Poesia Pintura

DESPEDIDA

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração - “Rosas”
Original de minha autoria
Janeiro de 2022
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“Rosas”. Jas. 01-2022

POEMA – “DESPEDIDA”

NUM CERTO DIA
(Banal)
Acordei
De um sonho
E lembrei-me
Logo de ti.
Só então eu
Pude ver
(Como no sonho)
Que o teu rosto
Perdeu brilho
E que já
Nem me sorri.

ESSE TEMPO
É passado
Que o tempo
Resolveu.
Aquele que agora
Te evoca
É outro,
Já não sou eu.

NÃO QUERO
Ver-te
Nem ouvir
A tua voz,
Entre mim
E o teu rosto
Já não encontro
Um nós.

AGORA
(E mesmo em sonho),
Teu perfil
Não me fascina
E o olhar
Já não me brilha,
Tudo em ti
Sabe a passado
E nada me diz
Do futuro,
Vejo tempo
Sem raízes
(É destino,
O meu fado?)
No qual já não
Me depuro.

VÊS COMO A VIDA
Vai direita
Por linhas tortas
Seguindo?
Vês
Como o canto
Fortalece?
Saio de ti
Lentamente
Para que o tempo
Resolva
O que num sonho
Acontece.

FICAM TÃO-SÓ
Alguns versos
A marcar
O meu passado,
Registos
Da caminhada
Que num sonho
Fui fazendo
Sem nunca te ter
A meu lado.

MAS O TEMPO
É escultor,
Lapida
As nossas vidas
Deixando apenas
Sinais
Pra que não fiquem
Perdidas.

AH, ESQUEÇO-TE,
Mas não te perco,
Perdi-te,
Mas não t’esqueço,
Lembro-te,
Mas não te quero,
Revejo-te,
Não reconheço,
É mundo
Que já partiu,
Não se pode lá voltar
A não ser com
Um poema
Para com arte
O fechar.
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“Rosas”. Detalhe

Artigo

PARA QUE SERVE O VOTO?

Por João de Almeida Santos

Ballot box

“Democracia”. Jas. 01-2022

NÃO, O VOTO não se destina a saber quem é o primeiro-ministro ou a composição do governo. Dizer isso significa memorizar o Parlamento e o valor político dos deputados. E contraria a natureza do sistema representativo.  Não, o voto destina-se a eleger os  230 deputados que representarão a Nação e não o círculo eleitoral por onde são eleitos. Lembram-se do orçamento limiano? Pois é isso mesmo: o mandato é nacional e não para resolver os problemas do círculo eleitoral por onde o deputado foi eleito.  O critério para a escolha não deve consistir em saber se esse candidato defenderá os interesses do seu círculo eleitoral, mas, sim, se será um bom defensor do interesse geral, agindo exclusivamente de acordo com a ética pública. Também não se destina a votar em programas porque o deputado não leva consigo um caderno de encargos, mas tão-só a sua consciência, a sua competência, a sua ética (pública) e a sua independência:

"Les représentants nommés 
dans les départements, 
ne seront pas représentants 
d'un département particulier, 
mais de la Nation entière, 
et il ne pourra leur 
être donné aucun mandat" 
(Art. 7, Secção III, Cap. I, 
Título III da Constituição 
francesa de 1791).

Em poucas palavras, está aqui caracterizado com rigor o sistema representativo, na sua forma originária. Os deputados não representam o respectivo círculo eleitoral, mas toda a nação, e não são portadores de vínculo de mandato, de um concreto caderno de encargos que os vincule. Se assim fosse o mandato seria imperativo. E não é. Schumpeter explica isso muito bem na sua obra de 1942. Os programas eleitorais são simplesmente indicadores de intenções. Não se vota sobre o que há a decidir, mas sobre quem vai decidir. O que conta verdadeiramente é a qualidade do candidato e, naturalmente, a área política em que se inscreve, porque isso o identifica melhor. Nada mais.  Quanto à área em que se inscrevem (socialistas, liberais, democratas cristãos, comunistas…) também esta é indicativa porque ela delimita somente uma área de pertença, um espaço de colocação política e ideológica, antes muito importante, quando o que contava, no essencial, era o voto por “sentimento de pertença”, mas hoje menos importante porque o nível de informação passou a ser tão importante (ou mesmo mais) como a pertença ideológica.

Ou seja, a escolha eleitoral deve ser pautada pela convergência de três variáveis: o rosto/identidade do candidato, a área de pertença e as propostas programáticas em relação ao todo nacional. Mas a decisão é exclusivamente sobre a titularidade plena do mandato (esta lógica vê-se funcionar com maior clareza nos sistemas maioritários uninominais em duas voltas), que pertence exclusivamente ao deputado (e não aos eleitores ou, muito menos, aos directórios partidários).

SENTIMENTO DE PERTENÇA E INFORMAÇÃO

DURANTE UMA BOA PARTE DO SÉCULO XX a escolha efectuava-se por sentimento de pertença a uma comunidade político-ideal representada por um partido político. Os meios de comunicação eram escassos e pouco difundidos e a literacia, em particular a literacia política, era diminuta. Estava a acabar o voto censitário, pela introdução do sufrágio universal, e tornara-se necessário expandir os meios de comunicação devido a um aumento gigantesco no acesso ao direito de voto. As ideologias estavam no seu apogeu (sobretudo no período entre-guerras) e as massas estavam a entrar na cena política. Neste período, a participação política era ainda dominada quase exclusivamente por uma opção de natureza ideológica e comunitária. Só na segunda metade do século XX, sobretudo com a entrada da televisão na cena política, começa a expandir-se a informação, tornando-a uma variável em crescimento, que seria exponencial. Até hoje, mas agora ainda mais reforçada pela entrada em cena das redes sociais. Julgo não errar dizendo que, sobretudo a partir dos anos noventa, a informação veio ocupar uma parte importante na decisão político-eleitoral, roubando terreno ao sentimento de pertença. Até porque a cidadania tem vindo a conhecer uma profunda transformação na sua identidade, ocupando as TICs um papel muito relevante neste processo. Hoje todos nós andamos com um pequeno computador no bolso que permite aceder de forma imediata a um gigantesco mundo de informação (e também de desinformação).

NOVA CIDADANIA

ESTE FACTO deveria levar a classe política a reflectir com mais atenção sobre o processo político e a alterar mecanismos que já não correspondem a um real profundamente transformado. Um boletim de voto com uma sigla partidária simplifica, sem dúvida, mas indicia, em primeira leitura, a primazia da pertença ideológica e comunitária sobre a informação analítica e sobre os candidatos apesar de já estarmos perante uma cidadania que dispõe de instrumentos altamente sofisticados e eficazes para obter informação imediata sobre todo o processo político, podendo assim modular o seu voto de acordo com outros critérios que não o do sentimento de pertença. Até porque outra das mudanças já verificadas reside na própria complexificação da identidade de um cidadão que pode exibir, ao mesmo tempo, várias pertenças (políticas, culturais, civilizacionais) que, naturalmente, se não for um partido chiclete, um determinado partido não está em condições de representar, levando a que o cidadão liberte o seu voto para opções que são mais informadas do que animadas por afinidades ideológicas. Isso vê-se com mais clareza nas eleições autárquicas.

