscreve-se, assim, na tradição romântica anti-iluminista e anti-liberal (na lógica da rejeição), mas também na própria tradição marxista (na crítica do sistema representativo e do universalismo que lhe está associado, por exemplo, na crítica de Marx a Hegel, na Crítica da Filosofia Hegeliana do Direito Público, e na Questão Hebraica) que recusa e refuta esta tradição. O autor cita, a título de exemplo, à direita, Joseph de Maistre e Bonald. Mas o que acontece é que o wokismo não atinge a sofisticação destas teorias, revelando-se  absolutamente primário nas suas formulações. Até na crítica da ciência, a sua redução sociológica, e na proliferação da suas epistemologias (p. 146-163) esquecem a robusta tradição teórica da sociologia do conhecimento, em particular a sofisticada obra teórica do seu mais importante teórico, Karl Mannheim (sobre o assunto, veja-se o meu ensaio sobre a obra de Mannheim, publicado pela Revista Jurídica, “Mannheim e la sociologia della conoscenza”, Abril de 2001, n. 24, pp. 473-493). Ou seja, nesta ideologia wokista encontramos filões que já existiram no pensamento ocidental, mas de forma teoricamente muito mais robusta e aceitável do que esta nebulosa filosófica com aspecto religioso e em busca de hegemonia num mundo à deriva. E não só pelos dramáticos conflitos a que estamos a assistir, mas também pela grave crise de pensamento sobre as profundas mudanças que estão a ocorrer em todas as dimensões da vida social, a começar logo na política. Só assim se explica a cavalgada mundial que o wokismo está a fazer nas suas várias frentes de afirmação e a sua penetração já profunda nos partidos políticos de centro-esquerda e até de centro-direita e nas próprias instituições. E não só nos Estados Unidos, mas também na União Europeia, em particular na França (e em Espanha e Portugal). Quem tomou bem consciência do perigo de hegemonia desta ideologia foi a extrema-direita, tendo compreendido que no combate frontal a esta tendência poderá colher bons frutos eleitorais por compreender que a generalidade da cidadania não aceita esta mundividência pelo que ela tem de absurdo e de contra-tendência relativamente ao que foi a sua própria história, mas também pelos perigos que ela encerra na sua relação com os jovens de hoje e responsáveis políticos, culturais e empresariais de amanhã.

8.

Voltei ao assunto para aprofundar o que já escrevi e pus em livro, a lançar nos próximos dias em formato e-book. Ajudou-me a este regresso, agora, o livro do Professor Braunstein, em boa hora traduzido para português pela Guerra e Paz. Mas voltei também porque considero que é necessário dar atenção e sobretudo dar luta aos avanços do wokismo nos países ditos desenvolvidos, não só pelos perigos que encerra, mas também pela farsa de pensamento que representa. Em particular, os partidos sociais-democratas, hoje abundantemente infiltrados pelas várias frentes do wokismo, deveriam tomar consciência de que um dos seus fundamentos filosóficos e políticos (que os diferenciou do socialismo ortodoxo) está a ser, uma vez mais, minado por dentro, correndo-se o risco de um dia já ser tarde para preservar o que de melhor a modernidade nos legou. Termino com uma citação de Braunstein que deixa claro o que está realmente em causa: “Consideram que os racizados sabem, e só eles sabem, que os homens não são homens abstractos no sentido da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, declarada aliás culpada de não ter abolido a escravatura”. “O universalismo é portanto um inimigo a combater, como dizem, com grande unanimismo,  DiAngelo, Kendi e todos os outros militantes racialistas ou interseccionais. Estes subscreveriam de bom grado a fórmula do contra-revolucionário Joseph de Maistre: “Não há homem nenhum neste mundo. Vi, ao longo da minha vida, franceses italianos, russos, etc.; sei aliás, graças a Montesquieu, que podemos ser persas; mas quanto ao homem, declaro nunca o ter encontrado na vida; se existe, ignoro-o” (Braunstein, 2023: 164-165).

Sim, a Declaração de 1789 não acabou logo, na realidade, com a escravatura, é verdade. Mas acabou com o Antigo Regime e lançou as bases para o fim da escravatura. Nos seus princípios não há lugar para a escravatura ou para a opressão. Aliás, ela é o documento que define com um admirável rigor e uma extraordinária visão as bases da nossa própria civilização moderna. Em cerca de duas páginas e 17 princípios. No ano da Revolução Francesa.  JAS@10-2023

2023WOKEREC

Poesia-Pintura

COLISÃO

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Inspiração”.
Original de minha autoria.
Outubro de 2023.
Inspiração15_10_2023Final_5

“Inspiração”. JAS. 10-2023

POEMA – “COLISÃO”

NAQUELE DIA
Caíste em mim
Como meteorito,
Embate espectral
Neste meu chão,
Abriste
Sulco profundo
Na minha alma,
Mas não doeu,
Essa abrupta
Colisão.
Foi simplesmente
Fatal.

A VELOCIDADE
Cegou-me,
Um clarão,
Ondas e
Vibrações
Abanaram-me
As raízes
(É sempre assim),
Estremeci
E começou
Um bailado
Que nunca mais
Terá fim.

PROCUREI-TE
Nessa cratera
Cavada na minha
Alma
E, passada
A tempestade,
Vi fragmentos
De ti,
Minerais
Por lapidar...
............
Como dunas
Abandonadas
Ao vento
Aqui bem perto
Do mar.