POLÍTICA DELIBERATIVA

NÃO FOI POR ACASO que nasceu uma tendência que é conhecida como política deliberativa e como democracia deliberativa. E não falo das propostas parcelares que têm vindo a ser feitas, por exemplo, os deliberative polls, de James Fishkin, ou outras fórmulas de enriquecimento do processo decisional. Falo na valorização global do processo informativo e deliberativo para efeitos políticos. Falo na esfera pública como esfera pública deliberativa e na introdução obrigatória do processo deliberativo nas grandes decisões que irão ser tomadas pelos detentores do poder formal, melhorando, assim, a qualidade da decisão e a sua transparência. E falo também da necessária metabolização política deste processo no quadro de uma saudável ética pública que incorpore naturalmente a ética da convicção e a ética da responsabilidade. Este processo supera em muito um certo organicismo que continua a ser dominante nos agentes políticos tradicionais, individuais e colectivos, e que acaba sempre por gerar dinâmicas endogâmicas.

FINALMENTE, O VOTO

ASSIM SENDO, o voto da cidadania deveria ser determinado, no essencial, pelas duas componentes acima referidas, pelo sentimento comunitário de pertença e pela informação acerca do processo político, valorizando, naturalmente os agentes que mais respeitem a ética pública (harmonia entre convicção e responsabilidade), que melhores ofertas deliberativas ofereçam ao longo dos mandatos (em regime de permanent campaigning) ou das suas prestações públicas e que melhor desempenhem a função de representação política da cidadania (e não corporativa). Naturalmente que as posições sobre questões decisivas para a sociedade (sobretudo sobre a política fiscal, o Estado social, a eficácia nas funções do Estado, o modelo de desenvolvimento proposto, a política científica, a política para a justiça, a posição sobre a União Europeia) deverão constituir também um importante critério de escolha. Critérios que valem por si e que devem ser reflexivamente conjugados para uma decisão fundamentada e racional acerca da escolha dos representantes, mas que não são redutíveis ao velho e já gasto agitar de bandeirolas que sabem mais a século XIX do que a século XXI. É com base nestes critérios (conjugados) que eu próprio votarei no próximo Domingo. #Jas@01-2022

Ballot box

“Democracia”. Detalhe

Poesia-Pintura

DUAS HORAS

Poema de João de Almeida Santos
Ilustração: “Jardim”
Original de minha autoria
Janeiro de 2022
Jardim2022

“Jardim”. Jas. 01-2022

POEMA – “DUAS HORAS”

OLHEI-TE NOS OLHOS,
Eram negros,
Intensos
E tão profundos...
Toquei teus cabelos
Com o olhar,
Caminhei a teu lado
Nesse jardim,
Senti o teu corpo
Bem perto de mim
A respirar
O acre perfume
Dessa ramagem
Do vasto jasmim.

INEBRIOU-ME
Esse intenso
Aroma
Do belo jasmim
E eu enredei-te
Num tão doce enleio
Que me parecia
Nunca mais ter fim.

BRILHARAM
Pra mim
Tão docemente
Duas horas inteiras
Esses teus olhos.
E neles me perdi.

ESTIVE NO CÉU
Ao lado de deus
E lá vi dois sóis
Que não eram dele
(Uma luz intensa)
Porque eram teus.

MAS O TEMPO
Correu
Depressa
Demais.
E é sempre assim.
Todos os dias
Se tornam iguais
Quando tu partes
E, em nostalgia,
Eu fico no cais.

VOLTEI A OLHAR-TE
Três horas seguidas,
Parecia verdade
Mas era ilusão
Porque tu partiste
Deixando-me só...
...............
E o que sobrou
Foi a solidão.

SUBIU A TRISTEZA
A saudade irrompeu
Colou-se-me
Ao rosto...
.............
E como doeu!

SE EU NÃO TE VEJO
Sinto
Falta de ti,
Mas se te encontro
Logo te perco
Porque o tempo
Voa
E logo te leva
Pra longe dali.

TER-TE DEMAIS
Aumenta a saudade
E quando te vais
São negras
As nuvens
Da nossa cidade.

AINDA QUE TRISTE
Sinto-me feliz
E com estas mãos
Te vou escrevendo
O que quero dizer,
Mas este meu tempo
Volta a correr
E cresce a vontade
De logo te ver
Mesmo que saiba
Que é nesse instante
Que te vou perder.

EU TENHO SAUDADES,
Saudades de ti,
Desse virar
Da nossa esquina
Na rua de sempre
Onde eu te vi,
Da nossa janela
Donde espreitámos
O que do mundo
Sobrará para nós.

EU JÁ NEM SEI
Que hei-de fazer,
Ter-te demais
É puro prazer,
Mas quando te vais
Eu fico tão triste
Que o brilho do sol
Mais me parece
Um anoitecer.

OLHEI-TE NOS OLHOS,
Era já saudade
Da tua partida,
Gravei-te na alma
Pra melhor te ter
Porque já sabia
Que não regressavas
A esse lugar
Onde eu te vi
E me encantou
O brilho intenso
Desse teu olhar
Onde me perdi.

Jardim2022Rec

Artigo

A DESFORRA DE ANTÓNIO COSTA

Por João de Almeida Santos

 
Ballot box

Democracia. Jas. 01-2022

 

O PRESIDENTE MARCELO REBELO DE SOUSA convocou eleições legislativas para 30 de Janeiro, mas, a julgar pela campanha do PS, o que está a acontecer realmente é um momento referendário sobre o Orçamento de Estado para 2022, chumbado pelo Parlamento, provocando eleições antecipadas.

“Chumbaram o Orçamento mais à esquerda de que há memória,” parece dizer o PS, “então vamos submetê-lo ao juízo dos eleitores para ver se o aprovam ou o chumbam, para ver quem tinha razão. Se o aprovarem, votando num PS vencedor, voltaremos a submetê-lo ao Parlamento para aprovação, repondo o processo interrompido pelo injustificado chumbo e pela dissolução da Assembleia da República, retomando, assim (simbolicamente), a anterior legislatura”. Agora, sim, com uma profunda remodelação do governo. Governo mais ágil, refrescado e relegitimado. Por mais dois anos (garantidos), perfazendo, assim, os quatro anos do mandato anterior. A ser assim, estas eleições não serão, pois, mais do que uma paragem referendária para que o povo se pronuncie (in)directamente sobre o Orçamento – exibido, com incontido bom humor, no ecrã, pelo candidato António Costa, no debate com Rui Rio – e sobre a oportunidade de a oposição o ter chumbado. Operação que, todavia, é um pouco insólita, pois este mesmo Orçamento é um documento oficial do governo (ainda em funções) e não um documento do partido, sendo, pois, oportuno questionar a legitimidade formal do uso deste documento por indiciar uma efectiva confusão entre governo e partido. Esta confusão pode mesmo aparecer também como confusão de géneros entre Candidato e PM, o que é seguramente muito pouco ortodoxo. Mas a verdade é que se se verificar o que nos dizem as sondagens, o que acontecerá será a aprovação do Orçamento de Estado (lembremo-nos que o governo não se demitiu na sequência da dissolução da Assembleia da República, mantendo todas as prerrogativas, excepto as que dependam directamente de uma AR em funções) pelo povo soberano. Integralmente, se for com maioria absoluta. Retocado (ou não), se for com maioria relativa. 