NESSA CRATERA
Profunda
Encontrei
Um brilho
Estranho
Que me pôs
A levitar,
Luz intensa
E cintilante
Na linha
Do meu olhar.

NUNCA MAIS
De lá saí
E com mãos
De alma pura
Peguei
Subitamente
Em ti...

ESCALDAVAS
De brilho
Em profusão,
Mistério
De uma beleza
Diferente
Que nascia
Desta estranha
Colisão.

FIZ DE TI
A minha bola
De cristal,
Li nela
A história de um
Encanto
Que trespassou
Como raio
A minha fronteira
Vital.

LEIO-ME A ALMA
Na superfície
Dourada
Do teu corpo
Incandescente,
Em tímida
Exibição,
Que me ilumina
O olhar
E me domina
Por dentro
Em permanente
Tensão.

RASTO CÓSMICO,
Atracção fatal
Que me suspende
A vida
E me põe
A levitar,
Subindo sempre
Mais alto
Sobre paisagem
Lunar.

AH, SIM,
És razão de culto,
De arte,
Encantamento,
Deusa
Celebrada
Neste canto
Que criei,
Advento,
O meu chão,
Palavras
Cifradas
Que falam
Por mim
Com paixão,
Via mestra,
Via quente
Da mais bela
E, de todas,
A mais sofrida
Evasão.

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Artigo

NOTAS DE LEITURA

Lídia Jorge
"A Costa dos Murmúrios" e "Misericórdia"
(Impressões)

Por João de Almeida Santos

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“S/Título”. JAS. 10-2023

NOTA PRÉVIA. Habitualmente faço notas de leitura sobre os romances e poesias que leio. O objectivo não é a publicação. É um simples registo para ulteriores reflexões. Foi o que aconteceu com “A Costa dos Murmúrios”. Mas, quando li “Misaericórdia”, acabei por decidir publicar este artigo sobre as duas obras. São impressões subjectivas de um leitor, livres e sem pretensão de se apresentarem como recensão dos dois livros.

1.

Li o romance “A Costa dos Murmúrios” (2002), de Lídia Jorge. Sentimentos contraditórios: uma escrita de alto nível, mas com valor cognitivo de menor intensidade, em parte devido à colocação e à opção da escritora, não questionáveis, mas também, ou sobretudo, devido à própria natureza da composição, à construção literária da narrativa, à composição frásica – dança frenética e algo libertária das palavras. Um estilo que mantém em “Misericórdia” (2022), ainda que num registo não tão rico e num contexto mais definido, um lar da terceira idade, a que chamou “Hotel Paraíso”, título que já indicia um objecto literário lúgubre, porque alude àquilo que em italiano se indica com a palavra “trapasso”. “Il trapasso”, a passagem para o além.

2.

Para mim, a arte tem um alto valor cognitivo, embora não de natureza analítica. É uma relação diferente com o real, onde a forma tem elevada autonomia, valor próprio, expressividade estética autónoma. A arte é autopoiética, expande-se por dentro, como nos sistemas, mas nela há sempre (disso não tenho dúvidas), e aqui também há, um referente com dimensão ontológica, com valor existencial (claramente identificável). Até porque ela responde a um apelo interior, a uma exigência ou mesmo a um imperativo existencial, àquilo que os gregos designavam por pathos. No caso dos dois livros de Lídia Jorge isso acontece, porquanto representam duas realidades presentes intensamente na sua própria história pessoal, África (Moçambique) e sua Mãe, que lhe terá pedido que contasse esta história (a sua, a da Mãe, ficcionada). Se não houver pathos, na origem da obra de arte, o mais provável é que se fique no domínio do puro virtuosismo, da pura retórica estética. Que pode ser bela, mas não deixa de ser retórica. Da forma pela forma. Pecado mortal. O excesso de virtuosismo, exibido obsessivamente, estraga a obra. É aqui que bate o ponto. Talvez o pecado da escritora, que vence muitos prémios, seja precisamente este. Não sei.

3.

Foi uma leitura quase sem interrupção, esta, a de “A Costa dos Murmúrios”, mas com algum esforço, pela curiosidade em conhecer aquela que alguns consideram ser a sua melhor obra, e não tanto porque a força sedutora da narrativa me impedisse de parar. Pelo contrário, a leitura exigiu empenho, esforço e vontade. Como, de resto, acontece com as obras culturalmente exigentes. Neste caso, de linguisticamente exigentes. A escritora tem um domínio da língua notável e, neste livro, esforça-se por demonstrá-lo à exaustão, tratando-a com um imaginário linguístico exuberante, a ponto de frequentemente as proposições ficarem viradas para si próprias e sem densidade semântica, quase em registo de deslumbramento narcísico ou especular, auto-referenciais, não tendo, aparentemente, sentido ou significado visíveis. Poderia dar inúmeros exemplos, mas não vem ao caso.  Nem sinto que valha a pena. Talvez seja limitação minha. Além disso, o livro parece-me mais uma sequência ininterrupta de luminosos flashes, em linguagem intensiva e obsessivamente desenhada, inspirada no ambiente colonial da Beira no período em que a luta pela independência já começara em Mueda, no norte de Moçambique. O ambiente descrito, de retaguarda familiar da frente militar, tendo certamente referências reais, é descrito num plano elevado de evidente fantasia onde a linguagem usada para o efeito não conhece limites de ordem semântica ou, diria, de retórica estética, para não dizer de exibicionismo linguístico. É a história de um hotel destinado a futura ruína pós-colonial e de dois personagens, o jornalista e Evita/Eva, cuja história se dissolve nos intermináveis flashes e personagens (como Helena de Tróia) com que a autora tece e entretece a narrativa. Brava a desencantar nomes sugestivos. Até neste ambiente triste e de fim de ciclo do “Hotel Paraíso” – Dona Luísa de Lyon…

4.