Uma análise atenta do discurso de António Costa e do PS é a esta conclusão que nos leva.  A garantia de que a reposição do processo interrompido será possível foi dada por Rui Rio quando disse que garantiria um governo do PS durante dois anos caso este ganhasse as eleições com maioria relativa. E as sondagens apontam para este desfecho. Costa por isso pode exibir, sorridente, o Orçamento e dizer que o fará aprovar no dia seguinte ao fecho do processo eleitoral. A argumentação política do PS está, de resto, toda ela suportada nos ganhos que este Orçamento teria garantido. Tudo parece, pois, ter este sentido. Repor um processo incompreensivelmente interrompido pela irresponsabilidade do PCP e do Bloco. É esta a mensagem do PS.

PRESIDENCIALISMO DO PRIMEIRO-MINISTRO

NA PRÁTICA, temos aqui um típico processo de democracia directa, enxertada nos mecanismos da democracia representativa, onde, como se sabe, não são os programas que são escolhidos, mas os representantes, não concretas decisões, mas quem decide acerca delas (veja-se Schumpeter, Capitalismo, socialismo e democracia, de 1942). E também sabemos que, na prática, os representantes propriamente ditos pouca importância têm na escolha eleitoral porque o processo se centra na figura do candidato a Primeiro-Ministro, ou seja, não na constituição do legislativo, mas na constituição do executivo, em saber quem governa, sendo a constituição do legislativo mero meio instrumental para um fim superior: a formação do governo.

A expressão “presidencialismo do Primeiro-Ministro” parece ser da autoria de Adriano Moreira, em texto de 1989 (Adriano Moreira, «O regime: presidencialismo do primeiro-ministro», in Coelho, M. B., Org., Portugal. O Sistema Político e Constitucional 1974-1987, Lisboa, ICS, 1989, p. 36), e talvez se adapte bem (mas alargando o sentido em que o autor a usa) à evolução do sistema português quando verificamos que as eleições legislativas se transformaram, de facto, na eleição do Primeiro-Ministro, dando mais concreta expressão à personalização da política na figura dos líderes partidários. O sistema eleitoral ajuda porque no boletim de voto o que aparece é o símbolo partidário, só faltando mesmo acrescentar-lhe o nome e o rosto do líder do momento. Os candidatos dos círculos eleitorais pouco ou nada contam, pois a escolha é a que se centra no rosto do candidato a PM e no símbolo partidário. Trata-se, além disso, de listas fechadas construídas em grande parte pelas lideranças de acordo com a lógica interna exclusiva dos partidos (fidelidade, militância, representatividade interna). De facto, no processo a variável exógena da cidadania pouco ou nada parece contar a não ser numa óptica instrumental com vista à reprodução das elites no poder. Numa palavra, todo o processo tende a afunilar no candidato a Primeiro-Ministro, onde se concentrará no essencial todo o poder, sim, mas também toda a responsabilidade, incluindo naturalmente a de não formar governo se for directamente derrotado nas urnas, ainda que possa dispor de uma maioria parlamentar, como acontecerá no caso do PS de António Costa se isso se vier a verificar. Vejamos.   

A ESSÊNCIA DO PODER LEGISLATIVO

DO QUE SE TRATA efectivamente, no sistema representativo, é da escolha dos representantes da cidadania no poder legislativo, sendo a constituição do executivo resultante da formação de uma maioria parlamentar. O mandato é não imperativo, não revogável, para uma titularidade soberana livre e independente (dos círculos eleitorais e dos directórios partidários) . O representante não leva consigo um caderno de encargos que deverá executar, mas tão-só a sua consciência e a sua visão do que será o interesse geral.  Por isso, a selecção da oferta, em regime de monopólio partidário, deveria ser muito criteriosa e mais exposta à cidadania do que imposta segundo critérios exclusivamente internos. Mas a verdade é que com a configuração que o processo eleitoral assumiu estes aspectos perderam relevância e interesse político precisamente porque o que conta realmente é a figura do líder, enquanto candidato a Primeiro-Ministro e não enquanto candidato a deputado. Neste processo, o poder legislativo é relegado para segundo plano quando ele, na hierarquia dos poderes, deveria estar em primeiro plano, seguindo-se o poder executivo e, finalmente, o poder judicial. Uma hierarquia que nada tem a ver (ao contrário do que muitos pensam) com separação dos poderes, porquanto esta é plenamente compatível com a hierarquização dos poderes. Se a separação dos poderes é uma exigência funcional do sistema representativo para impedir que o poder se concentre num só órgão e o torne insindicável, a hierarquia dos poderes tem a ver com a sua origem. Na verdade, o único poder que deriva directamente da cidadania (do povo) é o poder legislativo, sendo os outros dois poderes derivados deste: o poder executivo sai das maiorias parlamentares; o poder judicial age de acordo com as leis e tem uma legitimidade de carácter meramente técnico. Portanto, só o primeiro possui uma legitimidade com dimensão ontológica em condições de fundar a legitimidade dos outros dois.

CONSEQUÊNCIAS

MAS, NA VERDADE, esta já não é a lógica que se está a impor, pois o sistema parece ter evoluído para um presidencialismo do Primeiro-Ministro. E é assim que, deste modo, o resultado eleitoral directo influencia a maior ou menor legitimidade da solução governativa que vier a resultar do Parlamento. Por exemplo: se uma força política que aspirava a conquistar a maioria (absoluta ou relativa que seja) não o conseguir, mas, pelo contrário, estiver em condições de formar uma maioria parlamentar de apoio a um seu governo (como aconteceu em 2015), encontra-se perante uma situação em que a legitimidade do candidato a Primeiro-Ministro fica muito fragilizada politicamente, embora formal e legalmente adequada à formação de um governo. A razão é simples: fracassando o objectivo proposto aos eleitores (a eleição, informalmente, directa como Primeiro-Ministro), tudo o resto se ressentirá inevitavelmente. Em 2015 havia duas razões que poderiam ser invocadas para que acontecesse o que aconteceu: o muro de Berlim e a “conventio ad excludendum” existente que recusava uma parceria governativa ao PCP e ao Bloco, duas forças com significativa presença parlamentar e uma expressiva representatividade, o que significava uma ilegítima e grave distorção do sistema; o facto de António Costa se ter proposto derrubar este muro, provando que seria possível governar com bons resultados naquelas condições.