Linguagem riquíssima, sem dúvida, mas ao serviço de uma neblina semântica excessiva e de uma história fragmentária e algo impressionista. Sim, impressionismo parece-me ser o termo certo para qualificar a textura de toda a narrativa. Trata-se, sim, de um ambiente colonial de retaguarda da guerra que a autora conheceu e viveu em primeira pessoa, com descrições paroxísticas que pintam de cores intensamente carregadas, e com traçado no limiar do fantástico, o real vivido e experienciado em primeira pessoa. É uma espécie de texto-aguarela, as palavras fluem e escorrem livremente quase libertas de uma qualquer semântica até encontrarem um traço-fronteira que as sustenha, para fixar a forma. Neste sentido, é uma bela obra. Escrita com a lógica mais do pincel do que da caneta. Há certamente muito de autobiográfico, metaforizado e filtrado pela neblina ou as cores carregadas de uma memória em fuga onírica. Ou mesmo de um deslumbramento linguístico auto-referencial. Daqui talvez a aparente nebulosidade do texto. O problema é que a linguagem intencionalmente rebuscada, combinada com um intenso impressionismo semântico nos deixa um pouco insatisfeitos quanto ao valor quer cognitivo, e até estético, da obra, por excesso de peso e de excessivo emaranhado linguístico. É uma obra que acrescenta peso (o gongorismo linguístico) ao já insustentável peso do viver, em vez de leveza.  A textura linguística pesa demasiado sobre uma trama um pouco incerta (é a palavra) e de incerto destino. Talvez a culpa seja do desejo de criar uma obra intensamente trabalhada do ponto de vista da linguagem como estratégia estética dominante, descurando a dimensão cognitiva, semântica, referencial.

5.

Estamos no domínio da arte, sim, e estamos numa arte onde o seu meio expressivo é a palavra, também, mas não é seguro que uma boa obra literária tenha que ficar encerrada em exercícios linguísticos rebuscados, em fuga do real e em direcção ao onírico, num certo gongorismo descolado do real, que descurem, por exemplo, a densidade existencial das personagens, a clareza da trama ou a evolução progressiva para um “gran finale”, que aqui não acontece, ou um regresso ao ponto de partida, que também não acontece. É um romance-aguarela, sim, mas sem a suavidade da tinta matizada pela água que flui numa folha branca de papel à procura de um risco que a trave.

6.

Um “gran finale” é o que em “Misericórdia” também não se encontra. Bem pelo contrário, o que se encontra é um final mal resolvido. Sim, é o que me parece, que me perdoe a autora. Não diria um “finalaccio”, como se diz em italiano, mas talvez um final apressado, apesar das (ou, então, não obstante as) 463 páginas. Mas aqui com regresso ao ponto de partida, sim, pois dá-se um reencontro com a noite, essa habitual frequentadora, saída das paredes do seu quarto, das noites da narradora, Alberti, e, ao que parece, fatal. Não se sabe bem. A noite parece simbolizar a morte, a ameaça permanente da morte que a visita e à qual ela vai resistindo como pode. E um dia quase ia cedendo. Mas sobreviveu.

O livro chama-se, sim, “Misericórdia”, mas nele tudo se encontra menos misericórdia, a não ser a filial compaixão (pelo menos, pelo destaque dado a sua Mãe na narrativa). Misericórdia disse eu quando acabei de ler este livro um tanto deprimente, que só não é totalmente triste porque as divagações da narradora em torno das personagens são literariamente ricas, a ponto de sermos tentados a ver na narradora uma identificação com a própria autora, sem distanciação, pois aquela, não se sabendo bem quem é e o que fazia na vida, tinha reflexões e fantasias de uma riqueza que só a autora, a filha, escritora, poderia ter. A Mãe é aqui uma clara projecção da filha, da imaginação da filha, ou seja, da autora. Não há diferença assinalável. Os seus diálogos sobre a literatura são um modo de a autora expor o que pensa da literatura: fazer amor com o universo. O problema: a Mãe é mais a filha do que a Mãe propriamente dita.  Falta a construção da diferença, sobretudo no exercício da imaginação. A Mãe não podia escrever e parte durante a acção, logo, é a filha/autora que, entrando-lhe literariamente na identidade, se converte nela e se transforma ela própria em narradora. Falta, na minha opinião, uma identidade claramente traçada da personagem principal que possa suportar a narrativa. Só por dedução, a partir do que diz, se pode lá chegar, ainda que insuficientemente. O imperador Adriano todos sabemos quem era (não digo por acaso). A sua Mãe, não. E Alberti ainda menos.

7.