Ora, nas actuais circunstâncias, derrubado o muro, tendo governado seis anos e perdendo as eleições é natural que António Costa decida sair dando lugar a uma recomposição do poder interno no interior do PS. Feita uma avaliação negativa da sua acção governativa (que não a do parlamento) decide, em consequência, sair. Mas se, como parece resultar das sondagens entretanto divulgadas, ganhar com maioria relativa, a legitimidade de voltar a formar uma maioria de governo será directa e efectiva, assim isso seja possível, designadamente através da assinatura de um acordo escrito com os seus parceiros (de esquerda) para que seja evitada essa flutuação de humores a que o líder do PS se tem vindo a referir, repondo a confiança perdida. Não o sendo, vejo, à partida, como problemática a constituição de um governo minoritário suportado pelo PSD, seu directo adversário, durante dois anos, pois isso contraria tudo o que António Costa tem vindo a dizer sobre o assunto, ou seja, a formação de governos por dois anos (“provisórios”, é a palavra usada) em vez de por uma inteira legislatura, razão pela qual, de resto, tem vindo a pedir uma maioria absoluta. Esta situação de vitória com maioria relativa, a mais provável, significa, pois, que, no fim, acabará por procurar encontrar uma solução que dê estabilidade governativa, ou seja, que fará um acordo com as forças que lhe possam dar uma maioria parlamentar? António Costa já disse que não, o que reforça ainda mais essa ideia de transformar estas eleições num momento referendário sobre o Orçamento. 

MOMENTO REFERENDÁRIO

DE FACTO, o que parece mais plausível é que o líder do PS queira transformar estas eleições nesse momento de verdade do seu Orçamento para 2022, pondo o eleitorado a votá-lo (in)directamente, através do voto no PS, para poder, assim, terminar o mandato, injustamente interrompido, de quatro anos. Uma espécie de referendum: “Chumbaram-no? Então vou ali perguntar ao povo se, afinal, aprova ou não aprova este meu Orçamento – veremos quem tinha razão”. É esta a lógica que sobressai com evidência, pois de outro modo não repetiria à exaustão que no dia seguinte ao processo eleitoral fará aprovar precisamente este Orçamento  (que exibiu repetidamente no debate com Rui Rio). Um Orçamento que, formalmente, não é do PS, mas do governo, repito. Este quadro é muito verosímil porque tem, à partida, como disse, garantida a abstenção do PSD durante dois anos, o que lhe basta, em caso de vitória por maioria relativa, para dar corpo a este desiderato. Completará, assim, um  mandato inteiro e dará sentido à sua ideia de que estas eleições não deveriam ter acontecido. Ou seja, António Costa parece estar, de facto, a reduzir estas eleições a mero momento referendário do Orçamento para 2022 que lhe permita completar o mandato injustamente interrompido.  Se, na forma, não é assim, na prática, é. António Costa regressa, assim, a 2021 e toma fôlego para em 2022 cumprir o seu Orçamento de Estado com um governo agora, sim, remodelado e confortado pela legitimidade que, entretanto, lhe será conferida pelos resultados eleitorais, pela voz do povo. Poderíamos, então, dizer com propriedade: eleições 2022 ou a desforra orçamental de António Costa. Ou melhor: “Interromperam a minha caminhada? Pois bem, perguntemos então ao povo se, nas actuais circunstâncias, era isso o que ele esperava dos seus representantes”. E o povo, a crer nas sondagens, dar-lhe-á razão, repondo assim a situação anterior ao chumbo do Orçamento, com um governo relegitimado e dotado de um Orçamento sufragado pelo voto popular. 

MUDAR DE VIDA?

MESMO ASSIM, e tendo presente a insistência das forças políticas maioritárias em obter soluções estáveis, o futuro talvez venha a aconselhar um sistema maioritário com círculos uninominais que fornecerá não só soluções de governo claras e estáveis, mas também, ou sobretudo, uma valorização do Parlamento pela responsabilização directa dos candidatos a representantes perante os cidadãos dos respectivos círculos eleitorais e, por consequência, uma melhoria na qualidade das candidaturas e um reforço do seu próprio peso político, visto que haverá um controlo de proximidade dos candidatos pela cidadania, ainda que uma vez eleitos não venham a ser representantes dos círculos eleitorais que os elegeram, mas sim da nação. E acrescento ainda que este reforço de qualidade seria maior se o governo fosse constituído, como acontece na Inglaterra, a partir do corpo de representantes presente no Parlamento. Uma valorização e um reforço do Parlamento, não só enquanto poder legislativo, mas também dos seus próprios membros, enquanto importantes responsáveis políticos nacionais.

Esta minha convicção não resulta de uma opção meramente teórica, mas resulta, isso sim, da verificação dos defeitos do sistema que adoptámos entre nós. Vejo, pois, que uma mudança nestes aspectos melhoraria o sistema no seu conjunto sobretudo se, depois, os partidos acompanhassem de forma não somente reactiva, mas construtiva, esta mudança. Mas talvez todo este processo a que estamos a assistir ajude a evidenciar as dificuldades do sistema e a provocar um debate profundo sobre o destino da nossa democracia, a natureza dos partidos políticos e a própria natureza da política contemporânea perante uma cidadania que está a conhecer uma profunda mutação na sua própria identidade e nos meios que hoje tem à sua disposição para impor mudanças que, ao que parece, o establishment político (mas também o mediático) teima em não identificar. #Jas@01-2022. 

Ballot box

Democracia. Detalhe

Poesia-Pintura

A JANELA

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “A Janela”.
Original de minha autoria.
Janeiro de 2022.

OndeTeVejo2022_1

“A Janela”. Jas. 01-2022

POEMA – “A JANELA”

NOS VIDROS
Desta janela
Se espelha
Todo o meu ser,
É neles que
Eu te revejo
Quando deixo
De te ver.

DA JANELA
Vejo o mundo
E o mundo
Vê a janela,
Debruçada
No parapeito
Olho o céu
E olho a rua
Para ver
Se passas nela.

NOS VIDROS
Desta janela
Há reflexos
Da vida,
Olho pra eles
Pensativa
Mas não me sinto
Perdida
Se puder
Falar contigo
Quando estás
De partida.

NESTES VIDROS
Da janela
Se espelha
Todo o teu ser
Quando passas
Nesta rua
E me sinto
Estremecer
Da falta que tu
Me fazes
Por ainda
Não te ter.

SE TE AFASTAS
Da janela
E vislumbro
Silhueta
Lá ao fundo,
Longe dela,
Eu sofro
Por te perder...
........
Na rua
E também nela.

VOA PRA LONGE
Essa tua
Silhueta
Que s’esgueira
Na esquina
Como se fosse
Cometa
A passar
Na minha rua,
Mas também eu
Me diluo
E me sinto
Um pouco nua
Na imagem
Transparente
Dos vidros
Desta janela
Como se fosse
Já tua.

FOSTE EMBORA
Do meu mundo
Onde eu
Te queria ter
Ao alcance
De um olhar
Para nunca
Te perder.

MAS NÃO DEIXEI
A janela,
Esperei sempre
Por ti,
Hora-a-hora,
Dia-a-dia,
Até que, por fim,
Eu te vi.

VI-TE
Da minha janela,
Desenhei-te
Com alma
E olhar
De devoção,
Pintei-te todo
A vermelho
Da cor da minha
Paixão...
...............
Mas mesmo assim
Tu partiste
Sem me dar
A tua mão.

DA JANELA
Sempre te vejo
Mesmo ausente
Da nossa rua,
Nos vidros
Fica imagem,
Perfeita
Como a tua,
Mas é sempre
Transparente
E não lhe posso
Tocar,
Guardo-a, então,
Com ternura
Em meu inocente
Olhar.

E GOSTO
Da Primavera,
Confundir-te
Com aromas
Que me chegam
À janela,
Anunciando
A chegada
Do melhor
Que sinto nela.

A JANELA
Não tem cortinas
Pra te ver
Na nossa rua,
Ver-te chegar
E partir,
Ficando um pouco
Mais nua,
Querer que
Me vejas
Assim
Tão brilhante
Como a Lua.

AH, QUANTAS VEZES
Eu desci
Da janela
Para a rua,
Olhava de baixo
Pra cima,
Mas eu nela
Não me via,
E, assim,
Não era tua.

O MEU MUNDO
É a janela,
O da rua
É o teu,
É dela que
Eu te vejo,
Na rua
Já não sou eu.

DA JANELA
Do meu mundo
Olho pra ti
Com calor,
Sem ela
Eu não te sinto,
Fica um muro,
Meu amor.

OndeTeVejo2022_1Rec

Artigo

DEMOCRACIA PÓS-ELEITORAL?

Por João de Almeida Santos

Ballot box

“Democracia”. Jas. 01-2022

EN ESTE ENSAYO intento hacer una crítica a los que, con demasiada frecuencia y ligereza, intentan sepultar, sin funeral, a la democracia representativa en nombre de ideas que, de tan viejas, nos hacen remontar a los tiempos de las corporaciones o de las visiones organicistas de la sociedad. ¿Qué es una democracia pos-electoral? ¿Qué son formas no electivas de representación (política)? ¿Qué instrumentos tiene el ciudadano para hacerse representar por los que no puede escoger libremente? Sobre todo hoy que el ciudadano tiene a su disposición miles de medios para protagonizarse públicamente y para tomar racionalmente sus decisiones. Claro, la ciudadanía no es directo resultado del principio electivo, porque es más amplia y más compleja. Pero nadie conoce ningún modo más eficaz de actuarla que el ejercicio del voto para escoger a sus representantes o para decidir sobre cuestiones de conciencia (referéndum). En realidad, la historia nos enseña que hay que tener siempre muchas dudas sobre las concepciones de la sociedad que se fundan en visiones científicas de la sociedad, donde la legitimación de los procesos sociales ya no es narrativa, pero, sí, científica. Y tampoco parece muy ajustado a la naturaleza de la democracia que sean los independientes o los representantes de las corporaciones los que mejor interpretan la voluntad general. Todos sabemos que las dictaduras de izquierda han siempre encontrado sus fundamentos en el materialismo histórico, la ciencia de la historia de matriz marxista, que conocía con rigor las leyes del devenir histórico hacia la sociedad sin clases ni Estado. Sabemos también que lugar han ocupado en la historia del poder político las representaciones corporativas y los anti-políticos. Más que reinventar el pasado, parece oportuno potenciar y proyectar en el futuro los principios fundamentales de la democracia representativa. Por ejemplo, a través de la democracia deliberativa.

Sumário

1. Uma «agorá» electrónica. 2. Rosanvallon e a «democracia pós-eleitoral». 3. Discrasia da representação. 4. Reapropriação da soberania confiscada. 5. O sistema representativo e o discurso do impolítico.

Uma «Agorá» Electrónica

Este título – «democracia pós-eleitoral» (Rosanvallon) – vem juntar-se a outros igualmente sugestivos, como «democracia pós-representativa» ou «democracia do público», num momento em que a ideia de «público» já está, ela própria, superada ou em profunda mutação no interior do novo paradigma comunicacional inaugurado pela Rede. No espaço público digital e deliberativo. Ou seja, a ideia de «público» como «espectador» (ouvinte ou leitor) – que era o referente do velho modelo mediático de comunicação e, por homologia, da própria política – parece estar a tornar-se residual perante a crescente generalização da comunicação em rede, onde os receptores já são também emissores, mas onde sobretudo esta relação emissor-receptor foi superada pela ideia de «rede de comunicação», de sistema comunicacional onde as relações são horizontais, sem centro nem periferia, e onde os sujeitos deram lugar a variáveis em relações múltiplas e não hierarquizadas entre si. A ideia de «público» migrou, pois, agora, para um imenso «espaço intermédio» universal, uma espécie de «agorá» electrónica sem lugar nem fronteiras, onde decorre o processo discursivo e deliberativo e para onde convergem todos os actores sociais. Um espaço com a sua própria lógica, mas com a imensa capacidade de albergar internamente lógicas diferentes.

Rosanvallon e a «Democracia 
Pós-Eleitoral»

Pierre Rosanvallon, num ensaio intitulado «Reinventar a democracia», publicado há uns bons anos, no «Le Monde» (8/10.05.2009), acabou por se fazer também intérprete das novas exigências que se põem hoje à democracia com a ideia de “democracia pós-eleitoral”. O que Rosanvallon diz é que temos de fazer três operações no interior do universo democrático, se quisermos responder aos novos desafios. Em primeiro lugar, alargar procedimentos e instituições para além do sistema eleitoral maioritário. Ou seja, é preciso «inventar formas não eleitorais de representação», diz ele. Depois, é necessário assumir a democracia como uma «forma social», uma «forma de sociedade», ou seja, como algo mais do que um simples regime. Em terceiro lugar, há que dar lugar a uma democracia-mundo, sobretudo através de um relançamento da cidadania para além da sua expressão eleitoral.
O que vejo nestas teses de Rosanvallon é uma tentativa de captar o que já flui no interior dos sistemas democráticos e que parece já não caber no interior dos módulos da democracia representativa clássica. Designadamente no interior do modelo representativo de gestão do chamado «interesse geral». Mas, na verdade, para interpretar e reorientar o novo que flui não é possível fazê-lo, como quer Rosanvallon, através da diluição do «princípio electivo» e da «representação», da ulterior extensão do conceito de democracia para além das larguíssimas fronteiras que ela conquistou (até à própria democracia social) ou sequer da dissociação da ideia de cidadania do princípio electivo (que certamente não a esgota, mas que a integra necessariamente), uma vez que é através deste princípio que a cidadania melhor se operacionaliza, determinando a própria construção institucional e legítima da democracia. Esta pressa em sepultar o que faz da democracia representativa o menos mau dos sistemas políticos, designadamente através da glorificação das entidades independentes ou das representações mais ou menos corporativas, não tem certamente em consideração que a sua história só poderá ser contada em plenitude a partir da segunda metade do século XX, descontada a sua fase censitária (séc. XIX e parte do séc. XX), as duas guerras mundiais (1914-18; 1939-45), os totalitarismos do Século XX (1922-1945) e todos os efeitos que estes factos produziram sobre um sistema tão delicado como é o sistema democrático representativo. Até mesmo na segunda metade do Século XX o bipolarismo político, ideológico e estratégico-militar representou um violento espartilho que impediu a democracia representativa de se exprimir em toda a sua plenitude. Veja-se, a propósito, os casos da Alemanha e de Itália. E, por isso, diria até que, ao contrário do que pretende Rosanvallon, do que se trata, cada vez mais, é de retomar a sua matriz originária interrompida ou nunca plenamente cumprida: 1) a centralidade do indivíduo no sistema; 2) a relativização da intermediação política e comunicacional; 3) o revigoramento da representação (do mandato-não imperativo); e 4) o aperfeiçoamento dos sistemas electivos e das representações supranacionais (com a velha ideia iluminista de cidadania universal) que já existem (por exemplo, o Parlamento Europeu) e que até têm dado boas provas.