“Hotel Paraíso”, um nome pouco misericordioso porque indicia que quem lá vive está já a caminho do além e com consciência disso mesmo. Trágico. O fim, sem retorno. E esse é o território onde tudo acontece. Com pessoas, demasiadas pessoas, sempre a partir e rapidamente, uns a seguir aos outros. Com a narradora, que tentou, sem o conseguir, antecipar, numa dura luta entre o seu corpo e a sua alma, a própria partida, a ver, impotente, os desenlaces. Acamados ou semi-acamados e muitos imigrantes a tratarem deles. Um rodopio entre os corredores e os quartos do Hotel. Passos que se ouvem nos corredores, figuras que entram e saem dos quartos como se tudo se passasse quase na clandestinidade. Um jogo de sombras. A acção a decorrer numa permanente penumbra.  Uns que se vão e outros que chegam. E episódios infantis e quase grotescos como animação. De velho se volta a menino, já se sabe. A sessão de fotografias que Alberti recusou perante um cruel fotógrafo que só registava o negativo, como já antes acontecera. Uma violência que Alberti, e bem, recusou. Um retrato impiedoso do que se passa nos lares. Isso é verdade. Em período de pré-Covid, que, chegado, haveria de acelerar as partidas, de acabar com o Hotel e… com o romance. O final dá-se em forma um tanto apressada e sem contexto que o prepare, a não ser a chegada do Covid. É um livro tristonho, próprio de uma narrativa sobre um lar de terceira idade, que procura pintar e ilustrar. Mais pintar do que descrever, a não ser pelo ambiente deprimente e deformado de um lar que mais parece um corredor da morte – Hotel Paraíso. Pelo meio, a autora vai exercitando a sua imaginação literária, com abundante riqueza de vocabulário, isso é verdade, confirmando o que já se vira, de forma muito mais intensa, em “A Costa dos Murmúrios”, mas sem grandes e profundas reflexões sobre a vida. Claro, pintar a vida num lar de terceira idade (que expressão estranha, esta; melhor em espanhol: los mayores) é já reflectir sobre a vida na sua etapa final. A vida é pintada na sua fase de decadência, a caminho do além, sobre personagens cujo perfil no essencial é pouco ou nada determinado. Identificam-se vagamente pelos episódios que acontecem e pelo modo como participam neles. A própria narradora tem esse perfil e mais parece identificar-se e esgotar-se nos exercícios criativos da autora, nos 78 fragmentos (o livro é uma composição de fragmentos referidos à vida no interior do lar). Não se apresenta ao leitor, a narradora.  Surge-nos num posto de observação privilegiado, que condiciona toda a narrativa sem exibir substantivamente uma distanciação relativamente à autora, a não ser nalgumas diferenças que exibe relativamente a ela. Toda a narrativa evolui em nebulosa, sem grande clareza analítica ou aprofundamentos – são episódios, quase flashes, que se sucedem uns aos outros, mas não numa lógica progressiva. Procede por fragmentos, por episódios. O livro até poderia ter o título de “Memórias de Alberti” (imaginadas pela filha), recordando-nos o Imperador Adriano pela pena de Marguerite Yourcenar (ver pág.s 41 e 110). Mas a Yourcenar é diferente – lidos os seus livros aumenta a dimensão do nosso conhecimento. A sua é matéria que não se identifica com as migalhas que caem da mesa da história ou de um lar. É só ler a “Obra ao Negro”, o ambiente em que florescem o hermetismo, a alquimia, os rosacruzes. O que não se encontra aqui é um desenho rigoroso do perfil das personagens. Nem sequer do da narradora, a senhora Alberti. É um livro um pouco deprimente, onde tudo está sujeito a decadência, a desilusão, a queda anímica e física, a desistência, a morte, aos episódios menores de vidas em clausura que tudo, o mais trivial, agigantam. Mas essa foi a opção da escritora, pelos vistos a pedido de sua Mãe, que terá vivido num lar, digo eu. As personagens vão desaparecendo abruptamente, levadas pela noite que tanto atormenta Alberti, desde o início do livro até ao fim, mesmo ao fim. Algumas personagens internas ficam suspensas na narrativa, mas pode-se imaginar que a Covid as tenha levado, a todas, sem excepção (excepto os colaboradores).

8.

Creio que a autora tenha querido desenvolver exercícios de imaginação a partir de um lar com dezenas de internos, mais do que entrar a fundo na psicologia e nas angústias existenciais das personagens, densificando-as. Pelo contrário, permanece no natural agigantamento de questões supérfluas devido à clausura e sobre as quais viajou a sua imaginação literária. As questões revelam-se à medida da identidade das personagens, bem como à da sua própria circunstância – a vida num Lar com o lúgubre nome de “Hotel Paraíso”.  Claro, há acenos a isso, através de exercícios de fantasia, mas para logo passar à frente.

Numa palavra, entra-se no livro e sai-se de lá tal como se entrou, somente um pouco mais deprimido e sem se ter retido em particular um personagem que nos atenha atraído. Mesmo a narradora, pois tudo é muito nebuloso, ficando até a sensação de que a autora se preocupa mais em divertir-se com as palavras do que em viajar com elas até ao fundo da alma humana. As palavras batem asas e voam para paragens oníricas. Compreendo. Estas personagens são menores, são migalhas do banquete da vida. Partindo de um ambiente fortemente realístico e existencialmente denso, o que, depois, acontece é uma dança de palavras (“a tristeza, com sua anca larga”, pág. 151) que obedece mais à música interior da autora do que à valsa da vida em circunstâncias de fronteira, ainda por cima em situação de perigo e de risco. Até me parece que a autora é vítima da sua própria fantasia – a sua força é também a sua fraqueza. Aqui, como já o fora em “A Costa dos Murmúrios”.

9.

Não sei se a narradora é a Mãe e a autora a filha e se o Hotel Paraíso é o lar em que a Mãe esteve a viver nos últimos anos de vida. Mas é plausível uma resposta afirmativa, até pelo que a autora diz na nota final (exterior à trama). Claro, o meu horizonte só pode, deve, ser o do livro.