Discrasia da Representação

Em boa verdade, o que se passa – mas era disso que Rosanvallon devia falar – é que a sociedade moderna produziu canais e formas de participação e de expressão política que transbordam, de facto, as margens do sistema representativo, agindo, depois sobre ele com uma tal «pressão ambiental» que acabam por gerar aquilo a que eu chamo «discrasia da representação» ou, mais simplesmente, «anemia democrática». E por várias razões:
1. porque a política democrática foi forçada a deslocar o seu centro geométrico das clássicas estruturas de participação territorial e de comunicação política interpessoal para o «espaço público mediatizado», sobretudo o electrónico, ou seja, para um não-lugar, anulando totalmente as fronteiras do tradicional espaço deliberativo, que eram territoriais e interpessoais;
2. ao fazê-lo, deslocou também o centro do poder deliberativo para a instância mediática, em perfeita e total homologia discursiva;
3. e ao retirar o seu centro geométrico das estruturas de participação e de expressão política tradicionais, interpessoais, comunitárias, associativas, localmente enraizadas e estruturadas, deslocando-o para o novo espaço público mediático, a política subtraiu, ipso facto, poder ao cidadão, porque induziu um processo de partilha da soberania delegada entre a representação institucional e instâncias não electivas, resultando daqui também uma evidente «confusão de géneros» e uma maior «discrasia da representação política». Não se tratou, evidentemente, de uma livre opção voluntária ou conjuntural, mas de uma profunda mutação estrutural na própria natureza da política: da política de matriz orgânica passou-se para a política de matriz comunicacional. Só que esta mudança estrutural acabou por gerar – devido ao poder dos media, em particular da televisão – um fenómeno de total homologação do discurso político ao discurso mediático que viria a afectar o próprio mecanismo da «delegação de soberania» e da «representação». São, de resto, muito bem conhecidos os efeitos da irrupção da televisão na comunicação política, a partir dos anos sessenta do século passado.

Reapropriação da Soberania 
Confiscada

Ora, a verdade é que a ideia de relançamento da cidadania só será compreensível e aceitável se ela representar, em primeiro lugar, uma reapropriação, pelo cidadão, da soberania confiscada, antes, pelos directórios partidários («partidocracia») e, agora, pelos directórios mediáticos («mediocracia»), e, em segundo lugar, um reforço do valor de uso do voto, designadamente através de uma valorização da «cidadania activa» a montante e a jusante dos processos eleitorais, mas sempre em função deles. Porque se alguma vantagem poderia haver na deslocação do centro da deliberação política para esse não-lugar do novo espaço público (que, afinal, acabou por, na era mediática, se confundir com as redacções das rádios, dos jornais e dos telejornais) ela só poderia acontecer se se verificasse uma efectiva emergência do cidadão individual como protagonista político directo, dotado de autonomia discursiva pública e com capacidade efectiva de condicionar as próprias «agendas» pública e política. O que, de todo, não foi possível na era mediática por falta de meios autónomos de acesso ao espaço público – que foi sempre um espaço mais ou menos condicionado – e por força da lógica dominante das grandes organizações – dos media aos partidos políticos. Gatekeeping discursivo e gatekeeping político. É claro que os media permitiram um alargamento da intervenção política para além da esfera das elites políticas tradicionais (do «parlamentarismo» à «democracia de partidos»), mas nem por isso deixaram de agir no interior de uma lógica que era equivalente à das grandes organizações partidárias; do «catch all parties« a um «catch all media». Lógicas que, de resto, se replicavam e replicam.

Ora é este panorama que hoje começa a estar superado, tantos são os canais disponíveis de acesso a um novíssimo espaço público deliberativo que está a convergir cada vez mais para esse «espaço intermédio» universal que designamos por Rede, um espaço digital. O que aconteceu foi que, com o espaço público mediático, o indivíduo singular estava mais identificado funcionalmente com o espectador, o leitor ou o ouvinte do que com o «cidadão activo», não dispondo, por isso, de virtuais capacidades operativas de livre estruturação do espaço público. Isto só viria a acontecer com a Rede e o digital. E, aqui, sim, passou a ser possível construir uma democracia deliberativa plenamente compatível com a democracia representativa, praticável a partir desse não-lugar que é a Rede e centrada num cidadão não dependente nem dos «gatekeepers» mediáticos nem dos velhos comunitarismos militantes, do gatekeeping político. Ou seja, aqui passou a ser possível superar os problemas que resultaram da emergência dos media como directos protagonistas políticos e como espaço público de acesso condicionado, sem transgredir aquelas que são as bases essenciais da democracia representativa, o «princípio electivo» e o «indivíduo», enquanto seu suporte ontológico decisivo. Além disso, o exercício democrático, nesse plano superior da comunicação em rede, poderá constituir sem dúvida um enorme upgrade naquele que continua a ser o menos mau dos sistemas políticos disponíveis. Este sistema até já tem nome – chama-se democracia deliberativa, a que corresponde a respectiva política deliberativa. E a verdade é que nunca como hoje os cidadãos tiveram tantos meios de livre acesso ao espaço público, embora reconheça que também nunca como hoje os poderes fortes organizados tiveram tantos meios para agir instrumental e eficazmente sobre as consciências.

O Sistema Representativo 
e o Discurso do Impolítico

Uma coisa é certa: a «democracia permanente», ou seja, como «forma de sociedade», como pretende Rosanvallon, tenderá sempre a abafar o chamado «discurso do impolítico», do politicamente irredutível, que vale socialmente muito, mas que nunca deve ser convertido numa função do poder, mesmo que seja o democrático. Ora eu creio que a democracia representativa, agora sob a forma de democracia deliberativa, a que corresponde um novo espaço público digital e deliberativo, ainda continua a ser aquela «forma política» que melhor garante a expressividade e a autonomia do impolítico socialmente pregnante e relevante. Como alguém diria, há mais vida para além da política. E a política tem mesmo o dever de a preservar. E que melhor sistema do que o sistema representativo para garantir a autonomia da esfera do não-político? O velho e lúcido Benjamin Constant, no seu discurso de 1819, no Real Ateneu de Paris, sobre a «liberdade dos antigos comparada com a dos modernos», formulou esta distinção de forma admirável: ao contrário dos antigos gregos, a representação política existe para que os cidadãos possam perseguir os seus fins privados em total liberdade, sem que, com isso, deixem de cuidar convenientemente do interesse público comum (através dos seus representantes). É certo que cada vez mais se fala de «aldeia global», mas não é preciso exagerar, procurando restaurar a velha democracia directa de ateniense memória, mesmo que os novos meios pareçam torná-la possível. Não nos esqueçamos que na Grécia antiga escravos, estrangeiros e mulheres não participavam na gestão da polis, porque não eram considerados cidadãos. E que ainda não era conhecida uma verdadeira distinção entre o público e o privado porque a lógica dominante era a da comunidade, que tudo sobredeterminava. A verdade é que o impolítico (de que fala abundantemente o Thomas Mann de “Considerações de um Impolítico”) é também ele uma importante esfera da vida, da Lebenswelt, que não pode ser subsumido na prática política, sendo, todavia, certo que ele será decisivo, a médio prazo, para a conquista da hegemonia, no sentido em que a assumia Antonio Gramsci. Este é o universo da sociedade civil, o da esfera privada, aquela esfera que, afinal, a política deve servir como seu fim último, em obediência a uma sã ética pública. #Jas@01-2022

Ballot box

“Democracia”. Detalhe

Poesia-Pintura

VESTIDA DE CORES

Poema de João de Almeida Santos.
Ilustração: “Campainhas do Paraíso”.
Original de minha autoria
para este poema.
Janeiro de 2022.

Campainhas01_2022_4jpg

“Campainhas do Paraíso”. Jas. 01-2022

POEMA – “VESTIDA DE CORES”

VESTES CORES
Garridas
No palco
Desse teu mundo
Em danças
De luz
Como quem grita
A beleza
Que leva
Dentro de si...
.........
E seduz.

COBRES-TE DE TI,
Agasalhas-te
A alma,
Repetes,
Feliz,
Em mil poses
O teu rosto
Em perfil...
..........
E sorris.

MAS QUANDO
Regressas
A ti
É como o fim
De um sonho
Que levou
Ao paraíso,
A queda
De um anjo
Na rotina
Do viver
Convertida...
.............
Em sorriso.

MAS EU SIGO-TE,
Vou
E voo
Atrás de ti
Com poemas
Sempre feridos
Em cor viva,
Por aí,
Com versos
Em voz
Rouca
De tanto
Eu te dizer,
Murmúrios
De quem te sente,
Palavras
De não te ter.

NÃO IMPORTA
Que a fuga
Para a boca
De cena
À procura
De autor
Que te cante e
Que te conte
Ao mundo
Seja fuga
De ti própria
Para a luz
Da ribalta,
Rituais
De celebração
Onde a cor
Nunca te falta.
 
EU GOSTO
De te ver assim,
Luminosa,
Oficiante
Desse rito
Pagão
Que celebra
A arte
E a liberdade
Como pregão
Nas ruas
De uma cidade.

MAS EU CONTINUO
Por aqui,
Na solidão
Sideral da
Montanha
A olhar
O horizonte
Sem fim,
Ao crepúsculo,
Pagando
Com poemas
E rapsódias de cor
O meu tributo
Aos rituais
Da redenção
Pela arte
E por amor.

AH, COMO GOSTARIA
De te rever
Na praia
Da meia-lua,
O nosso cais,
No baile
Da meia-noite,
O brilho
Da lua-cheia
A acender-te
A alma...
..................
Mas já é tarde 
Demais!

Campainhas01_2022_4Rec

Artigo

A PETIÇÃO

João de Almeida Santos

Ballot box

“Democracia”. Jas. 01-2022.

LI COM ATENÇÃO A PETIÇÃO PÚBLICA (“Coragem para Fazer um Compromisso”) que circula sobre a necessidade de o centro-esquerda e as esquerdas se entenderem no pós-eleições legislativas, através de um “compromisso programático” (eventualmente assinado também por organizações da sociedade civil) alicerçado nas problemáticas da regionalização e dos sistemas sociais e num desenvolvimento económico fundado na coesão, no conhecimento e na ecologia. Vi também que a petição foi, inicialmente, subscrita por 29 promotores da área do PCP, da esquerda mais radical e do próprio PS, tendo, no momento em que escrevo, já sido assinada por 663 pessoas. Entretanto, surgiu uma outra carta aberta, “Votos por uma maioria plural de esquerda” (“Público”, 04.01.2021, p. 7), assinada por cem promotores, provenientes, designadamente, do jornalismo e do mundo universitário e cultural. Um novo documento no mesmo sentido. Referir-me-ei sobretudo ao primeiro documento (este artigo já estava escrito quando saiu o segundo documento), sendo certo que o objectivo e o enquadramento dos dois documentos é, afinal, o mesmo.

I.

São, sem dúvida, iniciativas louváveis porque traduzem uma concreta intervenção de cidadania activa no processo político, enriquecendo-o. Se é verdade que a fragmentação do sistema partidário (mas também  o crescimento da abstenção) tem indiciado ausência de resposta satisfatória do establishment político às expectativas da cidadania, também é verdade que só uma sociedade civil mais robusta e interventiva poderá ajudar à recuperação da crise de representação que daí resultou. Esta solução, no quadro do sistema representativo, até já tem um nome e chama-se democracia deliberativa (veja-se, sobre este assunto, o meu capítulo no livro Estudos do Agendamento, Labcom UBI, 2020, de Camponez, Ferreira e Rodríguez-Días, Org., de acesso livre em https://labcom.ubi.pt/book/364 ), ou seja, uma democracia que valoriza precisamente, e de forma intensa, o papel político da sociedade civil, como nunca antes aconteceu. Papel que não é desempenhado somente em períodos eleitorais, mas também, ou sobretudo, durante o regular funcionamento da vida democrática. É neste sentido que valorizo estas iniciativas. Estas intervenções da sociedade civil são tanto mais importantes quanto sabemos que, fruto da extrema personalização da política na figura dos líderes, as máquinas partidárias estão fortemente submetidas à vontade dessas lideranças personalizadas, tornando-se incapazes de mobilizar a cidadania por contacto directo ou intervenção orgânica para além dos períodos eleitorais, vivendo ao sabor da conjuntura e no interior de uma lógica interna que acaba por produzir inaceitáveis tendências endogâmicas e um real descolamento em relação à sociedade.

II.

Ora, no caso em apreço – as eleições de 30 de Janeiro -, o que está em causa é o desafio entre duas lideranças, a de António Costa e a de Rui Rio, ficando em posição totalmente subalterna a real composição do Parlamento, para além da sua dimensão numérica, e a sua inestimável função e independência. Os deputados foram escolhidos sem grandes e bons critérios de selecção (mas reconheço que, desta vez, não havia muito tempo para o fazer) em listas fechadas que terão como “etiqueta” exclusiva o rosto do líder candidato (o logo do partido é com ele que acaba por se identificar), não a deputado, mas a primeiro-ministro. Ou seja, uma perversão que acontece logo antes de o jogo começar. Na verdade, a composição do Parlamento só interessa numericamente para dar, ou não, uma maioria de governo e um governo que será exclusivamente escolhido pelo líder, sem obrigação de o fazer entre os membros do Parlamento (como acontece no sistema inglês). Em si, como órgão legislativo, o Parlamento pouco parece importar. O que é, isso sim, um grave desvio em relação à própria natureza do sistema representativo, invertendo-se até a própria hierarquia dos poderes, com o poder executivo a subir ao topo da hierarquia, o que contribui para enfraquecer, de facto, a separação dos poderes. Na verdade, num sistema como este, o que os eleitores escolhem não é a composição do Parlamento, mas sim a figura que irá desempenhar a função de primeiro-ministro, aumentando assim a legitimidade deste e o seu poder sobre a maioria que o sustenta e sobre, naturalmente, o próprio partido. Não foi por acaso que alguém, a propósito disto, falou em presidencialismo do primeiro-ministro. Este facto, todavia, tem consequências: perdendo as eleições, este candidato vê a sua legitimidade diminuída para, apesar disso, formar governo com base numa maioria parlamentar, como aconteceu em 2015, e repor, assim, a centralidade (perdida) do Parlamento. Será por isso que António Costa agora diz que se perder sairá, mesmo que haja uma maioria de esquerda no Parlamento? Foi com base numa lógica deste tipo que defendi, em 2004, eleições antecipadas quando Durão Barroso emigrou para Bruxelas.