Confesso que, mais uma vez, e isso já acontecera com “A Costa dos Murmúrios” (mas esse livro é muito melhor), terminei o romance (onde não há uma história de amor, mas tão-só uns aludidos fogachos sexuais da Dona Joaninha) com dificuldade, não só pela sua dimensão (463 páginas; para se lembrar que Baku é a capital do Azerbaijão, Dona Alberti leva 79 páginas, um excesso), como pela sua textura fragmentária, que, no essencial, evolui por episódios que valem por si e que não empurram o leitor para a frente. Claro, sempre no mesmo ambiente, com a mesma narradora e alguns outros personagens que povoam desde o início a narrativa (Lilimunde, Dona Joaninha, a Administradora Ana Noronha, por exemplo). Não digo que não haja matérias sérias em discussão: crítica violenta à televisão, uma conversa interessante sobre saber se se deve escrever sobre os que fazem História ou sobre os que vivem das migalhas daqueles (“eu não me sento à mesa dos que fazem a História”; “eu sou um cão da História” – pág.s. 113-117), o Brexit, até a Covid do Boris Johnson, uma alusão a Einstein. Ah, sim, mas, afinal, a filha autora também diz que faz amor com o universo (pág. 162), num estatuto que só pode ser  bem superior ao de um cão que vive das migalhas da história ou que se põe à escuta por baixo da mesa dos que a fazem. Mas a verdade é que só fazem amor com o universo os grandes, os que são capazes de o emprenhar, ou os que se dissolvem nele, como os ascetas.

10.

Sabe-se que o Hotel Paraíso é perto do mar. E fica em Portugal. Nada mais se sabe. O edifício não é descrito e a paisagem em que se inscreve também não. O Centro é a narradora, embora não se saiba o que fazia na vida (sobre o seu mundo ver, por exemplo, a pág. 170), mas mesmo essa mais parece a voz da autora projectada na Mãe do que uma concreta personagem. Sim, acho que sim, embora a senhora Alberti se materialize no gosto pelas flores e cheiros, sobretudo ao da recorrente bergamota (pág.s 121-122; 132), o perfume da Lilimunde. Coisa concreta, portanto. A bergamota como projecção do olfacto e do gosto de Dona Alberti. A maior parte dos episódios é, no seu conteúdo, banal. Por exemplo, o das formigas. Os comportamentos das personagens são expostos sem grande preocupação de ir ao fundo com uma caracterização que não seja superficial – o que foram na vida (mas nem sequer a da personagem principal) ou umas características físicas, por exemplo, a cor dos lábios do senhor Sargento João Almeida ou o que haveria de ficar na eterna memória de Dona Alberti por este lhe ter escrito um banal bilhete a dizer que tinha tudo o que lhe servia no telemóvel e que mandasse sempre. Uma extraordinária história de amor (pág. 156) que atormentou a senhora, mas na qual é difícil entender a fixação da Dona Alberti e o pavor de perder o bilhete do sargento. Não sei, porque em situações de clausura forçada tudo se agiganta. Até um banal bilhete de cortesia. Mas, aqui, parece-me que são agigantamentos em demasia.

11.

Tudo isto são impressões. Não académicas. Muito centradas no que eu entendo ser a arte. No que são as minhas expectativas quando leio um romance, uma poesia, ouço uma peça. musical ou vejo um bailado. Por exemplo, não gosto de bailados em que os bailarinos se arrojam pelo chão. A dança é levitação, leveza, rapidez, exactidão. Na literatura valorizo o conteúdo, a informação e não somente a beleza formal, o virtuosismo linguístico. É claro que a arte é beleza formal, talvez mesmo antes de ser comunicação sobre o essencial da natureza humana, mas o que distingue a grande literatura, o romance ou a poesia, é a viagem ao mais profundo e universal do ser humano, a densidade das personagens e a riqueza dos contextos em que se movem, em que ocorre a acção. Aqui, em “Misericórdia”, a densidade da narrativa é induzida pelo ambiente em que decorre a acção: “Hotel Paraíso” – hotel, aqui, paraíso, no além. Lugar de passagem e fronteira. Precisamente: “trapasso”.

12.

É minha convicção profunda que quando acabamos de ler um romance devemos sentir que ficámos mais ricos do quando entrámos nele, sendo também certo que isso ganha em intensidade com a beleza da forma, a precisão da linguagem e a sua leveza. E nisto revejo-me na proposta do Italo Calvino das “Lições Americanas”: visibilidade, rapidez, leveza, multiplicidade, exactidão e consistência. São estas as categorias que gosto de reconhecer num romance ou numa poesia. Não falou, no livro a que me refiro, do valor da categoria consistência, que, todavia, estava prevista. Eu vejo neste valor precisamente a centralidade do valor cognitivo da narrativa e a densidade das personagens. Beleza formal, sim, imprescindível numa obra de arte, mas também relação densa com o real: consistência.

13.

Nas duas obras esta última característica está claramente subordinada à primeira, mas não sei se essa é uma característica idiossincrática da autora, porque só conheço estas suas duas obras.

14.

Esta reflexão é simplesmente uma consideração pessoal que não aspira a ser demonstrada numa tese de doutoramento ou perante referees encartados. É simplesmente uma expressão de liberdade na dialéctica e no intercâmbio culturais de quem também se arriscou a entrar, como produtor, em vários campos da arte (romance, poesia, pintura; esta última também aqui a exerci, propondo um perfil da autora) para além da sua própria área intelectual de conforto e profissional. Essa, naturalmente, muito mais vasta. JAS@10-2023

LJorgePict2Rec

Poesia-Pintura

POR UM SORRISO…

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Sorriso”. 
Original de minha autoria.
Outubro de 2023.
ALorga10_2023

“Sorriso”. JAS. 10-2023

POEMA – “POR UM SORRISO…”

SE O TIVESSE
Comigo,
O mundo,
Trocava-o
Por um sorriso,
Pela ternura
Do teu olhar,
Esses teus olhos
Negros
Onde me perco...
...........
A navegar.