III.

Em que ponto, pois, nos encontramos? Simples: o líder do PS pede uma maioria absoluta como a única solução que garante estabilidade, apesar de saber que o nosso sistema eleitoral não é amigo de maiorias absolutas (muito menos de um só partido), poucas vezes tendo estas acontecido. Não são, de facto, como por aí dizem, os portugueses que não gostam de maiorias absolutas, mas sim o sistema eleitoral. Por outro lado, e ao contrário do que desejam os peticionistas, António Costa não está disponível para novas alianças que fiquem sujeitas aos humores dos parceiros (foi mais ou menos isto que disse). Também disse que se não ganhar (pelo menos com maioria relativa, digo eu) abandona a liderança do PS. Pergunta: o que lhe resta, pois, para além da maioria absoluta ou de um governo minoritário que cairá à primeira oportunidade?

IV.

Dá a sensação de que António Costa joga tudo por tudo: ou tem maioria absoluta ou sai. Numa situação destas a estratégia da petição e da carta aberta deixa de fazer sentido, a não ser para um período pós-Costa, previsivelmente liderado por Pedro Nuno Santos, a única voz  que sempre se fez ouvir sem a necessária autorização do líder (por exemplo, nas presidenciais) e um dos obreiros da famosa “geringonça” e da sua sobrevivência ao longo de quatro anos. E, sendo assim, uma reflexão estratégica para o futuro fará, sim, todo o sentido.

V.

Que reflexão? Em primeiro lugar, sobre a própria política e sobre o estado actual da democracia. Em segundo lugar, sobre a nova identidade da cidadania decorrente da progressiva emergência da sociedade em rede e das TICs. Em terceiro lugar, sobre as estratégias de desenvolvimento, garantindo um eficaz uso generalizado das tecnologias e do digital e a sustentabilidade ecológica. Neste sentido, a petição ganha, pois, relevância e pode ser subscrita e reforçada. Reforçada até na exigência de não se ficar somente pelo acordo escrito e pelos poucos princípios que avança, mas também por uma proposta mais articulada e até por uma cláusula de participação efectiva no governo das forças que a subscrevessem. Densidade programática, a que corresponderia uma densidade executiva, sem que isso viesse a diluir a diferença (mas também a compatibilização) entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade e gerando, por isso mesmo, uma virtuosa ética pública. Algo talvez mais importante do que a própria componente programática.

VI.

O PS sempre foi sozinho, com os seus valores e os seus programas, às eleições e também desta vez irá, exibindo seis anos de governação e projectando para o futuro as suas propostas programáticas. Também irá com um grupo parlamentar que não evidencia grandes novidades qualitativas em relação ao passado recente, constituído por membros do governo (quase um terço – ou seja, quase metade do total dos membros do governo – do que provavelmente será o GP/PS), por candidatos que já eram deputados  (alguns dos quais andam por lá há décadas e outros que, tendo transitado da JS, nunca de lá saíram), por outras escolhas pessoais (directas ou indirectas) do líder e por alguns nomes desconhecidos do aparelho distrital. Não me parece, pois, que, no caso do PS, a quebra de tensão ideológica que tem vindo a verificar-se esteja a ser compensada pelo conjunto dos candidatos ao Parlamento ou por um reforço da ligação orgânica do partido à sociedade civil (nem de facto nem de forma organizada). O que representa, na minha opinião, uma grave fragilidade, colocando seriamente a questão da selecção dos dirigentes e dos candidatos institucionais.

VII.

Ou seja, estas eleições poderão vir a ser, afinal, “Mais do Mesmo”, ou, então, poderão constituir uma oportunidade para uma viragem na política do nosso país. Isso dependerá fortemente do voto dos eleitores, uma vez que ele produzirá fortes efeitos internos nos partidos, mas também, ou sobretudo, da classe dirigente e das elites que ocupam posições relevantes no sistema social. Assim tenham elas um sobressalto de urgência e de cidadania nas propostas a fazer, a si próprias e aos cidadãos. Os dois documentos referidos são um tímido sinal do que deveria acontecer de forma mais robusta e articulada.

VIII.

Estes documentos têm ainda um outro significado: o de acrescentar intervenção qualificada de outros protagonistas que não (são) os mesmos de sempre, ou seja, os jornalistas e comentadores que ocupam os interfaces dos grandes meios de comunicação, sempre posicionados como se o país tivesse delegado representação neles próprios, determinando, assim, a partir das suas posições subjectivas e da credibilidade dos púlpitos de que falam, o rumo da política no nosso país. Sou dos que acham que os media exercem “efeitos fortes” sobre o comportamento eleitoral, tendo-o demonstrado abundantemente no meu livro Media e Poder (Lisboa, Vega, 2012), e, por isso, vejo com preocupação a militância aguerrida destes diligentes agentes orgânicos dos vários poderes instalados. Bem sei que as redes sociais deram lugar a outros protagonismos e que acabaram com o monopólio dos media no acesso ao espaço público, em geral, e ao espaço público deliberativo, em particular. Sim, e é um facto positivo, mas o que se torna necessário também é aumentar o nível de organização informal no espaço público deliberativo. Sabemos bem o que está a acontecer no plano autárquico com os chamados movimentos autárquicos não partidários, apesar de uma lei que os prejudica e que, a meu ver, até é inconstitucional. Ou seja, conhecemos a força que estes movimentos de cidadania têm vindo a demonstrar. Ora isto significa que há espaço para que a sociedade civil se faça ouvir com mais força, obrigue a melhores e mais transparentes processos de decisão e (a montante) a melhores critérios de selecção de todos aqueles que, mais tarde, virão a ser dirigentes partidários e detentores do poder formal. É a este processo que eu chamo política deliberativa e democracia deliberativa.

IX.

Não é o caso de aqui fazer um diagnóstico do estado actual da política, porque já o tenho vindo a fazer em inúmeras ocasiões e desde há muito tempo. Mas tenho a convicção profunda de que as mudanças que as nossas sociedades têm vindo a conhecer exigem uma correspondente mudança política que ainda não aconteceu, à excepção dos movimentos populistas, que da mudança só recolhem o que de pior há nela. E, por isso, se o establishment não responder aos novos desafios, sem ser de forma puramente transformista, o que acontecerá é uma brutal viragem em direcção ao autoritarismo, que não interessa a ninguém. É disto que se trata. Mesmo nestas eleições. #Jas@01-2022

Ballot box

“Democracia”. Detalhe.