MAS É CERTO
Que os não terei,
Foi promessa
Para a vida,
Promessa
De despedida...
............
Eu bem sei.

NÃO IMPORTA,
Também o mundo
Não é meu
Para to oferecer,
É grande demais
Para mim,
Pra tão fugaz
Acontecer
Na travessia
Do tempo que flui
E não tem fim.

AH, MAS POSSO
Dar-te o mundo
Do meu olhar,
A incandescer,
E os frutos
Da minha arte,
A renascer,
Recriar-te
Em ausência,
Como diz
A Yourcenar...
................
E então ficarás
Mais bela
Do que tu mesma,
A olhar...
............
E a sorrir,
Num desenho
De palavras
Onde te posso
Esculpir.

MAS ESSE SORRISO
E esse olhar
Fugidio
Que exibes
Numa rua deserta
Da minha vida
Não os terei
Pra te poder
Contemplar
E te ter
Como só eu sei...
...........
E por isso
Te pinto
E te canto
Pra comigo 
Te levar
Como sempre
Desejei.

GANHO-TE
Em fantasia,
Este modo
De te ter
Cada noite em
Cada dia,
À medida
Do desejo,
Em festa,
Epifania...
.............
É, assim,
Que te revejo.

ALorga10CorRec

Artigo

CAUSA PÚBLICA

Desafios à Esquerda

Por João de Almeida Santos

Euro3

“S/Título”. JAS. 10-2023. Frase de Cícero no “De Re Publica”

FOI CRIADA UMA ASSOCIAÇÃO de reflexão política, de esquerda, designada como “Causa Pública”, presidida por Paulo Pedroso e que integra muitos protagonistas da política nacional, designadamente deputados, ex-deputados e ex-governantes. Há uns meses fora aprovado o seu Manifesto, onde se identificava: “A Causa Pública é uma associação de cidadãs e cidadãos empenhados na construção de novos caminhos para Portugal”, sendo os seus valores fundamentais “a defesa do bem-comum, a democracia, a igualdade e a sustentabilidade”. Noto, de imediato, um significativo esquecimento: o do valor liberdade. Mas, em duas páginas, também noto que não se esqueceram de se referir diferenciadamente, seis vezes, aos dois géneros. Por exemplo, assim: “As e os associados da Causa Pública”. Matéria de reflexão, logo para começar. Mas, na verdade, considero interessante e útil que se constitua uma associação de pensamento político estratégico e de esquerda, visto que o pensamento político anda, por aqui, muito a reboque (quase exclusivamente) do politicamente correcto e seus derivados. O que se espera, pois, é que esta associação não seja mais do mesmo. Disso já temos que chegue, até demais. Entretanto, estão lá alguns deputados do PS, como Pedro Delgado Alves e Isabel Moreira, e até seus ex-governantes, como Alexandra Leitão, o próprio Paulo Pedroso e o meu amigo José Reis, ou mesmo ex-deputados como Miguel Vale de Almeida ou Ana Drago, ex-deputada do BE. O Manifesto pouco ou nada diz, mas também não seria possível dizer muito em duas páginas. De qualquer modo, gostaria de fazer alguns comentários ao pouco que é dito, ou melhor, sobretudo acerca do que não é dito, até porque, lido criticamente nessa óptica, é possível avaliar de forma mais certeira esta iniciativa. 

1.

Antes de mais, parece-me que entre os seus valores fundamentais deveria constar a liberdade. Mas não consta. Será lapso? Esquerda sem liberdade é o quê? Esquerda com liberdade é liberal? A verdade é que a liberdade e a igualdade são os dois valores essenciais da esquerda e o equilíbrio e harmonia entre eles sempre foi o que diferenciou a esquerda democrática do neoliberalismo e da ortodoxia marxista, do igualitarismo e da liberdade selvagem. Esta falha parece-me, pois, grave. Por isso, espero que seja simplesmente um lapso (mas não um lapsus calami, no sentido psicanalítico). Depois, essa insistência em contrariar a vetusta e sexista gramática, diferenciando repetidamente, ou mesmo obsessivamente, os dois géneros, parece-me ser um sinal pouco animador. No mínimo, parece-me ridícula a frase já referida: “As e os associados da Causa Pública” (“os associados” já inclui o masculino e o feminino, porque está lá por todos). E todos é todos, todos, todos, como se diz agora, depois da visita do Papa. Seis vezes, sim… mas falta lá o neutro.

2.

Depois, a ideia de que “o foco excessivo dos partidos nas suas dinâmicas internas” limita a produção de pensamento não me parece muito certeira, pela seguinte razão: tendo os partidos o monopólio da representação política nacional e, por consequência, sendo eles que fornecem os principais quadros para a gestão política do país, o foco sobre a sua vida interna deveria ser, não reduzido, mas  intensificado, sobretudo em relação aos seus processos internos de selecção da classe dirigente, que são absolutamente decisivos para a boa gestão política de um país, precisamente da Causa (e da Coisa) Pública. Não é difícil perceber isto. O que não compreendo é que Paulo Pedroso venha, entretanto, anunciar que a associação não quer “interferir no xadrez político”. Mas, então, para que serve a associação se o que determina a Causa (e a Coisa) Pública é precisamente o “xadrez político”?   

3.

Também constato que não há uma palavra sobre o mundo digital, que hoje se tornou decisivo em todas as frentes da vida na sociedade actual. E certamente que os subscritores do Manifesto leram o livro da Shoshana Zuboff sobre o chamado “Capitalismo da Vigilância”… Este tema deveria, pois, merecer uma atenção muito especial devido aos efeitos que o digital e a rede vieram produzir sobre a identidade do cidadão na “digital and network society” ou na “algorithmic society”, por exemplo, na sua relação com os processos eleitorais, atendendo às capacidades tecnológicas de determinação preditiva do comportamento eleitoral e ao novo Marketing 4.0, do senhor Philip Kotler. A relevância desta questão é enorme, pois trata-se do processo de acesso democrático ao poder e da sua própria legitimidade. Basta pensar no Brexit e na eleição do Senhor Trump. E no eficaz uso das TIC pela extrema-direita.

4.

E parece-me até um pouco perturbadora essa vontade “de ir além dos caminhos já conhecidos”. Não será necessário tanto, digo eu, pois a humanidade há séculos ou milénios que procura as melhores formas de autogoverno. Bastaria, mais prosaicamente, centrar-se num bem conhecido caminho, o da democracia representativa, e melhorá-lo, dando resposta à famosa crise da representação no quadro da democracia. Na verdade, e ao contrário do que vulgarmente se diz, a democracia representativa ainda é muito jovem, por duas razões: a) só depois da segunda guerra mundial ela ficou garantida na sua plenitude (com a expansão do sufrágio universal, embora ainda com a limitação do bipolarismo ideológico, político e económico que se instalou com a formação dos dois blocos; por exemplo, o bloqueamento da democracia italiana durante mais de quarenta anos a isso se deve – a famosa conventio ad excludendum); b) a democracia representativa é um sistema muito exigente e difícil de alcançar porque pressupõe a plena consciência dos indivíduos em todos os planos da vida social como condição para a assunção de uma plena responsabilidade logo no acto do voto (sobre isto veja o artigo de ontem de Pedro Norton, “Asfixia Democrática?”, no “Público”, p. 7). O princípio equivale ao do imperativo categórico kantiano: “age como se a máxima da tua vontade pudesse valer sempre e ao mesmo tempo como princípio de uma legislação universal”. Neste aspecto, não é preciso inventar, mas somente desenvolver o princípio no sentido de uma autêntica democracia deliberativa, investindo na qualificação e na intervenção de uma cidadania activa no processo político.

5.

Também não vi no manifesto uma menção relativa a uma questão absolutamente decisiva, mas hoje muito esquecida pela esquerda: quais as fronteiras da acção do Estado perante uma cidadania de múltiplas pertenças e com poderosos e quase ilimitados instrumentos de informação e de intervenção no espaço público? Um exemplo: é inaceitável a ideia, que se tem vindo a impor sobretudo em períodos de crise, de um Estado-Caritas substitutivo do Estado Social. A eficácia do Estado Social é hoje um problema a resolver politicamente, mas não através da prática esmoler. Depois, ligada precisamente à definição das fronteiras do Estado, está a política fiscal: quanto maiores forem as competências e a responsabilidade do Estado maior será a carga fiscal. A clarificação desta questão tem, pois, implicações directas na política fiscal, como se compreende. E ainda: quem deverá pagar impostos? Todos (ainda que alguns só simbolicamente) ou somente uma parte (em Portugal em 5 milhões e 400 mil agregados só 3 milhões pagam IRS)? Trata-se de questões centrais da política nacional que merecem uma reflexão analítica muito clara, em vez dos habituais fumos ideológicos e da retórica caritativa.

6.

Mas, e a propósito, também se torna necessário acabar com os discursos nebulosos da esquerda acerca da função do mercado e da regulação? E a ser feita, esta clarificação, ela deve ter consequências. Não se reduzir a um faz-de-conta, para boa consciência do progressismo regulador, como se vê em Portugal. Por exemplo, com o preço dos combustíveis, com os juros ou com os preços das telecomunicações, onde se verifica um descarado cartel. O problema do mercado cruza-se directamente com a determinação das fronteiras do Estado, sendo certo que o comando administrativo da sociedade ou o Estado mínimo sempre foram combatidos pela esquerda democrática. Pois bem, compete-lhe então esclarecer onde ficam as fronteiras da intervenção do Estado e as da intervenção do mercado, acabando de vez com a política-catavento. Em palavras simples, cumpre definir com rigor onde começa a responsabilidade individual e onde termina a responsabilidade da comunidade. E eu, a este propósito, pergunto sobre o que pensam os associados da “Causa Pública” da frase de John Kennedy, no “Inaugural Address”, em 20.01.1961: “Ask not what your country can do for you – ask what you can do for your country”.

7.

Na mesma linha está a questão da gestão da dívida pública. É aceitável que o Estado se ponha alegremente nas mãos dos credores internacionais (e dos bancos), a que se junta o domínio total das três famosas agências de rating (que detêm a quase totalidade do mercado de rating, e que são controladas pelos especuladores), “borrifando-se” literalmente para os recursos financeiros derivados da poupança nacional, como aconteceu recentemente com os Certificados de Aforro, ainda por cima por um governo do Partido Socialista? Percebe-se bem o problema pensando, por exemplo, nas imposições da Troika. E nas consequências da avaliação das agências. Mas percebe-se ainda melhor se pensarmos que 28% dos juros da poupança nacional revertem sempre a favor do Estado (imposto sobre capitais) e que eles são reintroduzidos na economia nacional, ao contrário do que acontece no caso dos credores internacionais (nem uma coisa nem a outra, designadamente porque estão isentos de imposto). E este é, a meu ver, um ponto muito elucidativo sobre a orientação política global de um governo e de um partido. Ser amigo do contribuinte que é, ao mesmo tempo, aforrador.

8.

Outra, ainda, é a da eficácia da máquina do Estado (que não seja só para cobrar impostos e taxas) sobre a qual os governos se têm mostrado completamente ausentes, desde que não seja para punir o cidadão. É só perguntar ao MAI quanto recebe por mês do seu Banco “privado”, a ANSR (no mês de Setembro do corrente ano, esta encaixou cerca de 7 milhões de euros de multas… para garantir a segurança rodoviária, sim, mas sobretudo a dos cofres do Estado). A eficiência do Estado é um pilar essencial da democracia representativa e dos direitos e responsabilidades da cidadania. Não pode é ser uma espécie de Estado sniper financeiro.

9.

Depois, a questão da mobilização da cidadania para além do quadro partidário, à semelhança do que acontece com as grandes plataformas digitais, como a MoveOn.Org ou a Meetup, por exemplo. Nos Estados Unidos, aquela primeira plataforma foi muito importante para a eleição de Barack Obama, para a defesa do Obamacare ou para os resultados apreciáveis de Bernie Sanders nas primárias democratas. Em Itália a plataforma Meetup deu origem ao MoVimento5Stelle. As insuficiências da democracia representativa e do sistemas de partido não só se resolvem “por dentro” como também se resolvem “por fora”, ou seja, promovendo canais de intervenção da cidadania fora do quadro tradicional da intermediação política e comunicacional. Esta associação bem poderia ter tido a pretensão de se constituir como uma plataforma de pensamento e acção política complementar ao sistema de partidos. Mas para isso não deveria inibir-se de “interferir no xadrez político”, tornando-se politicamente inconsequente. Pelo contrário, uma intervenção competente poderia ajudar os partidos a ultrapassar essas formas morbosas de endogamia e de fractura em relação à sociedade civil.

10.

E, já agora, também não teria sido descabido deixar uma palavra sobre a União Europeia e o seu futuro – por exemplo, acerca da manutenção da linha intergovernamental ou a sua constitucionalização -, hoje componente decisiva das próprias políticas nacionais dos Estado-Membros e tão importante como desejável reguladora da política internacional, cada vez mais influenciada por potências autoritárias e belicosas. 

11.

Poderia continuar, mas não é o caso, para me ater a uma dimensão equivalente à do Manifesto. Na verdade, o Manifesto pouco ou nada acrescenta, a não ser a confirmação de genéricos e estereotípicos temas e da habitual linguagem politicamente correcta. Na verdade, vejo ali sinais de uma orientação que parece estar subordinada excessivamente a esse ambiente tóxico do politicamente correcto e seus derivados. A presença de certos personagens não dá lugar a dúvidas. Com todo o respeito, claro. Mas o que diz o PS? Já não digo António Costa, mas, por exemplo, Pedro Nuno Santos? Manter um prudente silêncio será a melhor política para fazer política? Não será tarefa inútil, e nem sequer difícil, ver com muita atenção o perfil dos personagens que subscrevem o Manifesto e que integram a associação “Causa Pública”. Essa verificação já a fiz, mas não quero pronunciar-me sobre eles. Fico-me pelas ideias e pelo não dito do Manifesto. Mas, adiante, que se faz tarde: venham daí boas propostas, que até pode ser que aqui se inicie o processo de um autêntico despertar da esquerda… JAS@10-2023

Euro3Rec

Poesia-Pintura

RAPSÓDIA

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Teus Olhos”.
Original de minha autoria.
Outubro de 2023.

TeusOlhos2023_01_10

“Teus Olhos”. JAS. 10-2023

POEMA – “RAPSÓDIA”

SIM, EU CANTO
Esses teus olhos,
A luz,
O brilho,
A cor,
Translúcida
Como mel.
O pintor,
Que é poeta,
Desenhou-os
Com um secreto
Pincel
Que era, sim...
...........
Uma caneta.

É VERDADE,
Palavras
Leva-as
O vento,
Mas, banhadas
Pela cor
Desses teus olhos
Tão belos,
São sedutor
Chamamento.

AGUARELA
De palavras,
Quero dizer,
Galeria
De um rosto só.
Este pintor 
Que é poeta
Deixa mensagem
Discreta
Pra desatar
O seu nó...

TUA BOCA
Não é púrpura,
Ao rubro,
Como eu
Sempre a quis,
Da cor
Dessa paixão
Em intensa
Combustão
Que do amor
É motriz.

HÁ VIDRO FRIO
Que da minha
A separa...
Mas se murmurar
O teu nome
Essa tela
Que é poema
Transforma-se
Logo em ara
Onde a chama
Se consome.

E CRESCEM
Flores
A teus pés...
Pintei-as
De todas as cores
Que encontrei
No Jardim,
Anunciam
Novos aromas
E outros tantos
Sabores
Pintados todos
Por mim.

EU CANTO A LUZ
Dos teus olhos
Com palavras
E com cor,
Porque é esta
A melodia
Que tu conheces
Melhor...

TeusOlhos2023_10Rec